Morrer para "ser verde": estes caixões são o segredo para uma morte ecológica?

CNN , Thomas Page
26 dez 2021, 21:00

Os fungos não são clientes exigentes. Papelão, plástico, combustível de aviação e amianto, os fungos devoram tudo. Em 2007, cientistas que estudavam a paisagem destruída de Chernobyl descobriram um fungo capaz de “comer” radiação. Escusado será dizer que, naturalmente, os fungos não têm dificuldades em decompor-nos. 

O inventor holandês Bob Hendrikx está a aproveitar o poder dos fungos usando micélio - vastas teias de filamentos de fungos que normalmente vivem no subsolo - como uma alternativa aos caixões de madeira tradicionais. O “caixão vivo”, amigo do ambiente, não só cresce em ambiente negativo em carbono como se decompõe em seis semanas, em vez dos 20 anos que pode demorar um caixão de madeira normal. O caixão também trabalha na decomposição do corpo, acelerando o processo pelo qual a natureza consegue absorver os nutrientes dos mortos.

A Loop, a empresa de Hendrikx, não é a primeira a apanhar boleia do carro funerário ecológico. Os restos mortais cremados podem ser colocados em cápsulas para cultivar árvores ou moldados em recifes de coral artificiais, e os caixões feitos de vime, macramé e papelão estão todos à venda. Os enterros na floresta, onde caixões e roupas são feitos de materiais totalmente naturais, também estão a ressurgir. E quando o ator Luke Perry morreu, em 2019, foi enterrado numa "fato feito de cogumelo" projetado para ajudar a decompor o seu corpo. Mas usar micélio para fechar o corpo num "caixão vivo" é uma abordagem nova.

A motivação é simples: algumas práticas funerárias prejudicam o meio ambiente. Só nos Estados Unidos, são usados todos os anos mais de 15 milhões de litros de fluido de embalsamação ​​para enterros, segundo a organização sem fins lucrativos Green Burial Council. O fluido de embalsamação contém ingredientes tóxicos como o formaldeído, que se pode infiltrar no solo. 

A cremação também tem os seus próprios problemas, libertando quantidades consideráveis ​​de carbono na atmosfera e possivelmente metais pesados, se presentes no corpo (a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos calculou que quase 2 toneladas de mercúrio, encontrado em obturações dentárias, foram emitidas devido às cremações humanas, em 2014).

“O que realmente me deixa frustrado é o facto de, quando morrer, poluir a Terra. Sou um resíduo”, diz Hendrikx. Ele descreve o seu corpo como uma "lata de lixo ambulante com 219 produtos químicos" antes mesmo de ter em consideração os metais, a madeira e a cola normalmente usados ​​nos caixões.

“Os nossos processos atuais de enterro levam à escassez de materiais, à poluição do solo e a emissões de CO2”, acrescenta. "Criámos um processo superindustrial para um dos processos mais naturais da Terra."

Mas, com o tratamento correto, o corpo torna-se "um lindo saco de composto". Os cogumelos, diz Hendrikx, "são conhecidos como os maiores recicladores do mundo", transformando matéria orgânica morta em nova vida vegetal. "Porque não usamos isso?"

O Living Cocoon desenhado pela empresa Loop de Bob Hendrikx.

O Living Cocoon da Loop é composto de micélio cultivado em laboratório, aparas de madeira e ingredientes secretos, colocados num molde e cultivados em forma de caixão ao longo de uma semana. De seguida, o fundo é revestido com musgo, cheio de microorganismos, e o corpo é colocado por cima. Assim que a estrutura entra em contacto com o solo húmido, o micélio ganha vida e o processo começa.

A Loop fez parceria com a Ecovative, pioneira em biomateriais, para testar o produto, que, segundo Hendrikx, irá decompor-se em 45 dias. "Não desaparece", acrescenta, "porque está a trabalhar no corpo." Ele diz que os cálculos feitos pela Loop com a contribuição de especialistas indicam que um cadáver se decompõe integralmente no período de dois a três anos.  

O caixão, que é fabricado em Delft, está à venda por 1495 euros, ou 1700 dólares. Joerg Vieweg, proprietário de algumas agências funerárias na Alemanha, é um dos clientes de Hendrikx. Vieweg diz que o caixão de micélio é "um bom exemplo de como alcançar algo ecológico com poucas mudanças na tradição da despedida.”

"Não muda fundamentalmente o processo e as tradições de preparar um corpo para o enterro”, acrescenta, o que torna o enterro num caixão de micélio mais aceitável socialmente.

Até ao momento, já foram feitos cerca de 100 enterros com o Living Cocoon nos Países Baixos, na Alemanha e na Bélgica, diz Hendrikx. Ele diz que as leis em alguns países europeus são mais favoráveis ​​ao caixão do que noutros. "É um mercado superconservador", acrescenta, "tal como sempre foi."

“Acho que somos menos tradicionais nos Países Baixos”, argumenta Heidi van Haastert, diretora da filial da BGNU, a associação de agências funerárias do país. 

"O desafio neste momento é convencer as famílias a organizar um funeral sustentável", acrescenta. “Os consumidores não estão a par (das opções de funerais sustentáveis), porque o problema é, quantas vezes organizamos um funeral? Só somos os responsáveis uma ou duas vezes na vida.”

Van Haastert diz que as agências funerárias nos Países Baixos estão a formar os funcionários para discutir opções neutras para o clima com as famílias enlutadas, e ela espera que novas orientações legislativas sejam introduzidas para funerais alternativos.

Embora ela descreva o produto da Loop como de "nicho", neste momento, especula que "dentro de cinco anos (as pessoas) vão pedir mais esses tipos de caixões.”

Hendrikx acredita que encontrou uma solução positiva e, à medida que a Loop pretende expandir-se, quer criar caixões que usem fungos dos locais onde serão enterrados, para garantir um impacto ambiental ideal. “Em vez de fazer algo mau, ou menos mau (após a morte), podemos realmente fazer algo bom”, diz ele, defendendo a sua criação.

Vieweg acredita que a indústria funerária está "a enfrentar uma tremenda mudança de paradigma.”

“As pessoas são criativas e procuram soluções sustentáveis ​​para proteger o ambiente”, diz ela. "Os rituais que foram vividos até agora também sobreviverão e surgirão outros novos. Viver este processo é emocionante e desafiador."

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