Croata tem um restaurante decorado com posters dos antigos colegas. Fez apenas doze jogos de dragão ao peito: «A culpa também foi do Sérgio Conceição...»
DESTINO: 90’s é uma rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 90’s.
DARKO BUTOROVIC: FC Porto (1996 a 1998) e Farense (1999/00)
«Está a rir? Isto é sério.»
Darko Butorovic é um tipo bem disposto mas receoso de ser mal interpretado. Risos durante a conversa são motivo frequente para reparos. «Não ria, que isto é sério». Tentamos obedecer, mas o croata tem piada pelo estilo genuíno e nem sempre é fácil...
O antigo lateral do FC Porto é, por estes dias, diretor da formação do RNK Split, clube rival do Hajduk, o gigante da cidade. Ao mesmo tempo, gere os negócios da família: um restaurante e uma cadeia de apartamentos na ilha de Hvar, um dos pontos da Croácia que mais turistas atrai.
A conversa com o Maisfutebol é feita, quase por inteiro, ao volante. Avisamos para os riscos, Butorovic reage logo: «Não se preocupe, aqui é tranquilo. Já não há tantos turistas, está pacato, há pouco trânsito. Logo vai ser pior porque tenho de tratar da papelada dos apartamentos. Não ria, é sério».
Fala em português. Com algumas dificuldades, mas nada mal para quem esteve pouco mais de dois anos, no global, em solo lusitano. Chegou em janeiro de 1996, numa altura em que João Pinto corria os últimos metros na equipa portista e António Oliveira buscava um sucessor à altura.
«Eu ia para ser o sucessor do João Pinto mas não tive hipóteses. Era muita gente boa e só jogam onze. É normal, não joguei muito. Era difícil. Gostava de trabalhar, garanto. Não ria, que é sério. Mas não deu», lamenta.
Veio oriundo do Hajduk Split, o clube que lhe marcou a carreira. Tinha uma internacionalização pela Croácia no currículo e viria a conseguir mais duas, já de dragão ao peito. «Tinha feito uma boa época, chegamos aos quartos de final da Liga dos Campeões, até joguei contra o Benfica. Mas no FC Porto encontrei muito bons jogadores. Só para o meu lugar havia o João Pinto, o Secretário e o Sérgio Conceição...», enumera.
Os números de Butorovic em Portugal
1996/97: FC Porto (5 jogos)
1997/98: FC Porto (7 jogos)
1999/00: Farense (1 jogo)
«Se pouco joguei no FC Porto, a culpa também foi do Sérgio Conceição»
Quando fala em Sérgio Conceição, a nossa curiosidade é imediata. Como era, afinal, trabalhar com o atual treinador do FC Porto? A pergunta seguiu praticamente nestes moldes mas o português, que era suficiente como se disse, não chegou para que Butorovic percebesse que Conceição é o novo timoneiro dos dragões.
«O Sérgio é grande. Entrou no FC Porto no mesmo ano que eu. Era muito rápido e tinha um cruzamento muito bom. Percebi logo que tinha ali concorrência. A sério, não ria. Tinha boa técnica e era um jogador que ia sempre para a frente. Era diferente de mim. Grande, grande. Ele agora é treinador onde?», questiona.
No FC Porto, Darko. Precisamente no FC Porto.
«No Porto?! Ahhhhhh não estava a perceber porque me estava sempre a perguntar pelo Sérgio (risos). Como está a correr? Tenho visto pouco agora, tenho estado ocupado nos apartamentos. É recente não é?», insiste.
Explicamos então, resumidamente, o trajeto de Sérgio Conceição desde que chegou ao Dragão. Butorovic, que repreende constantemente o riso ao jornalista, agora não o contém.
«Muito bom, eh eh eh eh, o Sérgio no FC Porto! Ganhou os cinco jogos? Eh eh eh, espetáculo. Grande, grande. Muito bom. Olhe, também foi por causa dele que não joguei tanto no FC Porto. A sério. Era um craque», remata.
Faz sentido. Sérgio Conceição notabilizou-se a extremo mas também atuou como lateral, sobretudo no início da carreira. António Oliveira, o treinador, usou-o várias vezes ali.
«O António era grande treinador. Grande, grande. Ele treinou também a seleção, não é? Era bom trabalhar com ele, ensinava muito, falava com os jogadores. Jogava também, se fosse preciso. Gostei muito dele», confessa Butorovic.
O que correu mal, então? Foi só a concorrência?
«Naquela altura o FC Porto estava sempre em primeiro. Tinhas de ser o melhor de todos para jogar, porque se tinha 30 jogadores eram todos bons. Todos bons por igual. Se tivesse um bocadinho mais de sorte tinha jogado mais vezes, penso eu. Mas era difícil. Não tive muita sorte. Mas está bem», resume.
Uma coisa é certa, mesmo jogando pouco, Butorovic só tem palavras boas para o seu antigo clube: «O FC Porto é grande, grande, grande. Grandíssimo. Tento seguir sempre, mas agora tenho visto menos.»
