opinião
Especialista em Ciência Política e Relações Internacionais: Segurança e Defesa, do Centro de Investigação do Instituto de Estudos Políticos (UCP). Jurista, foi jornalista de Política Internacional e é consultora em Public affairs e Comunicação

Países corruptos não podem ser felizes

25 mar, 18:10

Em países corruptos, diz-se, não se pode ser feliz: o Relatório Mundial sobre Felicidade da ONU (1), cuja edição 2024 acabou de ser divulgada, mostra a relação direta entre os países com baixos níveis de corrupção e a felicidade das respetivas populações, com Portugal no 56.º lugar, e em movimento descendente, depois de já ter ocupado a 34.ª posição (2019).

Falando especificamente de corrupção, os casos em Portugal continuam a suceder-se como se algum determinismo histórico fosse mais forte do que a capacidade de o país resolver as suas questões sistémicas e transformar-se naquilo que está chamado a ser: um bom lugar para nascer, viver e morrer.

As próprias análises mundiais da corrupção têm imensas limitações, e ninguém considerará que um índice de perceções, que é o que existe de mais sistemático para medir o fenómeno, traduza com rigor o próprio fenómeno. Trata-se de invocar o velho provérbio “não há fumo sem fogo”, mais do que perscrutar a própria extensão do fenómeno.

Em todo o caso, 2023 também foi o ano em que Portugal desceu um lugar no Índice de Perceção da Corrupção, dando sinais mais do que evidentes de que alguma coisa tem de ser feita. As falhas foram ressaltadas ao nível da “integridade política”, dos “conflitos de interesses”, da “transparência”, das “normas éticas”, falando-se igualmente, em geral, do “declínio do funcionamento dos sistemas de justiça”.

Nada do que fica exposto está longe da intuição do português médio, que inevitavelmente se sente usado e abusado por quem se serve de algum tipo de poder para seu próprio benefício, delapidando o erário público, que é nada mais do que o dinheiro que cada português transfere para o Estado e não traz para casa para alimentar a sua família e fazer as suas próprias escolhas de vida.

Indo um pouco mais a fundo do próprio fenómeno, é importante referir que têm menor índice de corrupção os países com:

  1. Maior PIB per capita (Portugal regista um rendimento médio 21% inferior à média dos 28 países que constituem a União Europeia);
  2. Livre mercado (sendo Portugal um dos países da EU com maior peso do Estado na economia, 44,5%);
  3. Imprensa livre (tendo Portugal caído duas posições na liberdade de imprensa);
  4. Maior literacia, também financeira (sendo Portugal o segundo país da Europa com pior literacia financeira).

É uma evidência comprovada (e não apenas uma intuição) que países mais estatizados e com maior teia regulamentar e burocrática registam maior nível de corrupção (Shleifer and Vishny, 1997) e que sistemas parlamentares e proporcionais são menos corruptos do que sistemas presidenciais e maioritários (Persson and Tabellini, 2004).

Os diagnósticos estão todos feitos e os caminhos estão todos traçados: não é preciso inventar a roda, só é preciso dar os passos na direção certa, que é, no caso de Portugal, desburocratizar e simplificar a legislação, gerar mecanismos eficazes de transparência, fortalecer a liberdade de imprensa e a liberdade de expressão, fornecer, desde os primeiros anos de ensino básico, ferramentas de literacia financeira. E um sistema judicial capaz.

Para além desse facto, que por si só bastaria para nos empenharmos seriamente neste propósito, sublinhe-se que o que está em jogo são dois dos valores que mais prezamos, como pessoas e cidadãos: a felicidade e a própria democracia. Porque minar a confiança nas instituições é colocá-las em risco de derrocada.  

 

(1) O Relatório Mundial da Felicidade avalia a felicidade dos países com base nos seguintes critérios: 1) PIB per capita (indicador económico que mede a riqueza média por pessoa em um país); 2) Expectativa de vida saudável (número médio de anos que uma pessoa espera viver com saúde); 3) Apoio social (inclui apoio de familiares, amigos e instituições sociais); 4) Liberdade para fazer escolhas de vida (inclui liberdade política, liberdade de expressão e liberdade religiosa); 5) Generosidade (atos concretos de bondade ou ajudar estranhos); Corrupção percebida (perceção de corrupção no governo e nas instituições públicas de um país)

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