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Deve a primeira bebida alcoólica ser em casa? A questão que divide os especialistas: "Pai não é irmão mais velho nem um porreiro"

À CNN Portugal, três dos maiores especialistas nacionais na área das dependências e consumos de álcool falam da forma como os pais devem lidar com os primeiros consumos de álcool dos filhos. A questão não é pacífica, mas todos sublinham que há um assunto que tem de ficar claro para os mais novos:"O álcool é nefasto e acarreta riscos"

O consumo de álcool entre jovens e adolescentes é um problema sério: mais de um terço dos maiores de 13 anos já consumiu bebidas alcoólicas e há registo de um aumento de casos de embriaguez, de acordo Relatório Anual do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD). E por motivos culturais, parece quase inevitável que, a certo ponto da vida, quem cresce em Portugal experiencie o sabor e os efeitos do álcool. Perante esta realidade, a CNN Portugal foi ouvir os maiores especialistas na área para perceber a forma como os pais devem lidar com os filhos no que se refere ao consumo de álcool - devem promover a iniciativa de acompanhar os filhos adolescentes com a sua primeira bebida, proibir ou retardar ao máximo?.

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A resposta não é consensual entre os especialistas e a ideia de serem os pais a de forma controlada permitirem o consumo gera até alguma controvérsia. Quem a defende alega que o principal objetivo passa por explicar aos jovens quais os efeitos e como devem reagir perante este tipo de consumo. Já os que contestam esta prática, garantem que abre espaço para a ideia de que o consumo de álcool é isento de riscos.

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A pediatra Helena Fonseca, ex-presidente e fundadora da Secção de Medicina do Adolescente, da Sociedade Portuguesa de Pediatria, admite que é defensora de que os jovens tenham o primeiro contacto com o álcool "num ambiente controlado e com a presença dos pais", defendendo que deste modo os riscos são minimizados. Ainda assim, salienta que esta iniciação deve ocorrer o mais tardiamente possível, apontando que tal não deve acontecer antes da fase da adolescência tardia, após os 16 ou 17 anos.

“Sou bastante mais adepta que possam experimentar de uma maneira mais controlada, com a presença dos pais", diz, considerando, porém, que "esse momento seja o mais retardado no tempo possível". De acordo com a especialista, "o consumo de álcool faz parte do processo de experimentação da adolescência e isso deve ser feito da maneira mais controlada possível em que não acabem a conduzir, sem estarem sob privação de sono e em que tenham ingerido alimentos”.

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"O álcool não é inocente"

Já o psiquiatra e autor do blog Mala de Prevenção, Luís Patrício faz questão de sublinhar que o  "álcool ou etanol não é inocente". O ex-diretor do Centro das Taipas - um dos mais reconhecido centros multidisciplinares com funções na área das dependências patológicas nacional - é um dos maiores especialistas em Portugal sobre o tratamento de dependências de drogas e álcool e, em entrevista à CNN Portugal, é claro: "O álcool não deve ser consumido por menores de idade, pelo facto de interferir com o normal desenvolvimento". Para o clínico, "os pais devem aprender a saber respeitar as etapas de desenvolvimento de seus filhos e não facultar álcool a menores".

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"Pai não é irmão mais velho nem um porreiro. É Pai. Os pais beneficiam em saber, ter conhecimentos, ter educação para defenderem os seus interesses sanitários e sociais", avisa Luís Patrício, explicando que  "isto significará uma enorme mudança perante os padrões culturais tradicionais e que desde há 50 anos promovem o consumo e o consumo abusivo de álcool, em todas as camadas sociais e grupos etários".

Os dados da última Sinopse Estatística do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD) mostram que um aumento gradual dos consumos entre os 13 e os 18 anos. Ou seja, quanto mais velhos ficam, mais são os jovens que, em base regular, bebem bebidas alcoólicas e o consumo por género está praticamente equiparado, apenas com ligeiras flutuações anuais. Portanto, se tem uma filha ou um filho a estatística mostra que é quase certo que um dia venha a beber álcool, mas como deve ser esse dia? Com os pais? Com amigos? Numa discoteca ou em casa? Com que bebida?

