"Sempre se colocou num pedestal, acima dos portugueses". Cavaco, o "ás de trunfo de Montenegro", tem uma lição para dar

4 dez 2023, 22:00
Luís Montenegro e Aníbal Cavaco Silva no Congresso do PSD (António Pedro Santos/Lusa)

Num artigo publicado esta segunda-feira, o ex-primeiro-ministro não poupa o Governo de António Costa e ataca aquele que se tornou o principal slogan do PS nesta campanha: as contas certas

O politólogo José Filipe Pinto considera que o artigo de opinião de Aníbal Cavaco Silva é "simultaneamente um artigo de um professor catedrático, que sente necessidade de explicar que os termos não podem ser utilizados de maneira vazia, e de um político que está em campanha". No texto, publicado no jornal Público, o ex-Presidente afirma que a ideia de “contas certas” é uma armadilha “do poder socialista para iludir os portugueses” - uma armadilha que tinha como alvo os "cidadãos não especialistas" e em que "caíram vários agentes do espaço político e mediático bem-intencionados”.

Ou seja, o também antigo primeiro-ministro critica o Governo de António Costa mas também, por arrasto, aponta o dedo a todos os que caíram na sua "armadilha". Como um professor que explica algo aos alunos, mas também com uma certa sobranceria, afirma Rui Calafate, comentador da CNN Portugal: Cavaco Silva "sempre se colocou num pedestal, acima dos portugueses e acima dos outros políticos, como se fosse algo divino. Faz parte da sua maneira de estar na política desde sempre".

Ainda assim, José Filipe Pinto considera que se trata de uma chamada de atenção necessária: "Vivemos numa fase do poder diluído, quem tem poder é quem tem tempo de antena, quem abre os telejornais. Daqui resulta um certo populismo, a criação de frases feitas - como a expressão 'contas certas'. Usa-se um termos doméstico para que as pessoas se possam relacionar e toda a gente percebe o que é. Mas um Orçamento do Estado é muito mais abrangente e complexo do que isso. Não se trata de elitismo, é a necessidade de haver na sociedade corpos com um maior conhecimento sobre determinados temas", diz à CNN Portugal.

E acrescenta: "Apela-se a uma democracia participativa, mas a verdade é que a complexidade dos problemas é tal que deixa de fora uma grande parte daqueles que chamamos a participar. A tomada de decisões implica uma complexidade que não está ao alcance da maioria das pessoas, por isso é que a participação política se reduz na maioria dos casos à participação no ato eleitoral, não é uma verdadeira participação".

Aníbal Cavaco Silva escreveu um artigo a "desmontar a falácia socialista das contas certas, uma expressão que foi criada pelo Governo de António Costa para tentar pintar de cor-de-rosa um país que é claramente mais escuro", afirma o politólogo. "A expressão contas certas carece de conteúdo cientifico. Cavaco Silva explica que é preciso rigor na utilização das expressões, não baste criar uma designação, tem de ter um conteúdo". É ainda o professor que explica quais são os objetivos de uma política orçamental. "A primeira parte do artigo é uma analise académica", diz José Filipe Pinto à CNN Portugal.

Trata-se, concorda Paulo Ferreira, comentador da CNN Portugal, de uma tentativa de "desmontar aquela que é uma das bandeiras deste Governo": "Eu diria que é uma luta tardia de Cavaco Silva e do PSD para tentar diminuir aquilo que foi uns slogan que o Governo criou e que já está enraizado: contas certas. Duas palavras simples, que não têm nenhum significado técnico, mas que têm grande valor político, sobretudo quando se trata de marketing político e, neste caso, de campanha."

No seu artigo, Cavaco Silva "ataca forte, mas é quase um exercício de bater mortos", afirma Rui Calafate, comentador da CNN Portugal. "Não é verdade que o primado das contas tenha começado com este Governo, já vem do tempo de Mário Centeno. Se Aníbal Cavaco Silva só agora descobriu o embuste das contas certas, então, demorou tempo e chegou tarde." O lado positivo, diz Rui Calafate, é que Cavaco "chama a atenção para o facto de as contas certas não bateram certo nos serviços que o Estado tem de servir aos portugueses - isso é verdade". "E também diz que há governantes incompetentes, incapazes e imorais, o que também é verdade. Só falta um pormenor: como sempre fez, Cavaco Silva tornou-se especialista em fazer ataques sem ter a coragem de dizer nomes. Todos sabemos que se refere a João Galamba, mas não o diz", comenta Calafate.

Tal como José Filipe Pinto, o comentador da CNN Portugal Paulo Ferreira explica que o artigo "tem uma primeira parte mais técnica, que só vai ser entendida por 5% ou 10% das pessoas, provavelmente economistas, sobre o conceito de contas certas, que obviamente não existe em finanças públicas, e sobre o facto do défice ou do saldo orçamental não ser um objetivo em si mesmo mas é mais uma restrição dos governos em funções. E depois tem algumas sugestões, que Cavaco Silva já tinha dado no ano passado, sobre as formas de fixar o saldo ou o superavit orçamental". Depois há uma segunda parte do artigo, "mais política e mais consensual", segundo Paulo Ferreira: "Olhamos à volta e vemos serviços públicos em decadência, urgências fechadas ou condicionadas, sabemos o que se passa na educação e na habitação, na agência da imigração, tudo isso é muito mais visível e esse tipo de argumentário político nesta altura colhe muito mais junto dos eleitores", diz. 

Nesta segunda parte, já não é o professor mas o político e ex-primeiro-ministro que escreve, sublinha José Filipe Pinto: Cavaco afirma que este "é um Governo de vistas curtas, que reduz as contas ao saldo orçamental ser positivo" e mostra como "esta imagem das contas certas foi criada apenas para esconder as fragilidades de toda a política orçamental do Governo. Refere os grandes fracassos da politica socialista - TAP, Efacec, parcerias público-privadas, o SNS e o caos nas urgências, a escola, o sistema fiscal, os baixos salários..."

Este é, pois, um artigo que ataca muito o Governo socialista e, por isso, se posiciona na oposição, lançando o mote para a campanha eleitoral do PSD. Rui Calafate recorda que "há muitos anos que Cavaco Silva se afastou do partido", mas, neste momento coloca-se ao lado do seu partido e "é um grande trunfo - o ás de trunfo - no apoio a Luís Montenegro". E "é uma voz escutada sempre - quer se goste ou não. É o homem que faz tremer o PS e foi assim mais uma vez".

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