Parecem embalagens de batatas fritas ou doces, mas o que se encontra lá dentro pode ser prejudicial às crianças

CNN , Sandee LaMotte
23 abr 2022, 17:00
THC

Crianças podem facilmente confundir estas embalagens com os verdadeiros pacotes de doces e batatas fritas. Fabricantes nos Estados Unidos movem uma ação judicial

À primeira vista parece apenas mais uma embalagem de Nerds Rope que o seu filho comeria como guloseima, mas se observar com atenção consegue ver a palavra medicated (“medicinal”) e a legenda branca em baixo onde se lê 600 miligramas de THC. Estas três letras significam tetrahidrocanabinol, a parte da planta de marijuana que deixa as pessoas "pedradas".

Consumir mesmo que fosse uma pequena porção do conteúdo deste pacote deixaria uma criança “desorientada”, afirmou Danielle Ompad, professora associada de epidemiologia na Escola de Saúde Pública Global da NYU e autora sénior de um novo estudo que investiga as embalagens de falsificação na venda de canábis. O estudo foi publicado na terça-feira, na revista Drug and Alcohol Dependence.

Também outro pacote de guloseimas que Ompad examinou era praticamente idêntico aos populares doces Gushers. O rótulo diz que o pacote contém 500 miligramas de THC, enquanto um saco de Doritos contém 600 miligramas. "A semelhança com os produtos de marca é preocupante", disse.

“As falsificações de Nerd Rope que vi pareciam-se mesmo com o produto licenciado”, afirmou Ompad. "As (imitações de) Doritos tinham exatamente o mesmo formato que os originais e também eram crocantes.” 

Consumir 500 a 600 miligramas de THC seria uma dose elevadíssima, mesmo para um adulto. “Se eu comesse este pacote inteiro, ficaria num estado lastimável. As pessoas que estão a usar produtos comestíveis CBD (canabidiol) de forma recreativa não estão habitualmente a consumir mais de 10 miligramas", afirmou Ompad.

Uma criança pode facilmente confundir estas embalagens de CBD comestíveis com os verdadeiros pacotes de doces e batatas fritas. Os fabricantes nos Estados Unidos já moveram uma ação judicial para que as falsificações deixem de existir.

Mesmo com uma análise minuciosa não se encontrou o nome de nenhum fabricante na embalagem de imitação, declarou Ompad. No entanto, podem ser comprados sacos vazios, via online e a granel, iguais às embalagens de dezenas de grandes marcas de snacks e doces, facilitando a entrada de pequenas empresas no mercado.

"Os empresários conceituados do negócio de canábis não se envolvem neste tipo de conduta", afirmou Henry Wykowski, do conselho jurídico da Associação Nacional da Indústria de Canábis. "Há outras pessoas que ainda operam no mercado ilícito e não estão a seguir as regras".

“Gostaríamos de ajudar a acabar com isto. Não é bom para ninguém,” acrescentou ainda.

"Muitas empresas de produtos comestíveis de canábis estão a ultrapassar os limites de marketing de uma forma grave, colocando os consumidores em risco e infringindo as patentes de marcas de confeitaria conhecidas e de confiança", declarou Christopher Gindlesperger, o vice-presidente sénior de assuntos públicos e comunicações da Associação Nacional de Confeitaria, num e-mail.

A Associação estabeleceu um conjunto de diretrizes para os estados norte-americanos que consideram a despenalização da canábis.

"Estamos empenhados em assegurar que sejam estabelecidas as diretrizes e políticas adequadas para distinguir os produtos comestíveis contendo cánabis dos produtos alimentares de confeitaria tradicionais", acrescentou Gindlesperger.

Os fabricantes de inúmeras grandes marcas de guloseimas e batatas fritas, tais como Mars Wrigley, Hershey Company, Mondelez Canada e Ferrara Candy Company avançaram com ações judiciais contra algumas empresas que estão a vender estas falsificações das suas marcas.

"Estamos profundamente perturbados por ver as nossas marcas registadas serem utilizadas ilegalmente para vender produtos com THC, e mais ainda por ouvir falar de crianças que ingerem estes produtos e ficam doentes", afirmou um porta-voz da Mars num e-mail.

