"Enquanto não formos capazes de aumentar salários, é difícil reter trabalhadores em Portugal"

ECO - Parceiro CNN Portugal , Isabel Patrício
13 fev, 09:00
Dinheiro (Pexels)

Evitar a saída de profissionais de Portugal depende do aumento dos salários. Quem o diz é o novo diretor da escola de negócios da Católica Porto, que critica medidas como a "devolução" das propinas

Já são mais de 850 mil os jovens que decidiram sair de Portugal e nem o IRS Jovem, nem a devolução das propinas estão a conseguir dar um contributo relevante para estancar essa fuga de talento. Quem o diz é o novo diretor da escola de negócios da Católica Porto, que, em entrevista ao ECO, sublinha que, enquanto o país não conseguir pagar melhores salários, continuará a ser difícil reter cá profissionais.

Além de reforçar o investimento, melhorar a produtividade e baixar a carga fiscal, João Pinto adianta que para que os salários engordem de forma mais significativa do que nos últimos anos é preciso avançar com a formação dos gestores e líderes das empresas portuguesas. Com melhores qualificações, terão capacidade de gerar mais riqueza e, assim, reforçar os vencimentos, acredita o responsável.

Em entrevista a pouco mais de um mês das eleições legislativas, o novo dean deixa também um recado: nas condições atuais, não é possível às empresas pagarem um salário mínimo de mil euros, como defendem o PS e a Aliança Democrática como meta a cumprir até 2028.

Portugal está entre os países europeus com maiores taxas de emigração. As saídas são especialmente preocupantes no que toca aos jovens, têm alertado os especialistas. Como é que estancamos esta fuga?

Temos de ter capacidade de reter os jovens, nomeadamente aqueles que terminam os seus cursos no ensino superior em Portugal. Para isso, é necessário que as empresas tenham capacidade de pagar salários mais elevados e competitivos face ao praticado noutros países na União Europeia. Só quando tivermos um salário médio mais elevado com capacidade de reter talento ou uma tributação mais baixa… Temos de trabalhar estas duas vertentes. Por um lado, é preciso que haja um aumento do salário, e isso só é conseguido com aumento de riqueza e de produtividade nas empresas. Por outro lado, é preciso trabalhar na carga fiscal.

A propósito, nos últimos anos, o Governo tem baixado o IRS aos trabalhadores que estão a entrar no mercado de trabalho, através do IRS Jovem. Ainda assim, a imigração continua. É uma medida que tem tido efeitos efetivos ou só tem servido como anúncio?

Falei nas duas vertentes: na parte fiscal e no salário em concreto. O problema está aí, no salário bruto global e na sua comparação com outros países próximos de Portugal para onde vão os nossos alunos no final de curso e os outros trabalhadores. Enquanto não formos capazes de aumentar o salário bruto médio em Portugal, é difícil conseguir reter quer estudantes quer outros trabalhadores, que começam a comparar e facilmente vão para fora.

Mas, em termos fiscais, o IRS tem algum peso nessa decisão ou não? É uma medida que está a ter o efeito que devia ter?

Não está a ter o efeito que devia ter ou as estatísticas seriam outras.

Também para evitar a saída dos jovens, o Governo anunciou a devolução das propinas, através de um prémio à valorização das qualificações. Que avaliação faz desta medida?

É um paliativo. Portugal tem universidades com muita qualidade e os alunos saem e têm procura fora de portas. Para estes alunos não é esse valor que vai fazer a diferença entre ficarem ou irem para fora. Para o melhor talento, não é este valor que vai ter um peso grande na tomada de decisão.

Mas haveria alguma forma de compensar de forma mais determinante quem decide ficar a trabalhar em Portugal? Haveria uma medida mais atrativa do que a devolução das propinas?

Respondo-lhe com políticas económicas mais globais. Se não tivermos capacidade para promover a economia e para promover o investimento público, para que, depois, o investimento privado possa acompanhar…Desde a crise financeira que Portugal não tinha níveis de investimento tão baixos como nos últimos anos. Sem investimento público, não há investimento privado. E sem investimento, não há capacidade de ter crescimento económico. E sem isso, também não conseguimos subir os salários. Esse é que é o problema e os governos não olham para a economia como devem olhar, percebendo que o crescimento vem da economia e menos da componente financeira. E voltamos também ao tema da carga fiscal. Também sobre as empresas a carga fiscal é extremamente elevada.

Portanto, investimento e redução da carga fiscal são, no seu entender, as chaves para pôr os salários a crescer mais.

Temos também de ter maior produtividade. Além disso, claramente é preciso apostar na formação dos gestores e dos líderes das empresas portuguesas. Há um défice enorme em Portugal ao nível da literacia financeira. Nos países nórdicos, as crianças, a partir do quinto ou sexto ano, têm noções de literacia financeira na escola. Se não quiserem seguir uma carreira de gestão, pelo menos ficam com ferramentas para gerir o seu orçamento e para tomarem decisões informadas. Nós não temos isso. Não temos isso no ensino secundário. E no ensino superior, temos só nas áreas específicas de gestão e economia. Temos muitos gestores que não têm noções de gestão financeira. Falo da gestão financeira, mas podia falar de sustentabilidade, digitalização ou inteligência artificial. São áreas em que temos de desenvolver os nossos gestores para que as empresas tenham maior capacidade de geração de riqueza.

