Salários dos portugueses estão cada vez mais longe dos campeões europeus

ECO - Parceiro CNN Portugal , Isabel Patrício
6 fev, 07:45
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Ainda que venham a subir, salários portugueses estão hoje mais longe do topo da tabela europeia. Fracos níveis de produtividade travam aumentos maiores dos vencimentos, retratam especialistas

Os ordenados praticados em Portugal têm crescido, mas continuam a sair mal na fotografia europeia. Desde 2015 que o salário mínimo português não tem parado de crescer, mas no mesmo ano em que lhe foi aplicado “o maior aumento alguma vez ocorrido” foi também ultrapassado pela Polónia. A origem do problema? Os fracos níveis de produtividade do tecido empresarial português, apontam os especialistas, que apelam ao investimento e à melhoria dos serviços públicos como soluções para esse problema crónico.

Comecemos pelo salário mínimo. Depois de ter ficado vários anos congelado, em 2015 subiu 505 euros e, desde então, tem sido aumentado todos os anos, mesmo durante a crise pandémica.

Este ano, até subiu mais do que inicialmente tinha sido acordado entre o Governo e os parceiros sociais: em vez de chegar aos 810 euros, como inicialmente previsto, está agora em 820 euros, 60 euros acima do praticado em 2023, o equivalente a um reforço de 7,9%.

Salário mínimo passou de 485 euros em 2014 para 820 euros em 2024

Fonte: Pordata

“É o maior aumento alguma vez ocorrido“, fez questão de salientar o primeiro-ministro (agora demissionário), António Costa. Mas entre os países europeus, não faltam exemplos de quem tenha ido bem mais longe.

Na Hungria, por exemplo, entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024, o salário mínimo saltou 20%. Em Espanha, cresceu mais de 13%. E na Grécia, a subida foi superior a 9%.

Mas o maior aumento foi mesmo o registado na Polónia. O país aumentou em mais de 30% o seu salário mínimo entre janeiro de 2023 e janeiro de 2024, de acordo com os dados disponibilizados pelo Eurostat. E, com esse salto, o salário mínimo polaco ultrapassou o português e passou a constar do grupo dos dez mais elevados da União Europeia. Assim, se em 2023 Portugal estava no 10.º lugar do ranking europeu dos salários mínimos, em 2024 escorregou para o 11.º lugar.

Portugal sai do top dez europeu dos salários mínimos

Fonte: Eurostat

Além disso, a diferença do salário mínimo português face ao topo da tabela (posição ocupada pelo Luxemburgo) é hoje mais grave. Por exemplo, em 2019, o salário mínimo luxemburguês estava 1.389,75 euros acima do português. Hoje é 1.614,26 euros mais elevado.

E mesmo se considerarmos que os diferentes países têm preços diferentes, ajustando, então, os rendimentos a essas diferenças, Portugal não compara bem com os demais países europeus.

De acordo com o Eurostat, em 2024 o salário mínimo português ocupa o lugar 14.º no ranking europeu dos salários mínimos expressos em paridades de poder de compra, atrás de países como a Lituânia, a Roménia, a Polónia e a Eslovénia.

Salário médio sai pior na fotografia

Por outro lado, na fotografia europeia, pior do que o salário mínimo, sai o salário médio português.

Em 2013, data em que arranca a atual série estatística do Eurostat, o salário médio para um empregado a tempo inteiro em Portugal era de 16.625 euros, quase 43 mil euros abaixo do topo da tabela (posição ocupada também neste caso pelo Luxemburgo). Nessa altura, Portugal estava em 16.º lugar no ranking.

Já dez anos depois, Portugal passou para o 17.º lugar dessa tabela, com um salário médio de 20.483 euros. Ou seja, houve um crescimento considerável do salário médio português (cerca de 23%), mas não o suficiente para apanhar os demais países europeus. Contas feitas, a diferença face ao salário médio luxemburguês agravou-se para quase 55 mil euros.

Salário médio tem crescido, mas não tanto como noutros países

Fonte: Eurostat

Para os economistas ouvidos pelo ECO, estes dados não geram surpresa e são explicados, sobretudo, pelos baixos níveis de produtividade verificados em Portugal. “O problema está na produtividade“, salienta Armindo da Silva, ex-diretor na Comissão Europeia na área de emprego e proteção social. Sem empresas mais produtivas, é difícil a economia crescer e à boleia os salários serem mais competitivos, entende.

A propósito, o ex-secretário de Estado e professor universitário Pedro Martins sublinha que a economia portuguesa tem crescido nos últimos anos, mas está, ainda assim, “a ficar para trás face a outros países semelhantes” a Portugal. Os países do leste europeu (incluindo a referida Polónia) estão a crescer a um ritmo superior do que Portugal, “e isso cria margem para crescer os salários“, assinala o especialista.

