Quatro problemas na luta contra a covid: atrasos na SNS24, nos inquéritos epidemiológicos, nas requisições de testes e nas declarações de isolamento

22 dez 2021, 18:22
Centro de atendimento da Linha SNS 24 em Lisboa

Presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública deixa um aviso: "Existe um desfasamento entre aquilo que é a necessidade e aquilo que é a capacidade (...) Os recursos humanos são limitados, estamos sempre a correr atrás do prejuízo." O pneumologista Filipe Froes faz o mesmo: "A rapidez é crucial. É difícil controlar uma doença se não tivermos capacidade para a identificar precocemente".  A ministra da Saúde avançou esta quarta-feira com uma medida: "Estamos neste momento a acionar o mecanismo de permitir que mais operadores estejam disponíveis na linha SNS 24 e com possibilidade de emitir prescrição de testes" de rastreio à covid-19

Em pleno inverno e com o número de casos diários de covid-19 a quase nos nove mil, o centro de atendimento SNS24 tem estado entupido de chamadas. A CNN Portugal recebeu relatos de pessoas que estiveram até três horas em linha à espera para serem atendidas e só depois de várias tentativas. 

Também há casos de pessoas que são atendidas rapidamente e contactadas pela Direção-Geral da Saúde (DGS) no dia seguinte. No entanto, ficam vários dias à espera da requisição para ir fazer um teste PCR ou da declaração de isolamento. É normal ou há algo que está a falhar?

Para Luís Caldas, enfermeiro em Setúbal que trabalha para a linha SNS24 há cinco anos, e que por isso apanhou o período pré-pandemia, este cenário é "normal" porque em todos os invernos há um maior número de chamadas. Daí a demora no atendimento. "Quando há um maior fluxo de chamadas há mais tempo de espera. Isto é assim em qualquer serviço de urgência."

O enfermeiro assegurou que a equipa de atendimento foi reforçada "com muitos mais enfermeiros" este inverno - aliás, diz que é habitualmente assim, independentemente da pandemia. "Não é só por casos covid-19, o inverno sempre teve um maior fluxo de chamadas." 

Luís Caldas explica que a linha "tem estrutura física para aguentar a afluência", dando como exemplo o factos de as chamadas telefónicas já não irem abaixo. Ainda assim, sublinha que "os meios humanos são finitos". "É normal haver maior tempo de espera (...) Dou-lhe como exemplo os testes: sempre estiveram disponíveis em supermercados e farmácias e agora já não estão. Porquê? Porque são finitos e a afluência tem sido muito grande". 

Contactados pela CNN Portugal, a Ordem dos Enfermeiros e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) não receberam nenhuma denúncia que desse conta do enorme volume de chamadas, nem pedidos para reforçarem o pessoal. Foram ainda contactados os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, mas até à publicação deste artigo não foi obtida qualquer resposta.

Isto dificulta o travão dos surtos? 

A resposta é sim. São estes enfermeiros que realizam os inquéritos epidemiológicos e passam as prescrições para a realização de testes, que são depois enviadas aos médicos de saúde pública, que são os únicos que podem emitir a requisição para um teste PCR. Com inquéritos epidemiológicos a serem feitos com três e quatro dias de atraso após a comunicação de um contacto de risco, as prescrições para o teste também atrasam. "É tudo o oposto do que deveria acontecer", diz Ricardo Mexia à CNN Portugal. 

O médico e presidente da Associação de Médicos de Saúde Pública (AMSP) explica que não existe "um prazo ideal" mas defende que a "automatização dos testes já deveria ter ocorrido" para tornar todo o processo mais rápido. "Quanto mais rápido se puder fazê-lo [o inquérito epidemiológico e o teste], melhor (...) Dentro do próprio dia serial o ideal".

Na mesma linha, o pneumoloista Filipe Froes refere que estes problemas têm um "impacto enorme na propagação do vírus" porque atrasa um dos fatores mais importantes que é a aplicação das medidas preventivas. "O impacto deste atraso ,quer na confirmação de diagnóstico, quer da identificação dos doentes, tem um impacto enorme na propagação do vírus (...) isto significa muitas vezes um atraso no diagnóstico, um atraso na monitorização e um atraso nas medidas preventivas que têm de ser tomadas". O pneumologista acrescenta ainda que "quanto mais tempo demoramos a detetar, mais tempo essa pessoa tem para disseminar a doença na comunidade". 

Ricardo Mexia aponta ainda que todos estes constrangimentos se devem ao facto de existir uma "procura que está claramente acima da oferta". "Existe um desfasamento entre aquilo que é a necessidade e aquilo que é a capacidade (...) Os recursos humanos são limitados, estamos sempre a correr atrás do prejuízo."

O que está a falhar? (e uma referência à Stayaway Covid) 

A resposta é consensual: a monitorização. Para Filipe Froes é preciso "cortar o mal pela fonte" e essa fonte são os doentes infetados. Quanto mais tempo se demorar a detetar e identificar casos positivos, "mais tempo essa pessoa tem para disseminar a doença na comunidade". 

Em declarações à CNN Portugal, o pneumologista explica que existem dois fatores que contribuem bastante para esta desordem que se está a verificar: o facto de Portugal ter uma nova variante que tem "uma transmissibilidade acrescida" e que, além disso, está "associada a uma diminuição da resposta da vacina"; isto junta-se ao facto de estarmos num período de festividades, o que gera uma "maior dificuldade em mobilizar recursos técnicos e humanos para fazer o rastreio". 

Filipe Froes considera que é fundamental manter um nível elevado de monitorização porque só assim vai haver capacidade de resposta. "A rapidez é crucial. É difícil controlar uma doença se não tivermos capacidade para a identificar precocemente". 

O virologista Pedro Simas não imputa culpas à equipas que fazem o rastreamento, explicando que não havendo ferramentas digitais como a StayAway Covid "é difícil não haver estes atrasos".  "É muito difícil acompanhar este ritmo de novos casos e acho injusto dizer que isto está a falhar. Por muito que se aumente as equipas, não dá para aumentar mais". 

SNS24 ultrapassou hoje as 40 mil chamadas

A linha SNS24 ultrapassou esta manhã as 40 mil chamadas, informou a ministra a Saúde, adiantando que foi acionado o mecanismo para reforçar o número de operadores do centro de contacto. "Estamos neste momento a acionar o mecanismo de permitir que mais operadores estejam disponíveis na linha e com possibilidade de emitir prescrição de testes" de rastreio à covid-19, adiantou Marta Temido, em entrevista à TVI.

Questionada se a Linha SNS24 vai conseguir responder a uma maior procura por parte da população, a ministra afirmou que se está "a trabalhar para conseguir dar a melhor resposta". "Mas a melhor resposta não depende só de uma parte deste anel de pessoas que contribui para que a infeção seja controlada, depende de todos”, cada um tem de “fazer o mais possível a sua parte", apelou.

No dia 3 de dezembro, os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) revelaram que o Centro de Contacto SNS24 ultrapassou as cinco milhões de chamadas este ano, o valor mais elevado de sempre. “Em 2021, o SNS24 atendeu mais de cinco milhões de chamadas, ultrapassando o ano de 2020, que até aqui tinha sido o maior em volume de chamadas”, salientam, precisando que no período homólogo de 2020 tinham sido atendidas mais de 3,5 milhões chamadas.

Janeiro de 2021 continua a ser o mês com maior procura, tendo sido atendidas mais de um milhão de chamadas. Em novembro foram atendidas quase 500 mil chamadas, praticamente o dobro do valor registado no mês anterior (261.085).

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