Uma portuguesa que não esqueceu Pedrógão e uma "superestrela" do Reino Unido: quem são os advogados que estão a ajudar os jovens portugueses a processar 32 países europeus?

28 set 2023, 08:00
Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (AP Photo)

Os seis jovens portugueses que processaram 32 governos europeus perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) estão a ser acompanhados por uma equipa de advogados da Rede Global de Ação Legal (GLAN), uma associação sem fins lucrativos com sede em Londres

São advogados, jornalistas de investigação e académicos e querem "desafiar a injustiça" utilizando a lei "de formas inovadoras para causar impacto jurídico, político ou social". É assim que a equipa que está a conduzir o caso dos seis jovens portugueses que processaram 32 Estados europeus perante o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) se apresenta.

Fundada em 2015, em Londres, a Rede Global de Ação Legal (GLAN) assume-se como uma organização independente, sem fins lucrativos, que trabalha com questões de direitos humanos que extravasam as fronteiras do Reino Unido, nomeadamente justiça económica e ambiental, migrações e violência nas fronteiras e comércio com recurso a trabalho forçado, entre outras.

Em 2017, a GLAN começou a "explorar a ideia de apresentar um caso climático a nível internacional contra vários países", conta a associação à CNN Portugal. No verão desse mesmo ano, souberam da tragédia de Pedrógão Grande através de uma colega, Rita Mota, natural de Leiria. "Disse-nos que o que alguns dos seus amigos e familiares tinham acabado de testemunhar os tinha levado a querer agir para salvaguardar o seu futuro", conta a associação, explicando que "foi assim" que entraram em contacto com os seis jovens portugueses que esta quarta-feira sentaram 32 governos no banco dos réus do TEDH.

O elo de ligação entre os jovens e a GLAN foi então Rita Mota, uma advogada portuguesa que se dedica às ações legais da GLAN sobre alterações climáticas. O percurso académico de Rita Mota começou em Portugal, com uma licenciatura em Direito, na Universidade de Lisboa, e um Mestrado em Direito num Contexto Global e Europeu, pela Universidade Católica Portuguesa. Mais tarde, prosseguiu os estudos no Reino Unido, onde fez um doutoramento em Investimento em Direito Internacional e Direitos Humanos, pelo King's College of London, onde se dedicou ao estudo da relação entre o investimento internacional e os direitos culturais dos povos indígenas. Hoje, além de trabalhar na GLAN, é professora auxiliar no Departamento de Sociedade, Política e Sustentabilidade da ESADE, em Barcelona, Espanha.

Rita Mota (Fotografia:LinkedIN)

A associação lançou naquele mesmo ano uma campanha de crowdfunding com o objetivo de angariar 150.000 libras (cerca de 173.000 euros) para avançar com o caso em tribunal e ajudar com as custas do processo. Com o dinheiro angariado - que, até ao momento, não foi além das 139.500 libras (cerca de 160 mil euros) - a GLAN passou "dois anos a desenvolver argumentos", em conjunto com uma equipa de advogados e especialistas, para avançar com a ação judicial contra os 32 governos europeus. O caso deu entrada no TEDH em setembro de 2020 e o tribunal resolveu acelerar o processo e marcar a audiência para esta quarta-feira, na Grande Câmara daquele tribunal - que, segundo a GLAN, só aprecia "os casos que levantam as questões de maior seriedade”.

Os jovens portugueses foram representados por uma equipa de advogados liderada por Alison Macdonald, uma advogada da Essex Court Chambers, conhecida no meio da advocacia como uma "superestrela", tendo sido nomeada logo no início da sua carreira como uma das 'Futuras Estrelas da Advocacia' pelo The Times, em 2008, e selecionada como uma "estrela de seda" pela revista The Lawyer em 2017, depois de ter sido nomeada pelo Conselho da Rainha.

Alison é considerada "uma das defensoras mais inteligentes da Ordem dos Advogados", com "instintos matadores de litígio" e uma capacidade de trabalhar "de forma muito tranquila sob pressão". Participou em vários inquéritos do Estado, incluindo inquéritos sobre a morte de Diana, a Princesa de Gales, e Dodi Al-Fayed. Além deste caso, a advogada representa atualmente a Arménia nas suas reivindicações contra o Azerbaijão perante o Tribunal Internacional de Justiça e o TEDH, na sequência dos eventos recentes em Nagorno-Karabakh. Também está a representar o governo ucraniano no âmbito da reconstrução do país na sequência das perdas e danos causados pela invasão russa da Ucrânia.

A advogada Alison Macdonald representou os seis jovens portugueses na audiência desta quarta-feira no TEDH (Imagem: Essex Court Chambers)

Além de Alison, os jovens estão a ser acompanhados desde o início pelo diretor fundador da GLAN, Gearóid Ó Cuinn, responsável pelas ações legais e crescimento estratégico da associação. Gearóid Ó Cuinn licenciou-se em Direito, pela Universidade de Galway, na Irlanda, enveredando depois por um Mestrado em Direito Internacional Público pela Universidade de Nottingham, Inglaterra, onde, mais tarde, fez um doutoramento em Filosofia e Direito. Trabalhou como professor na Faculdade de Direito da Universidade de Lancaster e foi investigador convidado no Instituto do Direito Transnacional no King's College London. Continua a dar aulas, agora como professor adjunto no Centro Irlandês para os Direitos Humanos.

