Com a sua permissão, dê-nos tempo para Emma Hardy

28 abr 2023, 22:50
Fotografias da artista britânica Emma Hardy

Isto é sobre fotografia. Mas é também sobre mais do que isso: é sobre família. Portanto: é sobre a vida

As crianças a contraluz com panos que parecem folhas e no meio da natureza. A mãe e a bisavó. A filha, de rosto escondido e a mostrar apenas o pescoço. A mãe e os filhos juntos. A descrição pode parecer a de um álbum de família pessoal - e é - mas a autora não é uma qualquer recolectora de momentos para mais tarde recordar. Emma Hardy, fotógrafa, dedicou 20 anos do seu trabalho a pôr o seu olhar na família fazendo dos três filhos, e da sua casa, o tema central. 

Na frescura do piso -1 da galeria Narrativa, em Lisboa,  Emma Hardy e o fotógrafo português Mário Cruz, curador da exposição, detêm-se no título: “Permissions”, que reúne estas imagens “íntimas” e “familiares” da artista britânica. 

O nome, permissões em português, fala sobre um tema caro aos fotógrafos - a licença pedida a quem se retrata (e que tantas vezes destrói o momento). Mas há outras licenças aqui. A licença implícita que existe numa família para que todos sejam fotografados por todos. E, finalmente, a licença para fotografar com que Emma Hardy, a mãe e a fotógrafa, se foi debatendo, “algo com que muitas fotógrafas mulheres se debatem, o equilíbrio entre a domesticidade e a fotografia”. Uma certeza: “Tudo vem de um lugar muito pessoal, não tão pensado”. 

“Todos os retratos são autotretratos porque são produzidos a partir do filtro da nossa experiência”

No fundo do corredor, a fotografia de um candeeiro em tons verdes, solitário, atrai a atenção. É a primeira de todas as imagens que Mário Cruz escolheu mostrar e explica porquê: “Como a exposição se chama Permissions, queríamos que existisse uma espécie de revelação”. Aos objetos sucedem-se os corpos, os rostos e, finalmente, a família (“o ponto central da exposição”, segundo Mário Cruz).

“Façam de conta que não estou aqui.” É uma frase que Emma Hardy, de câmara em punho, disse muito aos filhos ao longo dos anos.”Eu não queria interferir, não queria controlar, queria pressionar o botão com sentimento”, conta à CNN Portugal. 

As fotografias foram sendo tiradas à velocidade da sua vida, num projeto “nunca planeado, nunca de longo prazo, nunca pensado dessa forma”, acompanhando o crescimento dos filhos (agora com 31, 28 e 26 anos) e paralelo à fotografia profissional - as publicações em revistas e jornais, de moda, de viagens, de retratos (de Tilda Swinton, Stella McCartney ou Danny Boyle). “Eu queria captar tudo, queria ter uma câmara na cabeça, era uma celebração do aqui e agora.” Quando começou, o filho mais novo tinha 8 anos. 

Foi mais ou menos com essa idade - 8 anos - que Emma Hardy tirou as primeiras fotografias e percebeu que gostava. Mas, por essa altura, e nesse tempo, “tinha de depender dos adultos para ter filme e para o revelar”. A tarefa não se afigurava fácil mas, recorda, o registo das emoções tocou-a desde sempre, diz, olhando uma fotografia 15x10 imaginária. 

“Quando já tinha idade para ir a lojas revelar filme, não estava interessada. Sempre gostei de fotografia mas durante um tempo não estive interessada.” Depois, quando tinha cerca de 30 anos, decidiu ir para a universidade e estudar. “Eu queria saber sobre fotografia, sobre as câmaras, como é que acontecia.” E começou a sua carreira.

As fotografias tiradas no ambiente doméstico da família também foram, conta Emma Hardy, “uma forma de manter a minha fotografia verdadeira”. “Às vezes tinha de esperar um pouco, outras vezes fiz dois ou três frames.” E gozava da liberdade de ter modelos que “confiam, conhecem e não estão a prestar atenção”. 

Emma Hardy explica como se percebe o tal filtro da sua experiência nestas imagens: “Procuro fazer fotografias da infância que gostava de ter tido. Sim, foi difícil. Estava sempre a querer fugir, queria uma família diferente. Só encontrava consolo na natureza e nos animais”.

A passagem do tempo mostra também como as pessoas foram sendo substituídas por objetos pessoais. Das imagens dos rapazes que brincam à foto da filha, com 20 anos, com uma luz do pôr do sol que a mãe quis captar e ela disse não baixando a cabeça. “A vulnerabilidade do pescoço tinha de ficar registada”, diz a fotógrafa, explicando que precisou de tomar aquela decisão de tirar a fotografia mesmo contra a vontade da filha. 

Se as fotos com os filhos são as mais antigas desta série, as últimas são aquelas em que já não aparecem pessoas - as flores e o candeeiro, que é a última de todas. “Este projeto, se pensar bem e embora não o tenha percebido naquele momento, termina naquele candeeiro, que foi a última coisa a sair da casa que deixámos após o fim do meu casamento.”  No dia das mudanças, o candeeiro ficou ali, solitário, no chão, no sítio onde um dia tinha estado sobre a mobília. “Esperei talvez 24 horas para tirar a foto que queria e no final levei-o para a minha nova casa. Quando quis voltar a usar o abat-jour, desfez-se.” 

“E nós escolhemos o candeeiro para abrir a exposição porque nos pareceu que era o início ou o fim de alguma coisa”, explica Mário Cruz. Antes de selecionar as fotografias, não quis saber as suas histórias. E podia nunca ter sabido deste: “O candeeiro é de Lisboa. Comprámos numa viagem que fizemos numa pequena loja de velharias”. 

 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

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A exposição de Emma Hardy, a primeira em Portugal da fotógrafa (e aberta ao público até 9 de junho), assinala o primeiro aniversário do atelier, galeria, biblioteca Narrativa (fundada em 2022 e associação cultural desde janeiro deste ano) e dá o tom a um fim de semana de iniciativas dedicadas à fotografia. Este sábado, às 10.00, há leitura de portefólios com Mário Cruz, a fotógrafa russa Katya Bogachevskaya e a exibição do documentário Garry Winogrand: All Things Are Photographable, às 21:00. Está também prevista uma masterclass  com a Emma Hardy, uma oficina de fotografia de rua com o fotógrafo José Sarmento Matos e uma conversa com Mário Cruz sobre a próxima edição da Masterclass Narrativa. Na rua Dr. Gama Barros, 60, junto à avenida de Roma, em Lisboa.

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