No mesmo sentido, a professora Priscila Ferreira, da Universidade do Minho, sublinha que já num estudo seu sobre os salários médios tinha notado os avanços que têm sido conseguidos, por exemplo, pela Polónia ao nível da produtividade, o que ajuda a explicar o melhor desempenho salarial do que o conseguido por cá.

A economista aponta, além desta explicação, a renovação demográfica em curso. Isto é, estão a sair do mercado trabalhadores mais velhos com salários melhores, que estão a ser substituídos por trabalhadores mais novos cujos ordenados foram negociados em períodos de crise (nomeadamente, a crise de 2008). Ora, em momentos como esse, os salários tendem a ser mais baixos e começar a carreira com um ordenado inferior tende a ter reflexos duradouros.

Cientistas “não conseguem fazer foguetões com sacos de serapilheira”

Diagnóstico feito, impõe-se a pergunta: afinal, como podemos tornar as empresas nacionais mais produtivas, pôr a economia a crescer à série e, à boleia, robustecer os salários? O investimento (público e privado) é uma das chaves identificadas pelos especialistas.

“Portugal não tem tido uma boa história a esse nível. É preciso aumentar os nossos níveis de investimento“, sublinha Armindo da Silva, que defende um reforço tanto em quantidade, como em qualidade.

Priscila Ferreira coloca a questão de forma prática: “um conjunto de cientistas dificilmente poderá construir um foguetão com sacos de serapilheira“, ou seja, é mesmo preciso investir para melhorar a produtividade das empresas, nomeadamente em infraestruturas e no aumento das qualificações.

“Tentar dizer que a produtividade depende do trabalho é só deitar a culpa para o vizinho. Os dois vizinhos, trabalhadores e empresas, estão na mesma equipa, na verdade. É preciso cooperação para aumentar a produtividade“, apela a professora da Universidade do Minho, que não esquece o acordo de rendimentos conseguido pelo Governo de António Costa na Concertação Social em 2022.

Por sua vez, Pedro Martins atira que se “fala muito, e bem, da necessidade de investimento”, mas afirma que há outro ponto a ter em conta para melhorar a produtividade do tecido empresarial português: a melhoria dos serviços públicos. “Sem eles, a produtividade não vai aumentar e os salários não vão aumentar“, realça.

O ex-secretário de Estado dá um exemplo: se conseguirmos ter um serviço de emprego que ofereça melhores cursos aos trabalhadores (empregados e desempregados) isso pode fazer a diferença na produção e, por conseguinte, nas remunerações.

Salários magros resultam em pensões baixas

Trabalhar no sentido de reforçar os salários portugueses não será benéfico apenas para os trabalhadores do presente, mas também para os pensionistas do futuro. “As pensões são um reflexo dos salários, uma vez que são atribuídas em função da carreira contributiva e dos salários. Se os salários são baixos, as pensões também o são“, destaca Armindo da Silva.

Em linha com o aumento dos ordenados, os dados da Segurança Social mostram que também a pensão de velhice média tem subido. Em 2018, por exemplo, não chegava aos 475 euros. Já em 2021 estava em 523 euros.

Importa notar que a lei prevê um mecanismo de atualização anual automático das pensões. Com base na inflação e no crescimento da economia, as pensões sobem em janeiro de cada ano.

Além disso, durante vários anos o Governo de António Costa aplicou aumentos extraordinários de dez euros às pensões mais baixas para compensar os anos de congelamento vividos durante a crise financeira.

Ainda assim, tal como nos salários, Portugal está longe dos lugares de destaque da tabela europeia. De acordo com os dados do Eurostat, o rendimento mediano das pessoas com, pelo menos, 75 anos em Portugal estava em 17.º na lugar na tabela europeia em 2014, tendo subido para o 16.º lugar em 2022.

Rendimento mediano dos portugueses com mais de 75 anos tem crescido

Fonte: Eurostat

No entanto, a diferença face ao topo (novamente, o Luxemburgo) aumentou: em 2014 a diferença rondava os 29 mil euros, enquanto em 2022 já ultrapassava os 37 mil euros.

Ora, uma vez que, como vimos, os salários portugueses têm aumentado, no futuro as pensões médias portuguesas também estarão acima das atuais, antecipa Armindo da Silva. Porém, considerando que os ordenados portugueses não melhoraram a sua posição no contexto europeu, também as pensões deverão seguir esse caminho.

Por outras palavras, o esforço que for feito para melhorar já os salários não terá impacto apenas na carteira dos trabalhadores de hoje. Será determinante para o orçamento dos pensionistas de amanhã, sendo que melhores salários equivalem também a maiores descontos para a Segurança Social, reforçando a sustentabilidade desse sistema.

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