Quem também tem estado a acompanhar os jovens portugueses desde o início do processo é Gerry Liston, o advogado sénior da GLAN. A associação descreve-o como um "faz-tudo", dedicando-se sobretudo ao combate ao comércio com recurso a trabalho forçado na União Europeia (UE). Além disso, Gerry Liston também gere o trabalho da associação ao nível do litígio sobre alterações climáticas, explorando a possibilidade de levar vários Estados a tribunais internacionais de modo a contestar as suas medidas para combater as alterações climáticas. Além do trabalho que promove na GLAN, o advogado está atualmente a fazer um doutoramento no Centro Irlandês para os Direitos Humanos.

Stéphanie Caligara e Jasmine Rayée também fazem parte da equipa de advogados da GLAN que está a acompanhar o caso dos seis jovens. As duas advogadas trabalham na associação desde fevereiro de 2021, altura em que abraçaram o desafio de representar os seis jovens no TEDH. São ambas advogadas especialistas em casos relacionados com alterações climáticas.

Stéphanie fez dois mestrados em direito internacional - primeiro, pela Universidade de Leiden, na Holanda, em 2013, e, dois anos mais tarde, um segundo mestrado pelo Instituto de Pós-Graduação em Estudos e Desenvolvimento Internacional, em Genebra, Suíça. Antes de trabalhar no caso, Stéphanie trabalhou em vários escritórios de advocacia em França, Áustria e Suíça. Também fez vários estágios em organizações não-governamentais em missão permanente nas Nações Unidas em Genebra. 

Tal com Stéphanie, Jasmine Rayée fez um mestrado pela Universidade de Ghent, em 2016, e pela Faculdade de Direito de Columbia, em 2017, onde  participou em investigações relacionadas com a responsabilização de governos que ajudam países que violam os direitos humanos. A advogada completou ainda um estágio no departamento de Advocacia da ONU na organização Human Rights Watch, em Nova Iorque, onde se dedicou ao estudo do papel das comissões de inquérito na promoção da responsabilização por crimes graves ao abrigo do direito internacional.

Da esquerda para a direita: Stéphanie Caligara, Gerry Liston, André Oliveira, Sofia Oliveira, Cláudia Agostinho, Catarina Mota, Martim Agostinho, Jasmine Rayée e Gearóid Ó Cuinn (Fotografia: GLAN)

Jovens saíram da audiência "tristes" com desvalorização das alterações climáticas

Depois da audiência perante os 17 juízes da Grande Câmara do TEDH, em Estrasburgo, os jovens admitiram aos jornalistas que ficaram "tristes" com a posição dos 32 países visados - que incluem os 27 Estados-membros da União Europeia (UE), Reino Unido, Suíça, Noruega, Rússia e Turquia.

“É muito triste o que acabámos de ouvir. Os governos acabaram de dizer que o que está a acontecer à nossa volta não é importante. Estão a tentar minimizar os impactos que as alterações climáticas têm nos nossos direitos humanos", lamentou Cláudia Duarte Agostinho, a mais velha do grupo, com 24 anos. "Dentro do tribunal tentaram dizer que compreendem que as alterações climáticas são um problema, mas hoje ficou claro que estão a negar a realidade de que o que estamos a viver está a piorar a cada ano que passa.”

Os seis jovens portugueses que levaram hoje 32 governos europeus para o banco dos réus do TEDH (AP Photo)

A audiência desta quarta-feira começou com a apresentação dos argumentos dos países visados, que ficou nas mãos do advogado Sudhanshu Swaroop, representante do Reino Unido, que apontou uma alegada falta de legitimidade para suscitar uma posição do TEDH relativamente a esta matéria, apesar do reconhecimento do impacto das alterações climáticas na sociedade.

Já em representação do Estado português, Ricardo Matos questionou o "estatuto de vítima" dos requerentes, argumentando que estes não estabeleceram uma ligação direta entre as emissões dos Estados e os danos sofridos devido aos incêndios florestais no seu país.

Na perspetiva de Gearóid Ó Cuinn, a estratégia dos governos passa por "rejeitar consistentemente as reivindicações dos jovens", focando todos os argumentos nos aspetos técnicos e, assim, "fazer com que o caso seja arquivado no ponto de admissibilidade". O responsável vai mais longe e acusa os países visados de "fugirem aos escrutínio das suas políticas climáticas desadequadas, concentrando-se apenas nos critérios de admissibilidade".

"Nenhum deles refutou as provas que apresentámos, de que as suas políticas estão a conduzir a um aquecimento de 3 ºC ou mais", vincou.

O mesmo foi assinalado pela advogada que falou pelos seis jovens portugueses perante os juízes do TEDH: "Nenhum réu apresentou provas de que não é capaz de tomar as medidas necessárias para cumprir a meta de 1,5 ºC [de aquecimento global] – simplesmente não quer ter qualquer obrigação legal para o fazer."

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