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Comentadora CNN

O resgate do 7 de Setembro

7 set 2023, 10:16

Não corremos mais o risco de golpe de Estado. Nem de ver o presidente puxando pra si mesmo um coro de teor sexual vergonhoso. O dia voltou a ser do Brasil.

Quando eu era criança, lá no interior do Brasil, o 7 de Setembro era uma data especial. Ensaiávamos durante meses na escola as atividades para o desfile cívico na avenida principal da cidade, que começava logo cedo e lotava as calçadas. Banda marcial (as fanfarras), coreografias com fitas e bambolês, estudantes marchando com uniforme das escolas ou roupas temáticas com aplausos.

Não se falava em política. O tema era o Brasil. O hino nacional e a bandeira eram de todos. Não havia “nós contra eles”. Políticos da oposição e situação estavam no palanque juntos, convivendo com respeito em homenagem à pátria. Era um dia bonito, marcado pela união e celebração da nossa jovem democracia.

Anos depois, a data se transformou em um fenómeno muito diferente do que estávamos acostumados. De 2019 a 2022, o 7 de Setembro ficou marcado pelo temor de um golpe de estado, xingamentos contra autoridades, símbolos de arma com a mão, alfinetadas em líderes internacionais e discursos repletos de palavrões ao mais baixo nível. Tudo foi exaltado, da ditadura à performance sexual do então presidente Jair Bolsonaro em uma multidão com crianças. Tudo, menos o Brasil, a democracia e os temas que interessavam ao povo brasileiro.

Em 2019, o ex-presidente usou o discurso oficial para mandar uma indireta ao presidente francês Emmanuel Macron sobre a Amazónia. O episódio foi poucos dias depois de zombar da aparência de Brigitte Macron, primeira-dama francesa e professora.

No ano seguinte, em plena pandemia de Covid-19, promoveu aglomeração com crianças e sem uso máscara, desrespeitando as normas sanitárias. No pronunciamento televisivo ao país, citou o fantasma do “comunismo” e exaltou a ditadura.

2021 e 2022: do discurso golpista ao “imbroxável”

O pior de todos foi o de 2021. Dias antes da data, Bolsonaro já ensaiava o desejo de golpe militar e convocava apoiadores, em frases como “creio que chegou a hora, de nós, no dia 7, nos tornarmos independentes para valer” e “nunca outra oportunidade para o povo brasileiro foi tão importante ou será importante”. O dia foi um show de horrores, com xingamentos e ameaças contra autoridades do Supremo Tribunal Federal (STF) e ataques ao sistema eleitoral.

Foram gritos e mais gritos diante de um público furioso, vestido de verde e amarelo e segurando cartazes com frases bizarras como “Sou - I’m 100% Bolsonaro”, “Criminalization of Communism” e “Queremos intervenção federal” - que renderam chacota internacional.

A democracia brasileira sobreviveu naquele triste dia, porém, o medo aumentou e a marca do autoritarismo ficou ainda evidente: “Só saio preso, morto ou com vitória. Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso", gritou Bolsonaro. Não preciso escrever que as previsões deram bem errado.

No último 7 de Setembro, que celebrou o Bicentenário da Independência, o tema foi deixado de lado. Bolsonaro estava focado em tentar se reeleger, usando a data para fazer propaganda eleitoral. No palanque oficial, segurou uma bandeira verde e amarela com a frase “Brasil sem aborto, Brasil sem drogas”.

Quem estava ao seu lado? Marcelo Rebelo de Sousa, presidente de Portugal, que participou mais das verdadeiras celebrações do bicentenário do que o próprio chefe de estado brasileiro. O lugar de Marcelo no palco foi rápido, já que ele foi substituído pelo empresário Luciano Hang, conhecido como “Véio da Havan”, usando um caricato terno verde e amarelo, que renderam boas piadas por parte dos portugueses, como “um vilão de banda desenhada”.

Avenida da democracia

Neste 7 de Setembro, o clima do Brasil é outro. O país está distante de ser perfeito, mas não vive mais o temor de um golpe, tão ensaiado nesta data em anos anteriores. A celebração tem o tema "Democracia, soberania e união", justamente em uma tentativa de unificação. No discurso transmitido em rede nacional na noite de quarta-feira (6), o presidente Lula exaltou a democracia: “A independência do Brasil ainda não está terminada. Ela precisa ser construída a cada dia, por todos nós, sobre três grandes alicerces: democracia, soberania e união. Democracia é a matéria prima para a realização dos nossos sonhos” e que  “união só se faz sem ódio”.

Ainda estamos longe do cenário ideal. Mas, ao menos neste 7 de Setembro não corremos risco de um golpe de estado". Amanda Lima

 

O ministro da Justiça, Flávio Dino, usou uma boa metáfora:  “Na avenida da democracia, as pessoas podem trafegar pela faixa da esquerda ou da direita. Só não podem fechar a avenida ou descumprir as leis do trânsito de ideias e projetos. Estamos sob a mesma bandeira e celebramos o mesmo hino”, escreveu.

Os símbolos nacionais, antes de todos e depois cooptados pelo bolsonarismo, estão voltando. Na Copa do Mundo de 2022 o povo brasileiro começou a fazer as pazes com a camisa verde e amarela, um bom início. O governo tenta fazer a sua parte com um tom de conciliação, mas ainda insuficiente diante de tudo que o país viveu nos últimos anos.

Ainda existem muitos eleitores que vivem em um mundo irreal, criado com base em fake news e ódio. Basta olhar os grupos bolsonaristas nas redes sociais: notícias falsas sobre as eleições e as vacinas contra a Covid-19 (sim, ainda), prender o “Xandão”, medo do comunismo e as demais teorias da conspiração que todos já conhecemos. A campanha no momento é de “Fique em casa”, ironizando o lema da pandemia, em um boicote às comemorações deste ano.

Tudo indica que vai levar muito tempo para o país voltar ao normal. Acho que ninguém sabe uma fórmula exata (talvez os psicólogos?) para que as pessoas voltem à realidade, deixem de acreditar em fake news absurdas e regressem ao convívio democrático saudável, em que políticos se veem como adversários e não inimigos mortais. É a tal avenida da democracia, como sublinhou o ministro Dino. 

Ainda estamos longe do cenário ideal. Mas, ao menos neste 7 de Setembro não corremos risco de um golpe de estado. Nem de ver o presidente puxando pra si mesmo um coro de teor sexual. Aos poucos, o dia volta a ser de festa, um dia do Brasil e dos brasileiros. De todos.

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