O espanhol que veio a Lisboa ver Aimar e se apaixonou perdidamente pelo Benfica

19 mai 2023, 09:18
Toni Gutierrez

Chama-se Toni Gutiérrez, tem 28 anos e foi toda a vida adepto do Valencia. Até que em 2010 se deslocou à capital numa noite de dezembro, fria e chuvosa, para ver o Benfica perder. Quando voltou a Espanha sentiu que estava apanhadinho de todo, e era amor. Desde então tem acompanhado o clube por todo o lado. Esteve em Portimão e este fim de semana vem com os amigos a Lisboa celebrar o aniversário, esperando acabar a festejar no Marquês. Porque o Benfica, garante, não tem comparação. «É um sentimento que não existe em mais nenhum clube.»

Chama-se Toni Gutiérrez e nasceu há 28 anos em Valencia, no seio de uma família de valencianistas: só um avô é que fugiu à regra e se tornou adepto do Levante. Desde o berço que o futebol esteve sempre muito presente na vida de Toni Gutiérrez.

Foi amor praticamente à primeira vista, portanto.

«Sempre fui muito futeboleiro. Joguei seis anos no Levante, joguei também muitos anos no Castellón, que aqui em Espanha é um histórico, e sempre na primeira equipa do meu escalão. Até que aos 18 anos, não sei bem porquê, deixei de jogar. Lesionei-me, comecei a trabalhar e sobretudo deixei de desfrutar de jogar futebol», conta ao Maisfutebol.

«Por isso, e de repente, abandonei uma coisa que até aos 18 anos tinha sido a minha vida. Hoje arrependo-me. Aliás, arrependo-me todos os dias.»

O espanhol diz que a lesão foi na realidade uma desculpa, porque a verdadeira razão foi mental: estava cansado e já não desfrutava dos jogos como antes.

«Talvez por isso, desde os 18 anos até aqui há uns meses, nunca mais sequer toquei numa bola. Foram muitos anos sem o conseguir. Voltei a jogar futebol há uns meses com os meus amigos, mas era uma coisa que me magoava e por isso afastei-me», adianta.

«Foi o meu sonho, queria ser jogador, mas por algum motivo deixei de gostar, e em vez de lutar, desisti. Ainda hoje me arrependo. Se pudesse voltar atrás, não faria o mesmo, claro.»

O que é certo é que o afastamento dos relvados não o afastou das bancadas e foi precisamente durante este período que Toni Gutiérrez se apaixonou perdidamente. Pelo Benfica.

Tudo aconteceu à boleia de Aimar.

Adepto do Valencia por influência familiar, acabou por se tornar fã do argentino quando este se transferiu para o clube espanhol. Não sabe bem explicar porquê, mas apreciava a inteligência, o talento, a elegância. Por isso decidiu deslocar-se a Lisboa para vê-lo jogar.

«Aimar para mim é mais do que um ídolo, sou fanático do Aimar. Quando ele foi para o Benfica, eu era adepto do Valencia e em 2010 fui com os meus pais ver um jogo dele em Lisboa, contra o Schalke, que perdemos 2-1, na fase de grupos da Liga dos Campeões. Fomos só para ver o Aimar e foi um dia em que correu tudo mal. Uma noite de frio, muito chuva, o Benfica perdeu, caiu para a Liga Europa, enfim», revela.

«Não sei o que aconteceu, mas voltei para Espanha completamente apaixonado pelo Benfica. Não consigo explicar por palavras o que senti, foi como quando ficamos apanhadinhos por uma pessoa sem percebermos. É uma coisa que nos agarra sem avisar. Eu era do Valencia desde que nasci, não tinha nenhuma ligação a Lisboa ou a Portugal, mas o que senti no Estádio da Luz foi incrível. A minha paixão pelo Benfica começou no Aimar e ficou por tudo: os adeptos, a paixão, o sentimento. É fantástico o que o Benfica me faz sentir.»

Curiosamente e hoje, quando pensa em tudo o que viveu nos últimos doze anos, desde esse Benfica-Schalke de dezembro de 2010, Toni Gutiérrez lembra-se que o afeto pelo Benfica até tinha começado ligeiramente antes. Aí uns dois anos antes.

«Começou quando o Aimar assinou. Neste futebol moderno, que deseja uma Superliga Europeia, o gesto de Rui Costa de telefonar a Aimar para lhe dizer que estava a guardar a camisola 10 para ele, levou-me logo a pensar que aquele clube não era normal», frisa.

