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Diretor executivo CNN Portugal

São 50 contra 180 e no fim ganha o Chega?

27 mar, 16:33
Luís Montenegro e André Ventura no debate entre os líderes dos partidos com assento parlamentar (Lusa/ José Goulão)

Bem-vindos ao Circo Chega, que agora sobe à cidade quinzenalmente e arma a barraca no Parlamento para derrubar as estátuas e desnortear as bússolas. A eleição do presidente da Assembleia da República foi a primeiríssima charada de um novo tempo hilariante para a compreensão política. Depois de tanto gás pimenta por tão pouco, a pergunta seguinte é óbvia: como – mas como?! – pode este parlamento aprovar um Orçamento do Estado daqui a meia dúzia de meses?

Vai ser difícil racionalizar nestes tempos. Não porque o Chega não joga com o baralho todo – mas porque, jogando, está-se a borrifar para as regras escritas por aqueles contra quem se afirma. Os míticos milhão e duzentos mil deram-lhes 50 deputados para isto mesmo – para desbundar, para tirar o controlo, para desafiar posturas e desfigurar composturas. Há até um certo arrojo transgressor nestas práticas subversivas. O problema é que, servindo isto para destruir, nada mais propõe do que… apenas destruir.

Dir-se-ia que, no dia seguinte à apresentação dos deputados e no dia anterior à apresentação dos ministros, este governo nasce candidato a coitadinho, emprateleirado entre dois partidos que disputam a liderança da oposição.

O PS – que destruiu parte dos equilíbrios secretos do centro com a criação da geringonça em 2015 -, decidiu em 2024 ser o líder da esquerda unida, um polo negativo indisponível para o centro. Ao anunciar que vai votar contra um Orçamento do Estado que ainda não conhece feito por um governo que ainda não existe, está a dizer que é do contra, está a anunciar que a única hipótese de o governo sair do tempo de gestação é negociar com o Chega - para depois hiperventilar que do lado de lá do equador está a extrema-direita. Polarizou.

O Chega – que até hoje nunca soube nem quis saber como se constrói um equilíbrio -, decidiu fingir um cio de governar com a AD e embarrigar uma gravidez histérica de direita unida, outro polo negativo indisponível para o centro. Ao engendrar o número de circo, possivelmente premeditado, com que desfez o processo de eleição de José Pedro Aguiar-Branco, está a dizer que ou a AD lhe dá vitórias que amplificará sonoramente ou vai ter de ir pedir esmolas ao PS – para depois hiperventilar que do lado do poder está o regime dos interesses. Polarizou.

Não há nisto intersecção para viabilizar a AD a não ser se Luís Montenegro ceder para a criar. Mas ceder para quê, se mesmo que a AD quisesse dizer não ao “não é não”, se saiba que com o Chega cada ponte de hoje será dinamitada amanhã? Estes três partidos estão indisponíveis para amar, não confiam uns nos outros, e entre eles vai desenhar-se um triângulo das Bermudas onde tudo o que aparecer irá desaparecer.

Montenegro mantém o silêncio cavaquista mas o provável é sabermos já que a AD ficará solteira, que o PS não quer casar às claras e que o Chega não quer amantizar às escondidas. O Parlamento será, pois, um lugar mais de oposição que de governação, de exercício de contrapoder do que de poder.

A única forma de Montenegro subsistir é apresentar um governo forte, que engrene e crie a sua própria narração, libertando-se dos dois partidos que o querem tolher – e que farão duas oposições, uma à AD, a outra entre si. O caos é suave como aquacultura para o Chega, que sempre dirá que quis dar a mão mas deram-lhe com os pés, o que até é verdade. Serão 50 deputados de um lado a bolinar contra a ventania que semear entre os outros 180. Para dizer no fim que ganhou.

Bom, importante agora não é o Chega, importante é governar. Não se vê como. Talvez Montenegro veja. Ou talvez avance de olhos fechados e logo se vê. Ou talvez surpreenda com um governo que vá buscar a força às suas próprias qualidades. Se não, bem podemos começar a pensar nas próximas duas eleições: as europeias em junho e as legislativas depois do OE.

É a casa da democracia.

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