"Encorajamos os consumidores a contactar as suas autoridades locais com quaisquer pistas que possam ter sobre estes produtos ilegais", pediu o porta-voz.

Um problema em expansão 

Embora qualquer pessoa possa confundir um destes pacotes de guloseimas ou batatas fritas com THC com os verdadeiros, são sobretudo as crianças pequenas que são as mais vulneráveis, afirmou Ompad, uma vez que podem ser facilmente atraídas para as embalagens coloridas, frequentemente decorados com personagens de desenhos animados que lhes são familiares.

Se uma criança ingerir estes produtos comestíveis de canábis, pode ficar "muito doente". Pode ter problemas para andar ou sentar-se, ou pode mesmo sentir dificuldade em respirar", de acordo com os Centros de Controlo e Prevenção de Doenças dos EUA.

Um estudo publicado na revista Pediatrics analisou chamadas telefónicas realizadas para centros regionais de controlo de envenenamento entre 2017 e 2019 e descobriu que nos EUA havia 4.172 casos de exposição à canábis em crianças até aos 9 anos de idade. Quase metade (46%) dessas chamadas envolviam produtos comestíveis de canábis.

Mais de 70% das chamadas para os centros de controlo de envenenamento dos EUA relacionadas com produtos comestíveis de marijuana em 2020 "envolveram crianças com menos de 5 anos", de acordo com a Procuradora-Geral de Nova Iorque Letitia James, que emitiu um alerta ao consumidor em Outubro de 2021.

"Só na primeira metade de 2021, a Associação Americana de Centros de Controlo de Envenenamento informou que as linhas diretas de apoio receberam cerca de 2.622 chamadas para serviços relacionados com crianças pequenas que ingeriram produtos de canábis ilegais", informou o alerta.

Os noticiários de diferentes zonas dos EUA colocam esses números em grande destaque.

Uma criança de 3 anos deu entrada nas urgências do Hospital de New Jersey em dezembro de 2020 depois de comer "doces de canábis idênticos a um Nerds Rope", segundo a Rutgers New Jersey Medical School. Um mês mais tarde, um pré-adolescente foi hospitalizado também em New Jersey depois de comer uma grande quantidade de rebuçados de marijuana de uma embalagem “praticamente igual" a Sour Skittles.

Duas crianças com menos de 5 anos foram hospitalizadas em Oklahoma em março de 2021 depois de ingerirem produtos de canábis de pacotes que se pareciam mesmo com Ruffles, Doritos e Fritos, de acordo com Mark Woodward, oficial de informação pública do Departamento de Narcóticos de Oklahoma.

No mesmo mês, um gabinete do xerife da Florida publicou um aviso no Facebook com uma imagem de dezenas de produtos comestíveis falsificados. New Jersey aprovou a legalização da marijuana recreativa, que entrará brevemente em vigor, mas Oklahoma e Florida não o fizeram.

Se uma criança mais nova for exposta a estes produtos em casa, isso pode significar que os adultos foram negligentes ao deixar os pacotes ao seu alcance, afirmou Wykowski.

"Eu podia vender um produto embalado de forma responsável sem se parecer com uma guloseima", afirmou. "Mas se o deixar por aí e este se parecer com um brownie, e o meu filho passa e pensa, 'Oh, estou com fome. O pai deixou aqui brownies', e depois come-os, de quem é a culpa?"

Também é possível que os adolescentes estejam a obter estes produtos falsificando a sua identificação ou pedindo a amigos mais velhos que os comprem, tal como fazem com o álcool, afirmou Ompad.

Até que se chegue a controlar o faroeste selvagem que é a comercialização de canábis, através de regulamentação, a responsabilidade de proteger os seus filhos recai sobre os pais, afirmam os especialistas.

Manter todos os produtos de marijuana fora do alcance das crianças em recipientes "à prova de crianças", recomenda o CDC. Melhor ainda é fechá-los à chave num armário, sugeriu Ompad.

"Não sou o tipo de pessoa que acha que a canábis deve ser ilegal ou que os produtos comestíveis THC não devem ser comercializados", ressalvou. "Só precisamos de nos certificar de que os mantemos afastados das crianças e deixar explícito que são produtos que contêm canábis, informando também qual é a dose certa para um adulto obter o efeito que deseja".

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