Não gostava de ter pais da era da Segunda Guerra Mundial e ficou "doente" quando a irmã saiu de casa. Um outro olhar sobre Rui Tavares

8 mar, 10:00

Em conversa com Cristina Ferreira assumiu que herdou o gosto pela política e pela História da família. Da infância recorda as aventuras

É o último de cinco filhos e aprendeu a viver numa família onde o dinheiro era contado. Rui Tavares tem em Lisboa a cidade que lhe enche alma, mas é a Arrifana, no Ribatejo, que lhe enche o coração. Foi para falar disso mesmo que o porta-voz do Livre esteve no Dois às 10, à conversa com Cristina Ferreira.

A aldeia a marcar

Nasceu em Lisboa, mas cedo foi marcado pela aldeia, pela Arrifana. Rui Tavares lembra que passou lá dois períodos da sua infância, o que lhe “marcou a diferença”, até mais do que se tivesse nascido lá.

E isso mantém-se, mesmo numa altura em que os portugueses parecem gostar menos da vida de aldeia. “Há duas oliveiras na minha aldeia. A gente tem um carinho por aquelas árvores, é uma coisa inexplicável”, conta, falando numa “ligação à natureza” que só quem lá passa é que sabe.

“É o tempo que corre de outra maneira e sei lá… é engraçado porque, porque foi um crescer livre”, explica.

Afinal a Arrifana era a “última aldeia da estrada”, por ali passavam muito poucos carros – desses poucos um era a carreira e outro o do pai que vinha do banco, em Santarém, para casa.

“Não havia telemóveis nem nada disso. Nós podíamos ir brincar, tomar banho no rio da aldeia vizinha, descer os barrancos…”, recorda, falando também no dia da espiga, que se comemora na Quinta-feira da Ascensão, o feriado regional do Ribatejo, e que ajuda a entender melhor o mundo.

Lugar de imaginação

Do pequeno lugar pensava-se no mundo. Na China, quantos milhões viverão lá, questionava-se Rui Tavares, em jovem. Há uma espécie de curiosidade, as pessoas metem-se na vida das outras, e soa a ecos de Tom Sawyer ou Huckleberry Finn.

“Há um horizonte maior, não sei”, continua, admitindo que era um miúdo “traquina” em alguns pontos, talvez também beneficiado por ser o último de cinco irmãos a fazer traquinices.

A irmã mais velha tem 19 anos de diferença, “é tipo uma segunda mãe”, e Rui Tavares lembra-se dela até do seu casamento. Tinha ele quatro anos e a irmã já tinha saído de casa. Nessa altura ficou “doente”, mas acabou por compensar com o nascimento da sobrinha, logo a seguir.

À frente do tempo ou atrás?

Os pais eram dos finais da década de 1920 ou dos inícios da década de 1930. Eram de antes da Segunda Guerra Mundial, atira Rui Tavares, que já nasceu “fora de tempo”.

Bem ao contrário dos amigos, de quem tinha “um bocadinho de inveja”, uma vez que os pais eram mais jovens, mais “modernos”, nascidos na década de 1960.

Mas da mãe, hoje com 93 anos e uma memória incrível, herdou o gosto pela História, profissão que decidiu seguir, até porque “era o que ela queria ter sido”, caso tivesse possibilidade de estudar para tal.

E é a mãe a assumir que já não pensava ter mais filhos quando apareceu “o Rui”. Estávamos em 1972. A irmã tinha nascido 19 anos antes.

“Ele dizia que tinha duas mães. De tal maneira que, quando a irmã casou, ele ficou com febre, com saudades de não ver ali a irmã em casa”, recorda a mãe, voltando a uma história já falada.

Mas o que Rui Tavares gostava mesmo era de ler. Estava sempre a fazê-lo, diz a mãe, que assume que, tal como adivinhava o filho, teria seguido os estudos, provavelmente para História, se o pudesse ter feito.

E a veia política também lá estava. Quando chegava a casa, muitas vezes vindo da biblioteca da Penha de França, em Lisboa, Rui Tavares ouvia os mais adultos a falar de política – “tive um irmão preso”.

“Fomos sempre de esquerda”, lembra a mãe, que percebeu logo que o filho Rui também se interessava pela política. O bichinho nunca morreu e decidiu abraçar o projeto – primeiro no Bloco de Esquerda, agora no Livre.

Quando soube a mãe só lhe pôde perguntar “no que te metes?”. Mas ele meteu-se. E a mãe deu-lhe um abraço.

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