Saída de Angola é "irrelevante" mas expõe "preocupações quanto à unidade" da OPEP

22 dez 2023, 16:15
Diamantino Azevedo (Alexander Klein/Getty Images)

Num cartel onde o poder de cada membro é medido pela sua capacidade de produção diária de crude, a saída de cena de Luanda põe a descoberto o que alguns dizem ser as crescentes cisões entre os exportadores de petróleo, ao leme da Arábia Saudita

Angola anunciou esta semana que, após 16 anos, vai abandonar a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Em causa está uma disputa sobre quotas de produção de crude, com Luanda a rejeitar os limites que a organização queria impor-lhe face à sua cada vez menor capacidade de produção.

A saída de Angola, responsável pela produção de cerca de 1,1 milhões de barris de petróleo por dia, reduz para 12 o número de países que integram a OPEP, numa altura em que o cartel luta para manter os preços do petróleo e derivados, após uma queda de 20% nos últimos três meses.

“Sentimos que Angola, neste momento, não ganha nada em continuar na organização e, na defesa dos seus interesses, decidiu sair”, disse o ministro angolano do Petróleo, Diamantino Azevedo. O país africano segue assim o exemplo de outros produtores médios petrolíferos que, na última década, também abandonaram a OPEP – Indonésia, Catar e Equador.

O anúncio, na quinta-feira, levou a uma queda de até 2,4% nos preços do crude, com analistas a indicarem que a saída de cena de Luanda levanta dúvidas sobre a estabilidade da OPEP ao leme da Arábia Saudita e da OPEP+, grupo alargado que integra a Rússia e outros aliados, responsável pelas propostas de redução das quotas de produção para 2024, que se prepara para acolher o Brasil já no início de 2024.

“Os preços caíram por causa de preocupações quanto à unidade da OPEP+ enquanto grupo, mas não há indicações de que mais pesos pesados da aliança pretendam seguir o caminho de Angola”, indica à Reuters Giovanni Staunovo, analista da UBS. Ali al-Riyami, ex-diretor de marketing do Ministério da Energia de Omã, outro dos membros da organização, concorda. “Isto mostra que não há consenso dentro da OPEP, e que já não há há algum tempo. Haverá sem dúvida consequências, mas não penso que outros [países] sigam o exemplo.”

Com a OPEP em silêncio, os receios recaem sobretudo sobre a Nigéria, outro membro africano da aliança petrolífera que tem tentado aumentar a produção. No mais recente encontro da OPEP+, em novembro, o país conseguiu quotas mais elevadas do que as inicialmente previstas, mas ainda assim abaixo das que pretendia, restringindo a sua capacidade de gerir a produção petrolífera como bem entender.

“À primeira vista, [a saída de Angola] é irrelevante, mas tem implicações mais profundas para o bloco, que vão para lá do que isto significa para o abastecimento global de crude”, escreve a Bloomberg esta sexta-feira. No imediato, contudo, quem sai a perder é Angola, onde o petróleo e o gás natural correspondem a cerca de 90% do total de exportações, uma dependência que as autoridades têm tentado reverter no rescaldo da pandemia de Covid-19 e do impacto da volatilidade dos preços petrolíferos na economia.

Dentro da OPEP, indica a agência, o poder de cada um é medido pela quantidade de barris de petróleo que produz por dia. E segundo a Agência Internacional de Energia, em novembro Angola extraiu menos 45% de barris de petróleo do que os 1,9 milhões que produzia diariamente em 2010, isto numa altura em que o país já atingiu a sua capacidade máxima de produção. Os números contrastam com os da Arábia Saudita, por exemplo, que produz cerca de 9 milhões de barris por dia, ainda longe do seu potencial de 12,5 milhões de barris diários. 

“A saída de uma nação da OPEP preocuparia os que continuam no cartel – e qualquer outra entidade atenta aos preços do petróleo – se esse país pudesse aumentar rapidamente a produção ou avançar com a exploração de novos campos de petróleo. Mas Angola não tem capacidade para fazer nem uma coisa nem outra”, escreve a Bloomberg. “Dentro ou fora da OPEP, o apogeu da indústria petrolífera angolana já passou. E como tal, a sua saída ecoa o limitado impacto de anteriores partidas. A Indonésia, o Qatar e o Equador não tiveram impacto no equilíbrio global entre procura e oferta desde que saíram da organização.”

Apesar disso, a saída angolana não só apanhou todos de surpresa, como, segundo três delegados da organização sob anonimato, veio deixar a descoberto o aparente descontentamento de muitos membros da OPEP quanto ao rumo do cartel sob a liderança saudita. Nos círculos internos, Riade é criticada por estar a tentar manter os preços do petróleo demasiado altos, na ordem dos 100 dólares por barril, o que está a alimentar rivais como os EUA e a sua indústria de fracking (fraturamento hidráulico de xisto).

“Se a OPEP continuar neste caminho, mais cedo ou mais tarde terá de reduzir ainda mais a produção, cedendo mais participação de mercado”, sublinha a Bloomberg. Como Angola pedia, alguns países que ainda integram o cartel ficariam felizes com uma baixa de preço, para entre 60 e 70 dólares por barril. Mas segundo a agência, o príncipe Abdulaziz bin Salman, ministro saudita da Energia, não só não está aberto a acolher as preocupações dos parceiros como está a “tentar intimidar até à submissão quaisquer pontos de vista dissidentes”.

Na base das querelas está também o atual contexto geoestratégico. Na sequência da invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, os preços do petróleo dispararam, atingindo mais de 120 dólares por barril em junho do ano passado. Em maio deste ano, o preço caiu para pouco mais de 70 dólares o barril, mas recentemente tem demonstrado uma tendência de subida, que pode agora agravar-se face aos ataques Houthis a embarcações no Mar Vermelho, no contexto da guerra no Médio Oriente.

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