«Joguei muito bem contra o Sporting, mas depois veio a lesão...»
Recapitulando. Butorovic faz o primeiro jogo pelo FC Porto em fevereiro de 1996. Nesse primeiro ano termina a temporada com apenas cinco encontros realizados, mas António Oliveira decide ficar com ele no plantel. No ano seguinte já não há João Pinto, que acabara a carreira, nem Secretário, transferido para o Real Madrid. Há Sérgio Conceição e chega também Neves, que também não consegue ser indiscutível.
Butorovic demora a entrar na equipa mas, a dada altura, chega ao onze. E mostra o que ainda não se tinha visto.
«Lembro-me de um jogo contra o Sporting, nas Antas. Joguei muito bem, os jornais escreveram isso na altura, que tinha jogado bem. O António Oliveira continuou a apostar em mim e pensei que ia arrancar de vez, mas depois veio uma lesão num jogo em Braga ou Guimarães, não lembro agora. E aí acabou tudo. Parei de treinar uns 20 dias, fiquei para trás. Quando se sai da equipa e a concorrência é tanta, fica mais difícil. O desporto é assim», comenta.
FC Porto-Sporting de 97/98: a melhor exibição de Butorovic no FC Porto (destaque para o lance aos 3m20s)
Volta a jogar já no final da época, mas não é suficiente. António Oliveira sai, entra Fernando Santos e Butorovic não conta. «Não cheguei a falar com Fernando Santos. Já estava decidido que ia sair quando ele chegou», conta.
O destino é o Vitesse de Artur Jorge, mas um problema de saúde de um dos filhos também não o deixa ter muita sorte na Holanda. «Depois ainda fui para o Farense, sabe?». Sabemos, sim. Apenas um jogo no Algarve.
«Mal cheguei lesionei-me logo no mesmo local que me tinha lesionado no FC Porto. Foi um ano muito difícil. Não tinha sorte, não tinha sorte. Vim depois para o Hajduk Split e acabei aqui a carreira, com 32 anos. As lesões não ajudaram. Paciência», desabafa.
Do FC Porto ficam as memórias e as amizades. «Capucho, Sérgio Conceição, João Pinto, depois veio o Kralj, o guarda-redes, mas estive com ele pouco tempo…Muitos grandes jogadores: Rui Barros, Paulinho Santos, Domingos, Drulo e Zahovic, Jardel…ohhhh, grandes, grandes. É sério, não ria», insiste.
«Olhe eu aqui no restaurante tenho uma coleção de posters deles todos. Toda a gente os conhece quase todos. Eu costumo ir lá dizer quem são, mas a maior parte já conhece quase toda a equipa. A sério, a sério. Quem entra no restaurante, mal vê as fotografias fala logo do FC Porto. E falar do FC Porto é falar de coisas boas. A sério.»
«Eu e a minha mulher estamos sempre a falar de Portugal»
Voltamos ao início. Falamos do RNK Split. Percebe-se o orgulho de Butorovic a falar do seu clube: «Estivemos cinco anos na I Divisão. Quando cheguei lá estava na III Divisão. Fomos subindo até à Primeira e até jogamos a qualificação para a Liga Europa. Fomos uma vez à final da Taça.»
Como diretor da formação, já teve, aquilo que nas suas palavras entende como, «o prazer de encontrar o FC Porto». «Foi num torneio de juniores, em Zagreb. Era o Capucho o treinador. O meu amigo Capucho. Falamos, fomos jantar, tomar café, matar saudades...É bom porque assim continuo ligado ao futebol», sublinha.
Até porque, como se disse, a vida de Butorovic também está agora lidada ao Turismo. O esforço que coloca na gestão dos apartamentos de férias é recompensado. No conhecido site «Booking.com», os apartamentos estão avaliados em 9.2. Soberbo.
«Nos últimos seis meses tenho estado mais por casa. A minha mulher tem dificuldades, não pode fazer nada, estou eu a tratar dos nossos negócios. Trabalhei nisso todo o verão. Mas aqui só dá para fazer isto no verão. Vêm cá muitos estrangeiros, muitos portugueses», explica.
E muitos acabam a contemplar o museu pessoal do antigo lateral. «Tenho lá fotografias, medalhas e títulos que ganhei. Tenho muita coisa do FC Porto, foi um tempo muito bom. Do FC Porto só tenho coisas boas a dizer. É um clube grande, com um grande presidente. Tudo é bom. Sério, não ria», continua.
«Eu e a minha mulher estamos sempre a falar de Portugal. Ela gosta muito de Portugal, deixou lá amigos e eu também. E gosto muito do clube, também. Quando o FC Porto ganha, eu sou feliz. A sério, não ria, é sério. Gosto mesmo muito do FC Porto», sublinha.
Em final de conversa, perguntamos para quando um regresso a Portugal. Umas férias, por exemplo. Não está nos planos, para já.
«Estive em Portugal há quatro anos, vi que o FC Porto continua grande. Para mim…the best.»
«Sério, não ria.»
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