Têm 16 anos, são do Chega, foram sozinhos à convenção

13 jan, 08:00
Militantes Jovens CHEGA

REPORTAGEM || Apanharam um comboio em Braga e foram sozinhos à convenção nacional do Chega em Viana do Castelo. Os pais deram autorização para que o fizessem (“mas és um tolo”, disse um dos pais), para que dessem esta entrevista e para que fossem fotografados. Os pais são do PSD

“Nós éramos do PSD, depois começámos a ser Iniciativa Liberal mas agora somos Chega”, o “nós” são dois: “sou o José Silva, 16 anos”, o José Silva estuda no 11º ano, ensino privado, veste fato com botões de punho e gravata azul escura com nó grosso, tem um relógio vistoso-prateado no pulso esquerdo, penteado curto de risca ao lado, é eloquente e fala devagar; “sou o Tomás Antunes, também 16 anos”, o Tomás Antunes estuda no 11º ano, ensino privado, gravata azul clara com nó grosso ligeiramente torto, tem um relógio vistoso-prateado no pulso esquerdo, penteado curto com repas, o Português é assertivo e fala acelerado.

O José há de dizer ao longo da conversa que é mais moderado que o Tomás nalgumas coisas mas que no essencial, que no fundamental são iguais, pensam e são da mesma maneira, a maneira do Chega, “o Chega está a trabalhar muito bem a nossa faixa etária, temos muitos amigos do Chega lá no colégio, são quase todos de direita mesmo que não sejam do Chega”, diz o José e diz o Tomás, mas em casa o Tomás tem um familiar “que não é de direita, foge à regra da família, somos todos de direita e este familiar não, mas calma, claro que gosto muito dele”, ri-se; o José tem um familiar lá em casa que não liga muito a política, “é muito inteligente mas não gosta do Chega, diz que é um partido populista, é mais a favor da Iniciativa Liberal”, os pais do José e do Tomás são do PSD e “eu, quando disse hoje ao meu pai que vinha aqui, o meu pai disse ‘tu és é tolo’”, conta o José, ri-se também.

O José e o Tomás estão sentados numa das bancadas do Centro Cultural de Viana do Castelo, vieram sozinhos de comboio desde Braga para a convenção do Chega, é impossível não reparar na juventude deles, naqueles fatos de adultos passeados por adolescentes, “estávamos à espera que esta legislatura acabasse para podermos votar pela primeira vez, votar Chega”, ligaram aos pais para terem autorização para dar esta entrevista e os pais consentiram, perguntaram aos pais se podiam ser fotografados e os pais responderam da mesma maneira, “o meu pai é piloto”, diz o José, “o meu pai é completamente PSD”, prossegue o José, o José inveja a profissão do pai, o José quer ser piloto mas o José não inveja o partido do pai, o José quer outras coisas que o pai não quer, “o meu pai não apoia muito o Chega mas eu disse-lhe que queria vir, que queria conhecer, quero ver como é que isto funciona, não é?”, o pai do Tomás é da área de engenharia, o Tomás fala menos que o José, estica as pernas, encosta-se para trás e escreve mensagens no iPhone enquanto o José fala de perna cruzada, enquanto fala lenta e convictamente de perna cruzada, o Tomás é diferente, tem altura de central de futebol e braços volumosos, da cabeça para baixo parece o Rúben Dias, às vezes os centrais são mais agressivos e então o Tomás faz uma entrada mais violenta, “por exemplo, há cenas com que eu não concordo, por exemplo, com o lóbi, com a propaganda LGBT, há cenas com que eu não concordo, por exemplo, esta nova lei que foi aprovada dos nomes mistos, há esse tipo de cenas na área social em que eu sou contra a Iniciativa Liberal, sou economicamente liberal e economicamente identificava-me com a Iniciativa Liberal mas na parte dos costumes não”, o José interrompe, “eu estou um bocadinho ao lado dele também, certamente há comportamentos que eu não consigo tolerar: estudo Português há 11 anos, assim desde o primeiro ano, não é?, e desde aí eu aprendi gramática, não é?, é que eu vi um vídeo no Twitter no outro dia de uma senhora que se afirmava de sexo não binário e que gostava que lhe chamassem Elu, isto é um atentado à Língua Portuguesa”, o Tomás abana a cabeça da direita para a esquerda da esquerda para a direita, é um vaivém que significa “não, isto não pode ser”, é a expressão que ele usa para justificar o vaivém.

