Sofrem de "ansiedade climática" perante um "futuro assustador". Seis jovens portugueses levam 32 países a julgamento (incluindo Portugal) para "mudar o mundo"

27 set 2023, 07:00
André Oliveira, Sofia Oliveira, Catarina Mota, Cláudia Duarte e Martim Duarte. Fotografia cedida pela GLAN

Esta quarta-feira, os governos de 32 países vão sentar-se no banco dos réus do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por causa de seis jovens portugueses que dizem estar a ser prejudicados pela inação governamental para combater as alterações climáticas

Martim Agostinho tinha apenas 14 anos quando um incêndio deflagrou numa zona florestal em Pedrógão Grande, Leiria, a cerca de uma hora da casa onde vive com a família. Foi há seis anos que o incêndio devastou a região e concelhos vizinhos e provocou a morte de 66 pessoas. Apesar da tenra idade, Martim entendeu naquele momento a dimensão da natureza em comparação com a vida humana. “Com os incêndios percebemos que as alterações climáticas não são apenas uma ameaça para o futuro do planeta (...), mas estão aqui, agora, mesmo à nossa porta.” E, juntamente com as irmãs - Cláudia, na altura com 16 anos, e Mariana, então com oito anos - rejeitou cruzar os braços perante o rumo da crise climática.

Os irmãos juntaram-se a outros três jovens - Catarina Mota, uma amiga da família, que vive perto de Leiria, e André e Sofia Oliveira, também irmãos, na altura com 11 e 14 anos, respetivamente - e decidiram abrir um processo no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) contra 32 países - os 27 Estados-membros da União Europeia (UE) e o Reino Unido, Suíça, Noruega, Rússia e Turquia (inicialmente a Ucrânia foi incluída no processo mas, após a invasão da Rússia, os jovens resolveram retirá-la da lista dos países visados). Os jovens argumentam que estes países não estão a cumprir os compromissos do Acordo de Paris de 2015, que inclui um plano de ação para limitar o aquecimento global a 1,5ºC.

“O mundo está a caminho de atingir um aquecimento global catastrófico de 3ºC durante o período de vida destes jovens”, advertem os representantes legais dos seis jovens, numa resposta escrita enviada à CNN Portugal. Assumindo que “Portugal é um dos países mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas na Europa”, um aquecimento global naquele nível “traria ondas de calor para Portugal com temperaturas de 40ºC que duram um mês ou mais”. Por isso, acrescentam, “é imperativo que o aquecimento global se mantenha a 1,5ºC, como um limite máximo absoluto, para garantir que estes jovens possam ter um futuro suportável”.

Os jovens entendem que "os governos de todo o mundo têm o poder para parar isto" [as alterações climáticas", mas acusam os governos europeus, em particular, de "escolherem não o fazer". Como consequência, afirmam que o futuro que os espera é assustador, ao ponto de sofrerem de “ansiedade climática”, e alegam a violação de vários direitos que lhes são devidos pelos respetivos países ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, nomeadamente o direito à vida, o direito a serem livres de tratamentos degradantes, desumanos e de tortura, o direito à privacidade e à vida familiar, bem como o direito da não discriminação com base na idade.

“A crise climática afeta a nossa saúde mental porque ficamos preocupados com o nosso futuro. Como é que não podemos estar preocupados?”, questiona André Oliveira, hoje com 15 anos.

Os irmãos André e Sofia Oliveira vivem a sul de Lisboa e juntaram-se a Cláudia, Martim, Mariana Agostinho e Catarina Mota para processar 32 países no TEDH. (Fotografia de Nuno Gaspar de Oliveira/GLAN)

Aos 24 anos, Cláudia Duarte Agostinho é o elemento mais velho do grupo. Hoje é enfermeira, vive em Leiria com os irmãos e assume que é sobretudo pela irmã mais nova, Mariana, de apenas 11 anos, que está a lutar por um futuro melhor. "A minha irmã Mariana vai ser a mais afetada pela crise climática porque vai viver mais do que nós. É importante que ela lute pelo seu direito de ter um futuro seguro."

“Desde que começámos, sentimos cada vez mais o impacto das alterações climáticas. O mês de julho de 2023 foi o mais quente desde que há registo. É assustador pensar que isto é apenas o início”, afirma Catarina Mota, hoje com 23 anos. “Quando os governos falham na nossa proteção, é a altura do TEDH intervir”, defende.

Catarina Mota, Martim, Mariana e Cláudia Agostinho em Leiria. Imagem cedida pela GLAN

E foi precisamente isso que procuraram fazer. Com o apoio da Rede Global de Ação Judicial (GLAN, na sigla em inglês), uma organização internacional sem fins lucrativos e especializada em casos de violações de direitos humanos, os jovens lançaram em 2017 uma campanha de crowdfunding que angariou mais de 100 mil euros e permitiu que o processo desse finalmente entrada no TEDH em setembro de 2020. Um mês depois, o tribunal decidiu acelerar o caso, conferindo-lhe prioridade com base na “importância e urgência das questões levantadas”.

