Gosta de lã de caxemira? Sabe porque é mais cara? E que riscos existem? Este artigo responde – e alerta

CNN , Milly Chan
20 ago 2023, 10:00
Lã de caxemira Fotos Dan Hodge CNN

Na primavera, nas vastas pradarias da Mongólia Central, as severas neves do inverno já derreteram em grande parte, mas os ventos fortes e as tempestades de areia podem fazer desta uma das épocas mais duras do ano.

Para a pastora Bayarduuren Zunduikhuu, esta é também uma das épocas mais ocupadas.

“Acordamos quando o sol nasce”, diz ela. “A primavera é a época da colheita da caxemira.”

Tal como muitos membros das cerca de 300 mil famílias de pastores nómadas da Mongólia, Bayarduuren obtém grande parte do seu rendimento recolhendo e vendendo a lã de caxemira das suas cabras que vivem em liberdade. Ela penteia os pêlos dos animais um a um, retirando as fibras finas do ventre que mudam à medida que o tempo aquece.

Bayarduuren Zunduikhuu muda de casa todas as estações à procura de terra para o seu rebanho de 500 animais, incluindo as cabras de que depende para obter caxemira. Dan Hodge/CNN

A caxemira, apreciada pela sua durabilidade e suavidade, é utilizada para fabricar camisolas, cachecóis e cobertores de luxo. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), cerca de 40% da caxemira mundial provém da Mongólia - aproximadamente 10 mil toneladas métricas em 2021. Atualmente, a caxemira é uma das principais exportações da Mongólia.

Mas a crescente procura global desta lã de luxo está a afetar o ambiente e a pôr em risco os modos de vida tradicionais. O mercado da caxemira disparou nas últimas décadas, tal como o número de cabras que pastam nos prados da Mongólia. Estima-se que existam atualmente 27 milhões de cabras, o que significa que o seu número é superior ao número de habitantes do país em mais de oito para um.

De acordo com o PNUD, as alterações climáticas, as condições meteorológicas extremas e o pastoreio do gado contribuíram para a degradação de cerca de 70% das pastagens. Esta situação ameaça devastar de forma irreversível os ecossistemas da Mongólia - e as indústrias que deles dependem.

Caxemira transparente

No meio destas preocupações ambientais, algumas marcas de luxo estão a voltar-se para alternativas mais amigas do ambiente. Mas uma nova geração de designers da Mongólia está a procurar formas de tornar a caxemira mais sustentável e, ao mesmo tempo, apoiar os pastores locais.

O processo começa muitas vezes por compreender exatamente onde - e como - o material é produzido, comenta Oyuna Tserendorj, que cresceu na Mongólia e gere agora uma marca de vestuário e artigos para a casa em caxemira.

As fibras de pelo de cabra são transformadas em fio, que é depois utilizado para fazer artigos de caxemira, como camisolas e cachecóis. Dan Hodge/CNN

Fundada há pouco mais de 20 anos, a Oyuna é vendida em grandes armazéns de luxo como o Harrods em Londres e o Lane Crawford em Hong Kong. Embora a sua marca seja gerida a partir de Londres, a estilista adquire e produz as suas roupas no seu país de origem.

“Temos uma cadeia de abastecimento muito curta. Desenhamos as nossas coleções e trabalhamos com as fábricas na Mongólia”, afirma Oyuna. “E sabemos de que zonas e cooperativas nómadas provém a nossa caxemira.”

A abordagem ponderada de Oyuna tem um preço elevado. Enquanto alguns retalhistas do mercado de massas vendem camisolas 100% caxemira por menos de 70 euros, as dela podem custar mais de 900 euros.

A qualidade dos fios das marcas de luxo, a produção em pequenos lotes e os processos de fabrico manual com mão de obra intensiva podem explicar algumas das diferenças de custo. Mas as práticas sustentáveis também têm impacto nos preços das peças de vestuário.

Oyuna apoia os programas da organização sem fins lucrativos Sustainable Fiber Alliance (SFA), que ajuda os pastores a melhorar a gestão das suas terras, o bem-estar dos animais e o acesso ao mercado global de caxemira. Ela só compra a pastores que atendem aos padrões de sustentabilidade da SFA, mesmo que isso signifique gastar mais em materiais.

A marca de luxo Oyuna, especializada em caxemira de origem responsável, filmou uma campanha recente nas estepes da Mongólia. Noise Art Media

Tornar as atividades dos pastores mais rentáveis pode reduzir as pressões ambientais ao desencorajar o sobrepastoreio, de acordo com o PNUD. Por exemplo, a transformação e o fabrico de mais caxemira na Mongólia, que atualmente exporta até 90% do material em bruto (muito antes de se transformar em fio, quanto mais em chapéu ou xaile), poderia proporcionar-lhes um rendimento adicional sem necessidade de mais cabras. O PNUD sugere que os pastores poderiam limpar e separar diretamente a caxemira para as empresas locais - e ao assegurarem que a sua caxemira não é misturada com outras, podem também controlar melhor a qualidade e, assim, cobrar preços mais elevados.

