Podemos mesmo morrer de desgosto: a "síndrome do coração partido" a partir do caso Victor Steeman

14 out 2022, 21:27
Coração (Getty Images)

Um piloto morreu em Portimão. Dois dias depois morreu a mãe. A morte repentina de duas pessoas muito próximas num curto espaço de tempo é um fenómeno que, em alguns casos, tem explicação. Mesmo que não seja esse o caso do sucedido em Portimão, é o caso de outras histórias

A notícia abalou o mundo do motociclismo nesta semana. O piloto neerlandês Victor Steeman não resistiu aos ferimentos provocados por um acidente no Autódromo Internacional do Algarve durante uma corrida da classe Supersport 300 do Mundial de Superbikes. A tragédia da família do jovem de 22 anos não acabou por aí: dois dias após a sua morte, a mãe do motociclista, de 59 anos, faleceu de um aparente ataque cardíaco.

Embora não sejam ainda sabidas as circunstâncias exatas da morte da mãe de Victor Steeman, uma questão levantou-se: podemos morrer de desgosto com a perda de alguém que nos é querido? “Acontece com alguma frequência, sobretudo em idosos que passam muitos anos juntos, um casal falecer em dois períodos muito próximos, isto é, um morre e pouco tempo depois o outro também”, explica a psicóloga Marta Martins Leite. “Existe uma síndrome, chamada vulgarmente 'Síndrome do Coração Partido', que se refere à miocardiopatia de Takotsubo, também conhecida como 'miocardiopatia do stress'. Nestas situações existe um enfraquecimento repentino e temporário do miocárdio, que pode surgir devido ao stress emocional resultante, por exemplo, da perde de um ente querido ou do término de um relacionamento. Afeta os músculos do coração e tem sintomas semelhantes aos de um ataque cardíaco. Não tenho certeza, mas podemos estar perante uma situação deste género” no caso de Victor Steeman.

A psicóloga clínica Ana Correia, especializada em luto, faz a mesma avaliação. “Está comprovado que situações emocionais repentinas e muito intensas - em termos psicológicos - têm um impacto muito grande nos sistemas nervoso e imunológico. Além disso, uma emoção deste tipo pode provocar uma descarga intensa de adrenalina, que poderá ter efeitos nos nossos corações - já foi comprovado com técnicas de imagiologia. O ventríloquo esquerdo fica comprometido e perde a capacidade de bombar o sangue, as artérias ficam bloqueadas e há uma dor associada, o que são sintomas bastante semelhantes a um enfarte.” Ana Correia salienta, no entanto, que este estado é, em princípio, transitório e que as situações são geralmente reversíveis, apesar de os sintomas persistirem “por alguns dias”.

Há, no entanto, fatores que podem agravar este estado, como o facto “de a pessoa estar na meia-idade e ter outras comorbilidades”, diz a especialista. “Cerca de 5% ou 6% de pessoas podem morrer desta alteração cardíaca.”

E porque é que algumas pessoas podem ser afetadas por esta patologia e outras não, mesmo enfrentando a mesma situação? A resposta, diz Marta Martins Leite, está nas características de cada um. “Nós reagimos de maneira diferente aos mesmos problemas. Um acidente de carro pode ser perfeitamente banal para mim mas para outra pessoa pode não ser e desencadear mesmo um trauma, como deixar de conduzir. Reagimos todos de maneiras diferentes ao stress à perda, à dor, ao luto. Pode haver, no entanto, outras situações associadas, como uma depressão grave, uma sensação de desamparo total que leve ao colapso total das funções orgânicas e desregule o ritmo cardíaco”, expõe a psicóloga clínica.

Marta Martins Leite explica também que acompanhamento deve ser dado ao pai de Victor Steeman, que enfrentou duas perdas irreparáveis num curto espaço de tempo. “É necessário um apoio psicológico o mais permanente possível. Numa primeira fase, poderá mesmo precisar do apoio de psicofármacos, mas apenas após o funeral, nunca antes. Se for mesmo necessário, poderá também receber apoio psiquiátrico. Será fundamental, são duas pessoas muito importantes num curtíssimo espaço de tempo, incluindo uma pessoa muito jovem, de 22 anos.”

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