Desde então, os 32 países têm vindo a defender-se numa posição conjunta, desvalorizando os argumentos dos jovens e a “inadmissibilidade” do processo. Os governos chegaram mesmo a solicitar ao TEDH para que anulasse a aceleração do caso - um pedido que foi rejeitado pelo tribunal. No verão do ano passado, o processo transitou para a Grande Câmara do TEDH, composta por um painel de 17 juízes - uma decisão que foi recebida pelos representantes dos jovens com entusiasmo, uma vez que esta câmara só aprecia “os casos que levantam as questões de maior seriedade”. De acordo com a GLAN, apenas 0,03% dos casos apresentados ao TEDH são apreciados pela Grande Câmara.

"É um verdadeiro caso de David contra Golias"

Três anos depois da entrada do processo em tribunal, os 32 países vão sentar-se esta quarta-feira no banco dos réus e ouvir a decisão dos juízes, que será tomada por maioria simples (ou seja, basta o voto de nove juízes para tomar uma decisão). Foi “um longo caminho”, desabafa Martim Duarte Agostinho, que, aos 20 anos, admite estar feliz por “finalmente ver uma luz ao fundo do túnel”.

“Este é um verdadeiro caso de David contra Golias. É um caso sem precedentes na sua escala e potenciais consequências”, assinala Gearóid Ó Cuinn, diretor fundador da GLAN, acrescentando que o processo “também faz história a nível jurídico”. “Nunca tantos países tiveram de se defender diante de um tribunal em qualquer lugar do mundo.”

Se o tribunal der razão aos jovens, os países serão obrigados a acelerar o combate às alterações climáticas, uma vez que as decisões do TEDH são juridicamente vinculativas, como explica à CNN Portugal Gerry Liston, advogado da GLAN que está a conduzir o caso: "[Uma decisão a favor dos jovens] Seria como um Acordo de Paris regional, mas com obrigações muito mais claras para reduzir emissões do que as do Acordo de Paris."

Isto não significa que o tribunal vá obrigar os países a assinar um "verdadeiro tratado", ressalva o advogado. "A decisão que procuramos do TEDH teria um efeito semelhante a um tratado juridicamente vinculativo imposto pelo TEDH aos Estados visados, obrigando-os a acelerar as suas reduções de emissões [de gases com efeitos de estufa], bem como obrigando-os a forçar as empresas com sede nos seus territórios a cortar emissões em toda a cadeia de abastecimento, em linha com [o aquecimento global a] 1,5ºC", explica.

Em termos legais, será um gamechanger [revolucionário, em tradução livre]", resume.

Os representantes legais garantem que os jovens não procuram qualquer compensação financeira por parte dos países visados. "Eles apenas querem um julgamento que obrigue os países a tomarem as medidas necessárias para salvaguardar o seu futuro", indicam.

"Há provas absolutamente claras" de que os governos "optam por não fazer mais"

O TEDH não tem competências para impor coimas, pelo que os países visados não deveram ser multados por eventuais violações dos direitos mencionados acima ou incumprimentos de obrigações ao abrigo do Acordo de Paris. Mas também não é esse o objetivo do processo, esclarece o Gerry Liston, focando-se no "efeito prático" de uma decisão a favor dos jovens. "A decisão que procuramos poderia ser usada para obter ordens dos tribunais nacionais que obriguem os governos a fazer muito mais do que fazem agora", explica. 

No entanto, ninguém envolvido em casos climáticos vê o litígio como uma 'bala de prata'. Os governos só serão forçados a tomar as medidas necessárias através de uma combinação de esforços, principalmente por parte de pessoas que se organizam para pressionar os seus governos e parlamentos a fazerem muito mais, de muitas maneiras diferentes. O litígio é apenas uma ferramenta entre muitas que precisam de ser usadas", acrescenta.

Questionado sobre o que tencionam fazer se, por outro lado, o tribunal decidir a favor dos países visados, Gerry Liston indica que não é possível pedir um recurso de uma decisão da Grande Câmara, uma vez que é o órgão mais alto do TEDH. "Se o tribunal decidir a favor dos países, cada um deles simplesmente não será obrigado a acelerar rapidamente as suas emissões e, na nossa opinião, o tribunal terá falhado no seu dever de intervir quando há provas absolutamente claras de que os governos europeus têm capacidade para fazer muito mais para reduzir as suas emissões e optam por não o fazer."

A poucos dias do julgamento, os jovens dizem estar "muito otimistas e esperançosos". "Temos sempre a esperança que tudo vai mudar e que os governos vão tomar medidas que nos permitirão ter o futuro seguro que merecemos", afirma Catarina Mota, que não tem dúvidas que a decisão dos juízes não vai ser apenas uma mera declaração. "Acredito mesmo que este caso vai mudar o mundo."

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