Lã de iaque: a nova caxemira?

Um número crescente de marcas está a procurar alternativas éticas à caxemira tradicional. Stella McCartney, por exemplo, desde 2016 utiliza apenas caxemira reciclada. Isto ajuda a combater o desperdício, com um impacto ambiental sete vezes inferior ao da caxemira virgem, afirma a marca.

Entretanto, a startup japonesa Spiber desenvolveu uma alternativa de caxemira sintética inspirada em teias de aranha, fermentando ingredientes à base de plantas num polímero proteico. Já a marca de atletismo KD New York produziu um tecido com qualidades semelhantes às da caxemira, utilizando fibras à base de soja.

Estes materiais de alta tecnologia ainda não foram amplamente adotados. Mas várias marcas estão a voltar-se para uma alternativa de caxemira facilmente disponível - uma alternativa que pode proporcionar um rendimento aos pastores da Mongólia e, ao mesmo tempo, proteger as suas terras da degradação: a lã de iaque.

A Bodios está entre as marcas que apostam que o iaque pode ser a próxima grande novidade. A marca de malhas sediada em Ulaanbaatar afirma que produz mais de metade dos seus artigos de lã de iaque - incluindo camisolas, cachecóis e cobertores - na Mongólia.

A lã de iaque é recolhida de forma semelhante à caxemira, uma vez que tanto os iaques como as cabras deixam crescer pêlos isolantes por baixo das suas peles lanosas para o inverno. O material não é tão popular como a caxemira, em parte porque as fibras são mais grossas e escuras, tornando-as mais difíceis de tingir.

Mas Ishbaljir Battulga, gestor da Bodios, diz que os hábitos de pastoreio dos iaques são mais simpáticos para o ecossistema. Por exemplo, enquanto as cabras arrancam as plantas à medida que comem, os iaques apenas tocam nas folhas, facilitando a regeneração das pastagens. Além disso, pastam a uma altitude mais elevada, o que significa que não contribuem para a degradação das pastagens já demasiado exploradas.

Alguns especialistas acreditam que o crescimento do mercado da lã de iaque - também conhecida como penugem de iaque - poderia constituir uma fonte de rendimento mais ecológica para os pastores da Mongólia. E alguns fabricantes de malhas da Mongólia esperam utilizar a raridade comparativa do material (há menos de um milhão de iaques na Mongólia) como argumento de venda.

“Em termos de suavidade, a caxemira e a penugem de iaque são muito próximas”, diz Ishbaljir. “A penugem de iaque é mais quente... e, ao mesmo tempo, respira melhor.”

A transformação da caxemira continua a ser relativamente rara na Mongólia, que atualmente exporta até 90% do material em bruto. Dan Hodge/CNN

O estúdio boutique Hypechase, sediado em Ulaanbaatar, produz roupa de lã de iaque em pequenos lotes para a sua marca homónima, bem como para outras marcas em todo o mundo. O fundador Adrien de Ville diz que o material, quando deixado nas suas cores naturais e não tingidas (que podem variar entre o castanho escuro, o cinzento e o branco), está a ganhar popularidade entre os designers convencionais e experimentais, como Jan-Jan Van Essche, de Antuérpia.

Menos é mais?

Apesar do número crescente de alternativas, o apetite global por roupas de caxemira continua a crescer. A empresa de análises de mercado Grand View Research estimou que a indústria crescerá mais de 6% ao ano até 2030, altura em que valerá 4,23 mil milhões de dólares. Mas, segundo Elaine Conkievich, representante residente do PNUD na Mongólia, o sector ainda pode crescer de forma sustentável se os compradores derem prioridade à qualidade em detrimento da quantidade.

“Não se trata de aumentar massivamente o número (de peças de vestuário), mas sim de manter uma boa qualidade ao longo da cadeia de valor e práticas sustentáveis”, afirma Conkievich.

A caxemira é apreciada pelo seu calor e durabilidade. Dan Hodge/CNN

“Se os consumidores no estrangeiro olharem e disserem: 'OK, esta camisola, cachecol ou luvas da Mongólia foram produzidos do princípio ao fim na Mongólia, estão a beneficiar o estilo de vida dos pastores e o bem-estar dos animais é tido em conta', então isso trará um preço mais elevado.”

Resta saber até que ponto isto é realista numa era de moda rápida. No entanto, para pastores como Bayarduuren, uma indústria mais sustentável poderia ajudá-la a manter uma vida na estepe. É algo que ela já considerou trocar por um emprego na cidade - apesar do que ela descreve como uma profunda ligação à natureza.

“Os meus pais eram pastores e eu também escolhi levar uma vida de pastora”, diz. “Este modo de vida foi transmitido na minha família durante gerações”.

 

Dan Hodge e Kayla Smith, da CNN, contribuíram para esta reportagem.

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