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"Uma necessidade de controlo"

Para a psicóloga clínica, Ana Catarina Nunes, do Fórum Nacional Álcool e Saúde esta questão sobre o consumo acompanhado pelos pais "é uma pergunta que vem com rasteira",  pois pode transmitir uma mensagem ambígua aos jovens. "Por um lado, podemos pensar que um contexto protegido, com a supervisão dos pais, pode até ser benéfico", começa por explicar a especialista, alertando, no entanto, que "ao mesmo tempo, podemos estar a dar a entender que é normal beber ou que o acto de consumir álcool é inócuo de riscos”.

“Imagino que haja uma necessidade de controlo: quero controlar como o meu filho se estreia no consumo de álcool. A questão é o que isto significa. É uma permissão? É um convite? São os pais que não conhecem os verdadeiros riscos? Esta é uma área cinzenta, mas certo é que há sempre risco”, refere Ana Catarina. 

De acordo com Helena Fonseca, este momento de experimentação deve ser preferencialmente "feito numa celebração ou num brinde”, sendo a "cerveja ou vinho preferível a uma bebida com grande teor alcoólico”. A médica especialista na saúde dos adolescentes esclarece, no entanto, que “não há nada escrito ou definitivo nestas matérias", salientando que cada caso é um caso. A pediatra lembra que tudo tem de ser pensado perante "o perfil do adolescente" em causa, frisando que a maturidade e traços de personalidade podem ser determinantes em todo o processo.

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Onde se fixam os limites?

Em maio, foi a própria Organização Mundial de Saúde a alertar que 13,5% das mortes de pessoas entre os 20 e 39 anos estão relacionadas com o consumo de álcool e para a elevada sofisticação do marketing digital de bebidas alcoólicas dirigido a jovens e a grandes consumidores e defendeu um reforço das regras de comercialização transfronteiriça desses produtos.

Ana Catarina lembra que, apesar de ser socialmente aceite, em última instância “o álcool é uma droga". Ou seja, trata-se de "uma substância que provoca estados alterados de consciência e tem riscos comprovados”, aponta, questionando: "Então também poderiam experimentar um cigarro de haxixe, uma ganza?”.

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Todavia, tanto a pediatra Helena Fonseca como a psicóloga Ana Catarina Nunes estão em concordância num ponto, que se aplica aos pais que tenham optado por oferecer a primeira bebida aos filhos como àqueles que tenham descoberto que o menor bebe álcool com os amigos: a necessidade do diálogo. Ana Catarina Nunes aconselha os pais a adotarem “uma postura educativa e comunicativa" em que explicam os riscos inerentes a este consumo. 

“Devem sempre chamar à atenção para o facto de o álcool ser um produto nefasto", explica a pediatra Helena Fonseca.

"Não têm de queimar etapas"

O psiquiatra Luís Patrício, por seu lado, sublinha a importância de os pais serem capazes de "dar o exemplo que educa". "Mais do que facilitar, os pais têm de aprender a ensinar os filhos e saber esperar o início de rituais, até no uso de bebida com álcool", refere o especialista em dependências, deixando um conselho bastante sensato e transversal para todos os que educam: "Não têm de queimar etapas".

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O médico recorda a tradição portuguesa e o impato no consumo de álcool e o que a ciência entretanto descobriu. "Porventura a educação que os avós ou os pais lhes deram, passou pelo consumo mais precoce. Outrora pensava-se que assim estava certo, até para bebés. Mas sabemos muito mais agora, e o agora não é o outrora. Saber mais aumenta a responsabilidade. Os pais têm de dar exemplos de Educação para a saúde e bem-estar de todos, em vez da instrução para a aberração que é a agressão precoce ao consumidor jovem feita com bebidas com álcool. O benefício da precocidade é para o comercio, indústria e para as taxas/impostos", refere Luís Patrício.