«Depois fiz uma viagem à Madeira com os meus pais e vi uma placa com a frase de Cosme Damião: ‘Eu não sou benfiquista de coração, porque esse um dia pára: sou benfiquista da alma, porque essa é eterna’. Arrepiou-me, fiquei com pele de galinha. É uma frase com muito sentimento, linda, linda. Percebi logo que o Benfica tem aquele romantismo que já é raro.»

Foi naquela noite fria e chuvosa de dezembro que tudo se precipitou, porém.

Os adeptos a cantar, o hino do Benfica, o voo da águia e o estádio coberto de encarnado tomaram-lhe conta do coração por completo.

«Os meus pais gostam de futebol e para eles vir a Portugal ver um jogo é normal. E a verdade é que acabou por ser um momento incrível, também porque no dia anterior fui ao Seixal para ver o Aimar. Não pude entrar, não me deixaram, mas subi a uma grade e quando o Aimar ia para o carro gritei: ‘Aimar, venho de Valencia’», recorda.

«Ele olhou para mim e disse-me para esperar. Quando saiu mostrou-se impressionado por eu ter vindo de tão longe e disse-me que no dia seguinte, no jogo, me ia oferecer a camisola. Ele nessa noite começou no banco, só entrou na segunda parte, e no fim jogo não me deu a camisola. Eu comecei a chorar e a minha mãe disse para esquecer e para irmos para o hotel.»

Podia pensar-se que tinha sido o fim da história, mas ainda não.

«Foi então o que o meu pai respondeu: ‘Não, vamos para o local por onde saem os jogadores, pode ser que ele nos veja e se lembre’. Então fomos para a porta da garagem, todos molhados, completamente encharcados. Aimar passou, parou, pegou num saco que tinha no banco do passageiro e deu-mo. Lá dentro tinha a camisola dele do jogo», revela.

«Nunca a lavei. Ainda tem lama seca desse dia. Foi muito especial.»

Desde então já veio várias vezes a Lisboa e já acompanhou inclusivamente a equipa ao estrangeiro. Ainda esteve no último fim de semana em Portimão, por exemplo.

«Há cinco minutos estava ao telefone com cinco pessoas a tentar arranjar bilhete para Alvalade, mas infelizmente não consegui. Acho que vai ser impossível. Vou a Lisboa, vou ver o jogo em alguma Casa do Benfica ou noutro sítio e espero depois festejar no Marquês. Na última jornada, a 28 de maio, não vou poder ir, porque é o batismo do meu sobrinho.»

Pelo caminho, Toni Gutiérrez já tentou espalhar a palavra em Espanha. Por isso já arrastou para os jogos do Benfica os pais, a antiga namorada, os colegas do atual e do antigo trabalho, e até os amigos de infância, também eles adeptos do Valencia desde o berço.

«Foram passar férias a Lisboa e quiseram comprovar se o que eu digo do Benfica é verdade. Pediram-me bilhetes, consegui que fossem ver o jogo com o Braga e ficaram impressionados. Dizem que nunca tinham visto uma coisa tão linda, uns adeptos tão apaixonados», conta.

«E atenção, aqui em Espanha o futebol é de topo, temos Real Madrid, Barcelona, At. Madrid, Valencia. Mas o sentimento que existe no Benfica, nem os tubarões têm aqui de Espanha.»

Por isso Toni Gutiérrez deixou de ser adepto do Valencia há dez anos.

Ou antes, diz que ainda gosta do clube, mas que o coração dele só tem espaço para um emblema e é o do Benfica. O fim de semana já está, nesse sentido, reservado para vir a Lisboa.

O espanhol viajou na quinta-feira e esta sexta-feira celebra o 29º aniversário na capital portuguesa. Traz uns amigos, que não quiseram deixá-lo passar o dia de anos sozinho. No domingo espera acabar a noite no Marquês, entre milhões de benfiquistas.

«Estive muito anos a sofrer sozinho, a ver o Benfica à distância, mas este ano liguei-me mais aos adeptos por causa de um tweet que fiz. Não consigo explicar esta ligação. Enviam-me mensagens, mandam-me coisas para casa, já recebi camisolas, stickers», conta.

«Um benfiquista enviou-me uma caixa com uma camisola do Eusébio, dois cachecóis, uma camisola do Chiquinho e, mais importante, uma carta: uma carta muito, muito linda, escrita com o coração, que eu li para a minha mãe e que nos deixou os dois a chorar. O Benfica não tem comparação. É uma forma de vida.»

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