Essa formação deve ser promovida ao nível das políticas públicas ou por iniciativa dos próprios empresários? O que está a falhar?

Deve partir dos dois. O ensino superior, por um lado, tem um papel fundamental na preparação das gerações futuras para os desafios e oportunidades dos trabalhos do futuro. Por outro lado, é necessário que o próprio Estado crie mecanismos de apoio para que haja um processo de requalificação dos trabalhadores. É necessário que a aprendizagem ao longo da vida seja incentivada para que haja uma atualização contínua das competências.

Voltemos aos salários. Tanto o PS, como a Aliança Democrática defendem que o salário mínimo deve chegar aos mil euros até 2028. Parece-lhe razoável, tendo em conta o cenário que descreveu?

Se eu gostava que o país tivesse um salário mínimo de mil euros? Sim. Era bom para a retenção de talentos. Mas será que é possível? Acho que não. O nosso tecido empresarial é caracterizado por pequenas e médias empresas. Não temos um tecido empresarial de grandes empresas, como têm vários países europeus. Com o que temos, com um nível de produtividade relativamente baixo face à média europeia, como é que as empresas vão conseguir aumentar em três ou quatro anos o salário mínimo para mil euros? Não vejo como.

A subida do salário mínimo para esse nível pode ser problemática para os empregadores?

As empresas vão ter problemas, porque a componente de gastos com pessoal vai aumentar, o que reduz as margens. Isto liga-se com um tema fundamental que é o facto de as empresas portuguesas terem um nível de endividamento muito acima da média europeia. Em momentos de taxas de juro mais elevadas — como estamos a viver hoje –, grande parte do dinheiro que as empresas geram na sua atividade é usado para pagar os juros aos bancos. E isso faz com que não tenham capacidade para aumentar salários. Não podemos achar que vamos ter taxas negativas como tivemos. O problema do endividamento é importante. Se não tivermos mecanismos de financiamento alternativos, como o capital de risco, não vejo muitas empresas a terem capacidade de aumentarem os salários para esses níveis.

No entanto, desde 2015 que o salário mínimo não para de subir, apesar dos desafios. O Governo tem olhado de maneira muito isolada para o salário mínimo?

O salário mínimo deve ser ajustado, mas não nos podemos focar apenas nele. Temos de nos focar no salário médio. É preciso que os salários mais altos também subam, e isso é mais difícil, por causa dos níveis de produtividade e os constrangimentos de tributação elevada e do nível de endividamento. Todo este contexto impede que o salário médio suba. Por isso, cada vez mais o salário mínimo está mais próximo do salário médio.

Na Católica Porto Business School, qual é a percentagem de alunos estrangeiros?

Há dois tipos de alunos internacionais. No total, em média, temos cerca de 30% de alunos internacionais. Grande parte são alunos Erasmus, ou seja, vêm e passam o semestre, mas regressam à sua universidade de origem. Alunos internacionais que vêm e fazem o curso todo cá, estamos a falar de 5%. O nosso grande objetivo neste mandato é melhorar a captação de alunos internacionais e fazer mais parcerias com universidades e empresas fora de Portugal.

Regra geral, pós curso, os vossos alunos ficam em Portugal?

Olhando para economia e gestão, a nossa taxa de empregabilidade é de 98% a 99%. Temos consciência que 30% dos nossos alunos vão para fora no final do curso. Das minhas conversas com os alunos, tipicamente ou vão estudar ou vão à procura de carreiras internacionais e, claro, de melhores salários.

Está a iniciar um mandato à frente da Católica Porto Business School. O que é que define uma boa escola de negócios?

Hoje uma escola de negócios tem de se focar na internacionalização e tem de se afirmar a nível europeu e internacional. Caso contrário, a curto prazo vai ter problemas. Outros desafios são a digitalização e a sustentabilidade. Qualquer escola de negócios que não se centre nesses temas perde espaço. É por isso que a Católica Business School está apostada na internacionalização, e na implementação de uma estratégia assente em pilares como a inovação com impacto. A interdisciplinaridade é algo que também é fundamental. Temos desenvolvido parcerias com outras faculdades para criar cursos muito inovadores. Estamos a lançar novas duplas licenciaturas. Uma que vamos lançar é em gestão e bioengenharia. Depois, há um outro pilar que é crítico, que é a ligação à prática.

Que planos tem, ao nível de financiamento da escola, para o seu mandato?

Uma escola de negócios tem três fontes de financiamento: as propinas, os projetos de investigação nacionais e internacionais, e a consultoria. Em termos de crescimento do número de alunos, estamos a desenvolver parcerias com várias escolas internacionais. Ao nível da formação executiva, temos também trabalho a desenvolver, nomeadamente oferecendo novos programas em áreas disruptivas e trabalhando com as empresas para desenvolver programas de formação à medida. Ao nível da investigação, estamos a fomentar candidaturas a projetos europeus. E ao nível da consultoria, estamos a apresentar novas soluções às empresas.

Que mensagem deixaria ao Governo que sair da ida às urnas de 10 de março?

Primeiro, é importante que o Governo olhe para o ensino superior e para o seu financiamento com mais força, aumentando a dotação que aloca, nomeadamente, aos centros de investigação. Por outro lado, sabendo nós que a educação é fundamental para preparar as novas gerações para os trabalhos do futuro, [espero] que o Governo possa criar equipas que, em conjunto com as universidades, pensem sobre isso.

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