Iniciativa junta o futebol dos pequenos ao dos grandes. Todos estão na luta para ajudar quem está à beira de miséria. Junta-se comida, dinheiro, colchões ou fraldas para bebés numa fase de absoluta decadência para alguns. Saltam a vista a solidariedade, um pouco por todo o país, e a notoriedade que Bruno Fernandes, Silas ou Carlos Vinícius deram ao movimento criado por um grupo de jogadores, agora heróis sem bola, que têm brilhado como nunca.
No campeonato dos gestos e da generosidade, no futebol, não há divisões, mas há escalões. Numa crise nunca antes vista, há jogadores e dirigentes que continuam a viver muito bem e aqueles que lutam para sobreviver. E são esses que merecem toda a atenção da iniciativa «Do Futebol para a Vida», criada por um pequeno grupo de jogadores do Campeonato de Portugal, há uma semana, e que levantou uma onda de solidariedade quase inédita no universo futebolístico. O cancelamento da época não profissional, imposto pela Federação, veio agravar as extremas dificuldades de jogadores e dirigentes de vários clubes, que agora precisam de ajuda como, literalmente, de pão para a boca. Estão à beira da miséria.
«Tudo começou num dia em que perguntei ao meu compadre e colega de profissão, o Ibra: “Olha, nós, apesar de estarmos parados, ainda estamos bem, com as nossas famílias, mas os jogadores estrangeiros também estarão cómodos, com comida?”. Ele ficou a pensar no que lhe disse, nem dormiu nessa noite, e no dia a seguir decidimos criar o grupo», começa por explicar Hugo Machado, jogador do Loures, ao Maisfutebol.
Daniel Almeida, David Dinamite, Fábio Silva, Ibraim Cassamá, Paulo Silva (Paulinho) e Sandro Silva, jogadores de vários clubes do Campeonato de Portugal, são os outros rostos de uma causa que visa angariar alimentos e donativos que chegam de todo o lado. Rapidamente, o ‘plantel’ começou a conhecer novas caras, algumas bem conhecidas. Jogadores de várias divisões, treinadores, presidentes, empresários, árbitros e até chefes de claques.
Por livre iniciativa, Bruno Fernandes contactou Rui Fonte (Sp. Braga), que também já estava por dentro do processo, e decidiu juntar-se ao movimento. O médio do Manchester United está agora, a partir da zona do Porto, a ajudar no que for preciso.
Chiquinho, médio do Benfica, Silas, ex-treinador do Sporting, e Wilson Eduardo, também do Sp. Braga, também já fizeram a sua parte para ajudar. Tiago Esgaio, do Belenenses, já foi até ao supermercado comprar alimentos para depois os distribuir.
Carlos Vinícius, avançado do Benfica, é outro que também «já fez uma considerável contribuição». «Ele jogou comigo no Real e sabe o que estes jogadores estão a passar», diz Paulinho, um dos organizadores da iniciativa.
Foi precisamente o lateral do Real Sport Clube que abriu uma conta, em nome próprio, na qual recebe os donativos. São milhares e milhares de euros que entram à medida que a iniciativa vai ganhando notoriedade. O bolo cresce de hora a hora.
«Estamos muito contentes pelo que está a acontecer, superou as expectativas. É incrível ver a forma como os jogadores carenciados ficam com a lágrima ao canto do olho pelo facto de os ajudarmos», conta Sandro Silva, um dos vários jogadores que, nos últimos dias, têm brilhado fora dos relvados. Levantam-se bem cedo, recolhem os donativos - que vão desde bens alimentares a fraldas para bebés -, juntam-nos num armazém improvisado e daí partem para vários pontos do país, para os distribuírem para jogadores e respetivas famílias, que precisam que alguém lhes dê a mão.
Já foi mesmo criado um site para facilitar a ajuda, assim como um grupo de whatsapp que serve para fazer o ponto de situação. Por lá “chovem" os recibos dos donativos, fotografias com carrinhos de compras, etc. A maioria dos jogadores que recebe ajuda não quer dar a cara por vergonha, ou medo das represálias.
«Os casos de maior gravidade são de jogadores estrangeiros que foram abandonados pelos clubes e pelos empresários. Alguns desses atletas têm bebés para criar», diz ao Maisfutebol Fernando Madureira, líder da claque “Super Dragões”, que está gerir o movimento na zona Norte do país e não só.
«Já resolvi casos na Madeira e em Seia. Esta é uma iniciativa sem camisolas, por isso quero agradecer aos jogadores do Benfica que já fizeram os seus donativos», acrescenta. Entre jogadores, famílias, dirigentes e outras figuras ligadas ao futebol, como a cozinheira do Fátima, este movimento já serviu para dar de comer a quase uma centena de pessoas.
O que começou por ser um grupo ‘familiar’ transformou-se numa autêntica Liga nacional de solidariedade. O plantel do Oriental, por exemplo, doou o dinheiro angariado ao longo da época a esta iniciativa. Contribuições que já serviram para pagar rendas de casas, nos últimos dias, e que vão para jogadores de clubes da mesma divisão, mas que passam por extremas dificuldades. Há salários em atraso em muitos emblemas e uma série de promessas vazias, de dirigentes e empresários, que não foram cumpridas. «A pandemia da covid-19 só veio agravar esse cenário de miséria, que já existe há muitos anos e que vai continuar», lamenta Sandro Silva, defesa do Real.