Em 1990 celebrava o título no Estádio das Antas; em 2014 procura um trabalho digno no mundo do futebol. «Vivi na solidão, isso fez-me mal à cabeça. Quero ensinar o que sei»
DESTINO: 80's é uma nova rubrica do Maisfutebol: recupera personagens e memórias dessa década marcante do futebol. Viagens carregadas de nostalgia e saudosismo, sempre com bom humor e imagens inesquecíveis. DESTINO: 80's.PINGO:
SP. ESPINHO, 1987-89, 92/93; FC PORTO, 1989/90; SP. BRAGA, 1990/91 e D. AVES, 1991/92
Se a vida de Pingo chegasse aos livros, só a mestria poética de Nélson Rodrigues lhe faria jus. Médio genial e homem apaixonado, tímido em público e brincalhão no recato, 54 anos de altos e outros baixos numa ligação eterna, e etérea, ao futebol.
Quem é Pingo, pois?
Paulo Rogério da Silva, carioca de criação e convicção, chega a Portugal em 1986. Estrela maior do Bangu e do Campo Grande, aterra de fato negro, mala de cartão e dúvida nos olhos escondidos atrás de óculos escuros.
«Não sabia para que clube ia. Só sabia que era no Norte de Portugal»
Sim, Pingo torna-se um verdadeiro deus nos tigres da Costa Verde e em três temporadas convence Artur Jorge a levá-lo para o FC Porto. «Inocente e de coração puro», deixa-se levar pelos prazeres do futebol profissional e, sem saber, assina a própria dispensa das Antas.
PINGO: golaço ao Benfica, bilhete para as Antas; Pingolé, por ordem de Quinito
«Depois de uma conversa com o senhor Reinaldo Teles, pensei que tinha ficado livre para negociar a minha saída. Não tinha, entendi depois. Falei, entretanto, com a direção do Sp. Braga e no dia seguinte um jornal escreveu que eu tinha assinado»
«Era mentira, mas a partir daí não voltei a ter hipóteses no FC Porto»
«Estava casado há cinco anos e tive problemas com a minha esposa. Na altura tinha voltado ao Sp. Espinho. Fui atrás dela para o Brasil e nunca mais voltei a Portugal. Nem a reconquistei, nem dei seguimento aos meus projetos profissionais. Perdi o que mais amava: mulher e futebol»
Pingo num FC Porto-Sp. Braga (1m18s)
Pingo, é obrigatório sublinhar, revela-se um pequeno prodígio. Habilidade acintosa, relação de profunda confiança com a bola e expert em lances de laboratório. Tudo envolvido por uma inteligência incomum nos relvados de futebol.
O garoto
«Vivi muito tempo na solidão e isso fez-me mal à cabeça. Agora tenho saúde, família e mantenho alguns imóveis que adquiri nos tempos de futebolista. Se estou realizado? Não, mas não desisto. Nunca desistirei de voltar a trabalhar no futebol»
O antigo camisa dez do Sp. Espinho e FC Porto tem o curso de treinador desde 2009. E pede uma ajuda, uma oportunidade, para ensinar o que sabe. «Só tenho arranjado trabalho nas camadas jovens. Estive no Olaria e colaboro com um projeto da prefeitura, de futebol para a comunidade»
É pouco. Pingo sonha com o retorno a Portugal. E lança o requerimento, quase em tom de súplica, aos «muitos amigos do passado»
O dinheiro, reconhece, «não é o mesmo de antigamente»
Pingo num Marítimo-FC Porto (55s)
Três temporadas «num Sp. Espinho fortíssimo»
«Quando agarro o álbum de fotos as lágrimas vêm-me aos olhos. Fui campeão nacional de Portugal em 1990, orgulho-me do que fiz e conquistei»
Os nomes dos ex-colegas saem-lhe depressa. As perguntas são desnecessárias. «O menino Vitor Baía estava a começar, o magrinho era o Domingos, jogava muito. E o André? Que amigo! O Branco, o Geraldão, o Bandeirinha, o Rui Águas…»
«No Espinho era o mesmo. O Silvino, o Eliseu, os falecidos N’Kongolo, Rui Filipe e Ivan [morreu num acidente de carro em Recife]. Era uma família e o senhor Violas nunca falhou um pagamento»
«Sempre vivi em Espinho, na Rua 19. O estádio era pequeno, velhinho e enchia sempre. Ainda é o mesmo? Adorava voltar e rever a malta que ia comigo até à praia, depois dos treinos»
Pingo, o maestro dos tigres, tem saudades e pede ajuda.
Nélson Rodrigues considerá-lo-ia certamente «'um anjo negro'»
Números de Pingo em Portugal:
. 1986/87: Sp. Espinho, 29 jogos/10 golos (II Liga)
. 1987/88: Sp. Espinho, 33 jogos/10 golos
. 1988/89: Sp. Espinho, 32 jogos/8 golos
. 1989/90: FC Porto, 4 jogos/0 golos
. 1990/91: Sp. Braga, 27 jogos/6 golos
. 1991/92: Desp. Aves, 31 jogos/3 golos (II Liga)
. 1992/93: Sp. Espinho, 15 jogos/1 golo