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Com que então eleições, sr. primeiro-ministro

24 abr 2023, 08:54

Ficou claro ontem. O governo tomou posse há pouco mais de um ano, mas não voltará a despir o uniforme de campanha até ao final da legislatura. Estamos e estaremos em ritmo eleitoral até ao último dia do terceiro governo de António Costa, seja ele em 2026, em 2024 ou já este ano. Não sairemos disto, daqui, do comício incessante em que a política nacional se converteu. A maioria absoluta, neste momento, é mais partido do que governo, mais bandeira do que ferramenta, mais proclamação do que transformação, e essa é uma tendência dificilmente reversível. 

É aí que estamos, a meio da rampa, mas a descer. Do que se lixem as eleições para o que se dane tudo o que não forem eleições. As europeias do próximo ano, as regionais deste outono, as autárquicas do seguinte, o congresso do PS em 2025 e a decisão de Costa ir ou ficar, as presidenciais de 2026 e a sucessão a Marcelo, as diretas do PSD e o regresso ou não regresso de Passos, a dissolução do parlamento e novas legislativas antecipadas como constante possibilidade. Até à conclusão da legislatura, há mil fantasmas em cima de cem cabeças. Muitos arriscam ficar sem ela.

António Costa, cujo discurso no cinquentenário do Partido Socialista já sugeria uma plataforma eleitoral (“A direita tem a inveja no ADN!”), revelou o outdoor na entrevista de ontem a Hugo Gilberto, na televisão pública. A tática não é diferente daquela que conduziu à vitória de 2022: desdramatização sobre o país (“Diga-me lá por que acha que a legislatura não vai até ao fim?”, sem se rir) e polarização sobre os partidos (“Já tentaram com o Diabo, agora tentam com o Chega, mas por nós não passarão!”, também sem se rir).

O primeiro-ministro, que vê no partido de André Ventura uma das pedras mais difíceis para Luís Montenegro descalçar, não se fez rogado: fartou-se de falar sobre ele. Segundo Costa, o PSD de hoje “distingue-se pouco do Chega”, desvalorizando não só a recente demarcação de Montenegro como as críticas que este fez à posição do Chega sobre a visita de Lula a Portugal. Impávido, o primeiro-ministro acusou os sociais-democratas de praticarem um “vocabulário que não é institucional” nem digno de quem quer governar. Vindo do autor de célebres galhardetes parlamentares, que se dirige a deputados por “meus meninos” e que chegou a dizer a uma líder partidária que lhe responderia “quando fossem comer um peixe grelhado”, não deixa de ter graça.

Se juntarmos o néon com que Costa brinda o Chega às atualizações de pensões e às ajudas extraordinárias, é fácil detetar uma pulsão eleitoral na mensagem do primeiro-ministro. Já estamos em campanha. É indiscutível. O verdadeiramente interessante é perguntarmo-nos: porquê? Ou melhor: para quê, além do óbvio? 

É que não são só as europeias. Vai além disso. A calendarização da segunda maior tranche do PRR para esse semestre, as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril na mesma primavera, as cotoveladas ao Presidente da República ao longo do dia de ontem (“O PRR não se executa num ano”; “Por em causa os mandatos conferidos pelo povo é por em causa a democracia”) são o subtexto de uma página que será definidora para António Costa. 

Marcelo, desde que dissolveu pela primeira vez, focou-se em recuperar margem para poder repetir o gesto. Costa, desde que Marcelo garantiu dissolver se o visse rumar a Bruxelas, dedicou-se a recuperar margem para poder cumprir a ambição. É a essa luta por legitimidades que estamos a assistir. E é ela que explica a febre eleitoralista do primeiro-ministro. 

As europeias, apropriadamente, são o seu único passaporte para a Europa. Só ganhando ‒ e por muito ‒ é que Costa conseguirá que Marcelo engula a sua promessa de dissolução caso veja o primeiro-ministro partir para o Conselho Europeu. Só desfazendo o PSD (como alternativa) e insuflando o Chega (como ameaça) é que Costa tem força para ir, ficando. Isto é: para partir, deixando um herdeiro no seu lugar. Os “mandatos” que não quer que o Presidente “ponha em causa” são a maioria absoluta, depois de si próprio.

Isso, curiosamente, tem em comum com o líder da oposição. Para ambos, as europeias de 2024 disputarão muito mais do que o Parlamento Europeu. Para nós, começaram ontem. 

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