A neve está a desaparecer à medida que o planeta aquece. Um novo estudo mostra quem está a perder mais

CNN , Rachel Ramirez
14 jan, 17:00
Uma nova análise revelou uma tendência para o declínio do volume de neve em 82 das 169 principais bacias hidrográficas do Hemisfério Norte, incluindo a do rio Colorado, nos EUA, que percorre o Estado norte-americano do Utah. Larry Clouse/Cal Sport Media/AP

Investigadores descobriram que a perda de neve acelera quando as temperaturas médias de inverno num local sobem acima dos 8 graus Celsius negativos, um ponto a que se referem como "precipício"

Vastas áreas dos Estados Unidos da América foram atingidas por fortes tempestades, incluindo nevões que cobriram partes do Midwest e do Nordeste. Mas algo está errado: muitos Estados habituados a invernos brancos estão agora a receber mais chuva do que neve.

Um novo estudo recentemente publicado mostra que a crise climática causada pelo homem reduziu a quantidade de neve na maior parte do Hemisfério Norte nos últimos 40 anos, ameaçando recursos hídricos cruciais para milhões de pessoas.

Pode parecer lógico que um mundo mais quente seja menos hospitaleiro para a neve, mas a relação entre a neve e as alterações climáticas é complexa e os cientistas têm-se esforçado por estabelecer uma ligação clara entre as duas coisas.

Parte do problema tem a ver com o facto de a queda de neve ser notoriamente difícil de medir com precisão e de os dados científicos provenientes de observações terrestres, satélites e modelos climáticos terem dado sinais contraditórios sobre o papel das alterações climáticas no declínio da neve. Algumas áreas têm até registado mais neve no nosso mundo mais quente.

Variação percentual da quantidade de neve causada pelas alterações climáticas nas bacias hidrográficas entre 1981 e 2020. O vermelho indica uma diminuição e o azul um aumento. A camada de neve em algumas bacias hidrográficas do norte aumentou à medida que as alterações climáticas provocaram mais precipitação.
Alexander R. Gottlieb e Justin Mankin/Dartmouth College

Mas este último estudo, publicado por investigadores do Dartmouth College [universidade norte-americana] na revista Nature, apresenta o panorama geral - as alterações climáticas provocaram quedas significativas da neve no norte do mundo desde a década de 1980. As zonas do sudoeste e do nordeste dos EUA, bem como da Europa Central e Oriental, registaram os declínios mais acentuados relacionados com o aquecimento global, entre 10% e 20% por década.

"É muito claro que as alterações climáticas têm tido impactos negativos na neve e na água", afirmou Alexander Gottlieb, principal autor do estudo e estudante de doutoramento no Dartmouth College. "E cada grau adicional de aquecimento vai retirar uma parte cada vez maior dos recursos hídricos da neve."

Menos neve significa menos água

Os investigadores descobriram que a perda de neve acelera quando as temperaturas médias de inverno num local sobem acima dos 8 graus Celsius negativos, um ponto a que se referem como "precipício". Depois desse ponto, a perda de neve acelera mesmo com aumentos modestos da temperatura.

Trata-se de um enorme problema para as comunidades que dependem da neve para obter água. Muitas das reservas de água do mundo já estão ameaçadas pelas alterações climáticas, devido à seca e às ondas de calor que se estão a tornar mais frequentes e intensas. À medida que o planeta continua a aquecer, o estudo concluiu que muitas áreas altamente povoadas que dependem da neve vão registar perdas crescentes na disponibilidade de água nas próximas décadas.

"Quando o regime muda para um que já não é dominado pela neve no inverno, mas sim pela chuva, temos uma situação em que os reservatórios podem estar meio cheios, ou menos", observou Justin Mankin, autor sénior do estudo e professor associado de geografia na Dartmouth, à CNN. "Depois, a questão passa a ser 'bem, será que vamos ter uma primavera chuvosa' para compensar as captações de água em locais a jusante?"

Os investigadores também analisaram as bacias hidrográficas para medir a diminuição dos recursos hídricos provenientes da neve. O estudo revelou uma tendência para o declínio do volume de neve em 82 das 169 principais bacias hidrográficas do Hemisfério Norte, incluindo o rio Colorado nos EUA e o rio Danúbio na Europa, com 31 delas a mostrarem com segurança as impressões digitais das alterações climáticas causadas pelo homem.

"A maior parte da população mundial vive em bacias hidrográficas que se encontram à beira de um precipício de perda de neve acelerada, em que cada grau adicional de aquecimento significa uma perda cada vez maior de neve", alertou Mankin.

Para chegarem a estas conclusões, os investigadores analisaram especificamente os declínios da camada de neve em março entre 1981 e 2020, porque fornece um "resumo conveniente de todo o clima de inverno", indicou. Mankin referiu que a quantidade de neve no solo em março indica como foram as condições de inverno nessa estação, antes de a primavera derreter o reservatório que escorre a jusante para fornecer água às famílias e à agricultura.

"O volume de neve em março é emblemático de tudo o que aconteceu durante o inverno e nós testamos a sensibilidade dessa medida", explicou Mankin.

Percentagem de alteração da quantidade de neve causada pelas alterações climáticas nas bacias hidrográficas da América do Norte entre 1981 e 2020: o vermelho indica uma diminuição e o azul um aumento.
Alexander R. Gottlieb e Justin Mankin/Dartmouth College

Anos consecutivos de menos neve no oeste dos EUA já deram uma antevisão do que poderão ser os futuros invernos e primaveras em muitas partes do Hemisfério Norte, desde uma escassez de água sem precedentes até ao agravamento dos incêndios florestais, lembrou Mankin.

A neve também ajuda a evitar os incêndios florestais ou pode reduzir a sua intensidade. Ao contrário da chuva, que pode escorrer rapidamente, a neve derrete lentamente ao longo do tempo e pode proporcionar uma libertação lenta e sustentada de água no solo, tornando-o menos suscetível de se inflamar e fornecendo menos combustível para a propagação dos incêndios.

A diminuição da quantidade de neve também tem um custo significativo para os locais que dependem das atividades recreativas de inverno, como o esqui e o snowboard, como principais motores económicos. Muitas estâncias de esqui do Hemisfério Norte já estão a enfrentar esses desafios, e muitas delas dependem agora de canhões de neve para garantir que haja neve suficiente para manter as empresas operacionais. Alguns locais estão a aproximar-se de limiares de temperatura que tornarão inviável até mesmo a neve produzida por máquinas.

Mona Hemmati, investigadora de pós-doutoramento da Columbia Climate School, que não esteve envolvida no estudo, afirmou que a investigação forneceu "provas irrefutáveis" de como as alterações climáticas causadas pelo homem estão a influenciar os padrões de neve.

"O que torna este estudo inovador é a sua abordagem para isolar os efeitos das alterações climáticas antropogénicas da variabilidade climática natural", disse Hemmati à CNN. "Este estudo serve como um lembrete crucial dos impactos crescentes das alterações climáticas e do imperativo de uma ação imediata e concertada para enfrentar este desafio global."

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