Tomás Antunes (à esquerda), José Silva (à direita) FOTO JOANA MOSER

O PSD não lhes serve porque “o Luís Montenegro não está ao nível de um partido como o PSD”, se fosse o PSD de Passos Coelho aí “havia a possibilidade” para o Tomás e “havia uma leve possibilidade para o José” de votarem PSD, a Iniciativa Liberal é demasiado liberal nos costumes que o José e o Tomás consideram os costumes adequados e assim chegaram ao Chega: quando André Ventura entra no Centro Cultural de Viana, José e Tomás levantam-se de indicador e médio erguidos, V de vitória V de Ventura, “o André Ventura não é populista”, José, “ele é a voz do povo”, Tomás, “ele é a voz do povo”, José outra vez, “é carismático, é um grande político”, Tomás, “mas o Ventura há muitas cenas em que é incongruente”, Tomás de novo, usa muito o termo “cenas”, desenvolve: “por exemplo, o Ventura é a favor de que a TAP não seja privatizada, eu sou completamente contra isso, a única solução é privatizar porque só gasta o dinheiro dos contribuintes”, José concorda, “eu concordo plenamente com o Tomás, mas a situação da TAP, deixemos claro, não é culpa dos pilotos, é da administração”, Tomás volta a discriminar uma das “incongruências” do líder e do partido, “o Chega é… ainda tem aquela ideia de ser associado, peço desculpa a expressão, a jagunços, a javardos: por exemplo, aquela cena que ele disse à Mariana Mortágua, o ‘mentirosa é tua tia’... não gosto da linguagem, fica mal, não gosto disso, não atrai as pessoas mais moderadas”.

E subitamente introduzem o tema da imigração, Tomás: “A minha mãe é do PSD mas a coisa em que ela mais concorda com o Chega é que Portugal anda a aceitar demasiados imigrantes, aos meus pais choca muito, choca muito a quantidade de imigrantes em Braga, uma cidade com muitos brasileiros, nós somos um país de muita gente que saiu de Portugal para outros países, mas nós adaptámos a nossa cultura, ou seja, as pessoas integraram-se na sociedade francesa, agora estes paquistaneses e indianos vêm para aqui, não respeitam a nossa cultura…”, a conversa é interrompida porque um homem aproxima-se, “ah, companheiros, boa noite a todos vocês, quero desejar um bom ano”, José e Tomás riem-se, o homem prossegue, “olha, eu aprendi uma palavra que Deus disse a um jovem chamado Josué, ‘esforça-te e tem um bom ano e Eu serei contigo aonde tu fores’, podem ir a Josué, capítulo 1, versículo 13 em diante, ele estava chorando e lamentando a morte de Moisés”, o homem usa gerúndios, “e pronto, Deus animou ele”, fala como um brasileiro mas o sotaque é Português de Portugal, “eu já fui pregar a palavra de Deus na Rússia, já preguei em Espanha, já preguei no Brasil, sejam convictos, sejam submissos aos vossos superiores, às autoridades que estão constituídas na Terra, ainda que elas façam coisas más, mas pronto, sejam submissos, o próprio Jesus disse ‘na cadeira de Moisés estão sentados os escribas, os doutores da lei, façam tudo o que vos digam mas não procedam como eles procedem’”, José e Tomás voltam a rir-se, o homem retoma, “é a minha primeira vez em Viana do Castelo, é muito bonito, a palavra de Deus acordou um morto, muito obrigado, meu nome é Roberto Carlos, sou casado com a mulher mais linda do mundo, ela tem três B, a minha mulher é brasileira, baiana e bonita”, despede-se, vai-se embora.

Tomás retoma exatamente onde estava antes da interrupção, “mas pronto, continuando o que eu estava a dizer, nós precisamos de mão-de-obra, certo?, claro que precisamos de mão-de-obra, precisamos de mão-de-obra estrangeira porque já temos a nossa sociedade tão qualificada e cada vez há menos pessoas para a mão-de-obra, cada vez há menos picheleiros, cada vez há menos esse tipo de profissões, eu aceito isso, agora podes vir para aqui trabalhar mas tens de respeitar as normas de um país, se eu for para outro país trabalhar também quero respeitar a cultura deles e integrar-me na sociedade, agora esse tipo de pessoas que vem para aqui e acha que manda no país e tem alguns comportamentos que são indignos, por exemplo, um caso de um Uber que era indiano que se masturbou enquanto conduzia uma senhora na cidade de Lisboa… eu acho que qualquer pessoa do Ocidente acha isso nojento, indigno... é fora de normal”, José intervém, “a minha opinião, neste caso, tem um pouco da dele mas também diverge bastante, eu não sou tão radical, é assim... eu, quando vou a Lisboa... eu gosto muito da cidade de Lisboa, adoro a cidade de Lisboa, acho a cidade mais bonita… não do mundo, mas da Europa, dá-me mesmo muita pena quando vou a Lisboa e sou obrigado a chamar os Ubers Premium em vez dos normais - se não o fizer… eu gosto muito de passear com a minha mãe, se não o fizer, se não chamar os Ubers Premium, estou sujeito a que a minha mãe se sinta, se calhar, assediada ou etc. com esse tipo de comportamento por Ubers normais provenientes desses países da Ásia”.

Decisão 24

Mais Decisão 24

Mais Lidas

Patrocinados