Basta uma breve pesquisa junto da DGS, SNS, SICAD, ou qualquer organização ligada à saúde internacional para se perceber que o álcool acarreta risco, que são ainda mais potenciados quando o consumidor é um adolescente. O tema é global e em 2018, o próprio diretor-geral das Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus - o rosto conhecido da luta contra a pandemia de covid-19 - realçou que “demasiadas pessoas, as suas famílias e comunidades sofrem as consequências do consumo nocivo do álcool através da violência, ferimentos, problemas de saúde mental e doenças como cancro e ataques cardíacos”, apelando a todos os estados-membros que implementassem "soluções criativas" com o objetivo de salvar vidas.

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A psicóloga Ana Catarina Nunes entende e partilha da mesma preocupação, sobretudo, nos jovens, porque tanto "o cérebro e como o fígado ainda estão em desenvolvimento até aos 21 anos". E lembra ainda que "o estado alterado de consciência também é potenciado, o que pode levar a que sejam cometidos mais comportamentos de risco como sexo desprotegido ou condução sob o efeito de álcool”.

“O álcool é uma substância com riscos, mas também é socialmente aceite e está muito ligado às celebrações e festas, até dizemos que não se pode brindar com mais nada”, explica a psicóloga Ana Catarina Nunes.

A bebedeira, a ressaca e as doenças lentas que levam anos

Helena Fonseca, antiga responsável da Sociedade Portuguesa de Pediatria, partilha que "quanto mais cedo um adolescente for exposto a qualquer tipo de substância maior será o risco de desenvolver uma dependência", realçando que neste aspeto já se "fez muito em Portugal". “Há uma importantíssima medida que é a legislação, é a medida mais poderosa", explica a pediatra, onde considera que é possível identificar "uma grande mudança" nas últimas décadas. No entanto, a especialista alerta que "agora tem de se arranjar uma maneira de se controlar o que está no papel”, em alusão aos estabelecimentos que facilitam a venda de bebidas alcoólicas a menores.

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Ana Catarina Nunes realça que este risco "é algo probabilístico que pode não se verificar em muitos casos", mas corrobora que aqueles que tem um contacto com o álcool antes dos 14 anos, têm maior probabilidade de desenvolver uma dependência alcoólica", alertando que este problema pode ter várias formas de se manifestar, desde o "consumo quando se deparam com problemas até ao próprio alcoolismo".

Em Portugal, os consumos excessivos de bebidas alcoólicas não são novidade e até têm vindo a melhorar nas últimas décadas. A a pediatra Helena Fonseca lembra, aliás, que no passado o vinho estava em muitas mesas portuguesas logo ao pequeno-almoço.“Tínhamos um grande problema com o álcool. Um enormíssimo problema em Portugal. Nas aldeias, tínhamos consumos de vinho logo ao pequeno-almoço". A especialista congratula-se por atualmente, o "consumo de vinho estar em diminuição", mas chama a atenção para o facto de "o consumo de cerveja estar no sentido inverso". "Há sempre cerveja em promoção à venda por tuta e meia”.

Luís Patrício conviveu com vários casos de dependências no Centro das Taipas e avisa que a maior parte das doenças relacionadas com o álcool surgem lentamente e podem "levar anos a instalaram-se". Só a bebedeira, alteração do estado de consciência e a ressaca acontecem de modo imediato e agudo. O psiquiatra lembra que, independentemente do que cada família opte por fazer, "a bebedeira em crianças ou jovens pode ter consequências ainda mais graves do que num adulto". E garante que o pai e a mãe têm de dar o exemplo. Presenciar a bebedeira dos pais  acarreta, diz, o grande risco para o jovem, que pode absorver"esse comportamento como normalidade" ou "querer copiar."

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