Médico que defende antiparasitário de piolhos contra a covid-19 recebeu 224 mil euros da farmacêutica que o produz

9 fev 2022, 07:00

Um dos médicos que mais contestou uso da vacina nas crianças e que defende o tratamento com ivermectina foi patrocinado e prestou consultoria à filial portuguesa do laboratório que produz o medicamento na Índia. "Isto é uma campanha para me calar", reage António Pedro Machado

O medicamento que costuma ser usado para os piolhos e que Jair Bolsonaro defendeu como "arma contra a covid", é também defendido por alguns médicos em Portugal, apesar de a Autoridade Nacional da Farmácia e do Medicamento (Infarmed) já ter garantido que não há dados científicos que comprovem a eficácia deste tratamento no combate ao SARS-CoV-2. 

Um desses médicos é António Pedro Machado, um dos principais promotores das cartas abertas que pediram a suspensão da vacinação das crianças. O clínico garantiu em janeiro, numa transmissão em direto numa rede social, que os estudos citados por instituições como a Organização Mundial de Saúde e a Agência Europeia do Medicamento foram “deturpados”, “forjados” e “inventados”. Entre estes estudos estão trabalhos da Lancet e da Sociedade Americana de Doenças Infecciosas, que concluem estar comprovado que não há benefícios em usar a ivermectina no tratamento do coronavírus.

António Pedro Machado, médico internista, é presidente da comissão científica e organizadora da Update em Medicina, empresa que promove conferências sobre casos e tratamentos clínicos, e que tem apoios de laboratório que desenvolveram vacinas para a covid, como a Astrazeneca e a Pfizer. 

O seu maior patrocinador em 2021, contudo, foi a farmacêutica A. Menarini Portugal, que pertence ao Menarini Group, empresa que, na Índia, produz um medicamento à base de Ivermectina (o Ivecop), utilizado para combater infeções parasíticas do trato intestinal, da pele e dos olhos.

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Ao todo, António Pedro Machado recebeu da empresa 224.184 euros desde 2014, uma parte através de patrocínios à empresa que detém e dá conferências na área da medicina, outra parte através da prestação de serviços de consultoria à filial portuguesa do grupo farmacêutico. 

Segundo a Plataforma de Comunicações - Transparência e Publicidade do Infarmed, na edição de 2021, o evento organizado por António Pedro Machado recebeu 119.802 euros da farmacêutica A. Menarini Portugal. Em 2020, este valor chegara aos 32.035,10 euros. As relações entre António Pedro Machado com a Menarini vêm de 2014, de acordo com a plataforma do Infarmed. No espaço de oito anos, o médico declarou pagamentos da farmacêutica no valor de 72 347,95 euros. Entre 2015 e 2019, Machado realizou ainda oito visitas a fábricas da Menarini na Alemanha, em Dresden (quatro vezes entre 2015 e 2017) e Berlim (quatro vezes entre 2018 e 2019). Segundo o registo na plataforma do Infarmed, António Pedro Machado recebeu um total de 14 921,83 euros com as visitas às fábricas da Menarini.

Contactado pela CNN Portugal, António Pedro Machado confirmou ter exercido funções de consultoria para a Menarini, mas recusou-se a fazer comentários sobre se o facto de ter afirmado publicamente que a ivermectina devia ser utilizada no tratamento da covid-19 constitui conflito de interesses. "Isto é uma campanha para me calar", reagiu, considerando que esta associação é “de uma desonestidade gigantesca”. Mais nada quis dizer.

António Pedro Machado não é, porém, o único que tem promovido o uso deste fármaco para combater a covid. O mesmo têm defendido outros dos signatários das duas cartas abertas que pediram a suspensão da vacinação das crianças. Segundo alegam, esta terapêutica alternativa é eficaz no tratamento precoce da covid-19.

Em artigos de jornal, conferências e diretos no Instagram, não só António Pedro Machado, mas  também José Almeida Nunes, Helena Alves, Henrique Carreira e Pedro Ferreira, todos assinantes das cartas abertas, têm defendido que a ivermectina deve ser utilizada no tratamento profilático de doentes com covid-19. Alguns garantiram mesmo ter prescrito o medicamento a utentes. 

Se entre os signatários da carta há quem partilhe com António Pedro Machado a defesa deste medicamento, outros que contestaram a vacinação pediátrica foram oradores das conferências que promove na sua empresa.

Na última edição anual do Update em Medicina, que decorreu entre 22 e 25 de abril de 2021, foram convidados como oradores Tiago Marques, Elsa Fragoso, Francisco Abecasis, Cristina Camilo e José Almeida Nunes, médicos que assinaram a carta aberta a pedir a suspensão das vacinas nas crianças e jovens.

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