Talvez não seja consensual, mas acho que devíamos concordar todos numa coisa: protestar é um direito consagrado na Constituição; violência e desordem pública são crimes previstos na lei que devem ser punidos, por mais pura que aparente ser a causa que os motiva. Parece uma evidência, mas, claramente, ainda há, entre nós, quem recuse as evidências.
Nas últimas semanas, um grupo de jovens autodesignados ativistas do clima, decidiram que a melhor forma de protestar a favor do planeta era corroendo os pilares da democracia. Empoderados pelo espírito Greta, falsificaram identidades, infiltraram-se como criminosos num evento e atiraram tinta verde e cinzenta a um ministro. No dia seguinte, pintaram de vermelho as paredes da FIL em Lisboa onde decorria uma conferência e, na apoteose da coragem, esta semana sentaram-se no meio de uma das estradas mais movimentadas do país, “rompendo com a normalidade”, como fizeram questão de explicar para as câmaras de televisão, num misto de arrogância e vitimização, como quem vai numa estrada em contramão, mas acha que todos os outros é que estão errados.
Os meios de comunicação social fizeram o que os manifestantes desejavam: não só não ignoraram o sucedido como deram notícia de todos estes episódios fora do comum, aproveitando para relançar o debate público sobre as alterações climáticas e a urgência com que estamos todos confrontados. Estenderam-se acriticamente microfones aos jovens puros e deu-se-lhes o palco pelo qual tanto trabalharam, mesmo infringindo a lei.
Vi, ouvi e li em quase todo o lado estes jovens prometerem a pés juntos que isto é só o início, que vêm aí novas ações de protesto, atirando objetos alegadamente sem intenção de magoar, criando aquilo a que chamam “disrupção”. É como entrevistar um incendiário assumido e permitir que ele ameace em direto e para o país todo ouvir com novas ignições nos próximos tempos. É colocar um megafone na mão de criminosos para que eles possam apelar a outros. Um pré-anúncio de crimes públicos, que muitos dos mais velhos relativizam e desculpam nos seus comentários porque são jovens. Porque chega até a ser bonito ver as novas gerações embrenhadas em causas importantes para a humanidade. Que a violência dos atos não é assim tão violenta. É a irreverência própria da idade.
Acontece que podemos estar todos a brincar com o fogo.
Vamos por partes.
A crise climática é uma realidade alarmante e precisa de medidas urgentes, sem vacilos ou subterfúgios. O planeta está a morrer às mãos dos que nele habitam e não é de agora. É um problema com décadas, que se vem agravando a cada dia que passa. É um problema político que precisa de adultos na sala, independentemente da idade que tenham. Mais do que isso, o que está a acontecer ao planeta é um crime, provavelmente o mais mortal que a humanidade já viu.
Se todos podemos fazer mais e mais depressa? Talvez. Mas as alterações climáticas não se resolvem fazendo evaporar os carros, aviões e navios da face da Terra de um dia para o outro. Não se resolvem fechando inopinadamente centrais da carvão e refinarias, sem mais, como se nada fosse. E, sobretudo, não se resolvem se nos entricheirarmos nas nossas verdades absolutas, usando a ciência e as estatísticas da forma que mais nos convém.
O perigo da desinformação é real. Ouvi alguns destes jovens portugueses ativistas acusarem o Governo de não ter um plano para a transição energética. É mentira. Esse plano existe e basta perguntar ao Dr. Google. Dizem que Portugal nada tem feito para combater as alterações climáticas. É mentira. Portugal tem sido um case studie mundial nesta matéria. Culpam as energéticas portuguesas de estarem sentadas nos seus lucros poluidores sem a mínima preocupação com o clima. É uma mentira que não resiste ao mais simples dos factos: quase 70% da energia consumida em Portugal este ano, até 31 de agosto, teve origem em fontes renováveis.
E, já agora, como é que estes jovens climáticos, que destilam ódio sobre as empresas de energia, sugerem que se faça o processo de transição energética? Sem as empresas? Nacionaliza-se tudo, fecham-se os negócios poluentes do dia para a noite, mandam-se milhares para o desemprego e voltamos à idade da pedra?
Não compreender que esta tem de ser uma luta de todos e que balcanizar a discussão é retroceder pode ser muito perigoso. Nunca conheci nenhum processo de violência que não desencadeasse em ainda mais violência. E o que vi esta semana na Segunda Circular em Lisboa deixou-me verdadeiramente preocupado. O ativismo é sempre bem vindo em democracia, desde que não seja ignorante e enviesado ideologicamente. Caso contrário, não é ativismo — é estupidez.