Uma "líder autocrática" que usa o BCE como "trampolim": funcionários do banco central falam mal (e muito mal) de Lagarde

CNN Portugal , BCE
23 jan, 18:44
Christine Lagarde (EPA)

Os funcionários do Banco Central Europeu não pouparam críticas a Christine Lagarde, acusando a gestora francesa de se envolver demasiado na política, de fazer viagens "excessivas" para fins não relacionados com as atividades do banco central e de ser "autocrática" na gestão dos recursos humanos

Christine Lagarde assumiu a presidência do Banco Central Europeu em novembro de 2019 mas ainda não convenceu os funcionários do banco central, a avaliar pelos resultados de um inquérito aos trabalhadores do BCE. De acordo com o POLITICO, que diz ter tido acesso aos resultados do inquérito, a maioria (50,6%) dos inquiridos classificou os primeiros quatro anos do mandato de Lagarde como "mau" ou "muito mau".

O inquérito, que contou com a participação de 1.159 dos cerca de 4.500 funcionários do BCE, revela uma insatisfação generalizada com a gestão da ex-presidente do Fundo Monetário Internacional, acusando-a de se envolver demasiado nas questões políticas, descurando as preocupações económicas, nomeadamente a subida galopante da inflação, e de utilizar o BCE como "trampolim" para regressar à política.

“Mario Draghi estava lá para o BCE enquanto o BCE parece estar lá para Christine Lagarde”, comparou um funcionário do banco central, citado pelo POLITICO, que assinala o desfasamento entre Lagarde e o seu antecessor, o ex-primeiro-ministro italiano. De acordo com a mesma fonte, na altura em que dirigia o banco central, apenas menos um em cada dez inquiridos classificou Mario Draghi como "muito mau" ou "mau", em contraste com 55% dos inquiridos que classificaram o seu desempenho como "muito bom" ou "excelente".

Entre as respostas dos inquiridos, o POLITICO salienta um dado que considera “preocupante”: o facto de mais de metade dos funcionários admitirem que o BCE poderá não ser capaz de assegurar o regresso à estabilidade dos preços. Um dos funcionários inquiridos acusa o banco central de se “concentrar em temas que ultrapassam as suas competências, num período em que a inflação atingiu o nível mais elevado da história da União Europeia". Outros salientam o facto de o BCE ter tomado partido no conflito armado entre Israel e o Hamas ou denunciam as viagens "excessivas" de Lagarde para fins não relacionados com as atividades do banco central.

Ainda em comparação com o seu antecessor, o POLITICO assinala o facto de Lagarde ter tido uma classificação muito pior do que Mario Draghi em relação às questões internas, com quase três quartos dos inquiridos a manifestarem descontentamento com as condições de trabalho e salariais, nomeadamente o facto de os aumentos salariais não acompanharem a subida da inflação.

“Christine Lagarde é geralmente apontada como uma líder autocrática que não atua necessariamente de acordo com os valores que proclama”, refere-se num relatório do IPSO, o maior regulador independente da imprensa no Reino Unido. De acordo com o POLITICO, o relatório sublinha a insatisfação dos trabalhadores com a aparente dualidade de critérios de Christine Lagarde, apontando como exemplo o facto de encorajar os funcionários a falarem, mas depois repreender os mesmos se partilharem abertamente as suas preocupações.

O POLITICO assinala ainda um outro dado “surpreendente” relacionado com o facto de nem os funcionários do sexo masculino nem os do sexo masculino estarem satisfeitos com os esforços de Lagarde em matéria de diversidade, com ambos os sexos a preferirem as políticas do seu antecessor, que introduziu pela primeira vez quotas de género no banco central. Embora a maioria tenha concordado com os objetivos quando Draghi levantou a questão, a implementação dos mesmos critérios por Lagarde é descrita como “contraditória e discriminatória”. "As questões de género dividiram seriamente o pessoal", observou um dos inquiridos.

Confrontada com estes resultados, uma porta-voz do BCE disse ao POLITICO que as respostas não correspondem à verdade e lembra que a conjuntura atual exigiu outras responsabilidades à presidente do banco central. “A presidente e o conselho de administração estão totalmente focados no seu mandato e implementaram políticas para responder a eventos sem precedentes nos últimos anos, como a pandemia e os conflitos em curso.”

Apesar do descontentamento geral, os resultados mostram que Lagarde conta com o apoio dos funcionários em alguns domínios em específico, como o facto de incluir a proteção ambiental no mandato do BCE.

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