Homem que desafiou a genética durante décadas pode ser uma pista para prevenir a doença de Alzheimer

CNN , Brenda Goodman
16 mai 2023, 12:31
Alzheimer (Matt York/AP)

Quando os médicos examinaram o seu cérebro após a morte, descobriram que estava carregado de beta amilóide e tau, duas proteínas que se acumulam no cérebro de pessoas com Alzheimer. No entanto, ele também tinha uma alteração rara num gene que codifica uma proteína chamada reelina, que ajuda as células nervosas a comunicar

Os investigadores que trabalham para desvendar os segredos da doença de Alzheimer dizem ter recebido uma pista importante que poderá ajudar a proteger as pessoas em risco de contrair este tipo de demência.

Um homem que parecia destinado a desenvolver perda de memória nos seus 40 ou 50 anos, com base no historial familiar, manteve a sua função normal durante décadas mais do que deveria. Parece ter sido protegido por uma alteração genética rara que melhorou a função de uma proteína que ajuda as células nervosas a comunicar.

Os cientistas afirmam que a compreensão da forma como esta alteração genética defendeu o seu cérebro pode ajudar a prevenir a doença de Alzheimer noutras pessoas.

O homem faz parte de uma grande família de Antioquia, na Colômbia, com muitos membros que herdaram um gene mutante chamado presenilina-1 ou PSEN1. Os portadores do PSEN1 têm quase a certeza de desenvolver a doença de Alzheimer numa idade relativamente jovem.

O homem, que tinha a mutação PSEN1, acabou por desenvolver problemas de memória e de raciocínio. Foi-lhe diagnosticada uma demência ligeira aos 72 anos, tendo depois sofrido um maior declínio da memória e uma infeção. Morreu de pneumonia aos 74 anos.

Mas, segundo todas as indicações, deveria ter tido problemas de memória e de raciocínio décadas antes. Quando os médicos examinaram o seu cérebro após a morte, descobriram que estava carregado de beta amilóide e tau, duas proteínas que se acumulam no cérebro de pessoas com Alzheimer.

No entanto, ele também tinha algo a seu favor. Uma análise genética revelou que o homem tinha uma alteração rara num gene que codifica uma proteína chamada reelina, que ajuda as células nervosas a comunicar.

"Neste caso, ficou muito claro que esta variante da reelina faz com que a reelina funcione melhor", disse Joseph Arboleda-Velasquez, professor associado de oftalmologia na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, e principal autor de um novo estudo sobre este homem.

"Isso dá-nos uma grande visão", disse. "Torna muito óbvio que colocar mais reelina no cérebro pode realmente ajudar os doentes."

O estudo foi publicado nesta segunda-feira na revista Nature Medicine.

A proteína reelina melhorada parecia estar a proteger uma parte muito específica do cérebro do homem, uma área que fica atrás do nariz na base do cérebro chamada córtex entorrinal.

"Outra grande conclusão deste caso é que parece que talvez não seja necessária esta proteína em todo o cérebro", observou Arboleda-Velasquez.

O córtex entorrinal é particularmente sensível ao envelhecimento e à doença de Alzheimer. É uma área do cérebro que também envia e recebe sinais relacionados com o sentido do olfato. A perda do olfato é frequentemente um prenúncio de alterações cerebrais que conduzem a dificuldades de memória e de raciocínio.

"Por isso, quando as pessoas têm Alzheimer, a doença começa no córtex entorrinal e depois espalha-se", explicou Arboleda-Velasquez.

Esta é a segunda vez que Arboleda-Velasquez e a equipa que estuda esta família alargada encontram alguém que desafiou as suas probabilidades genéticas.

Em 2019, os cientistas relataram o caso de uma mulher que deveria ter desenvolvido Alzheimer precoce, mas, em vez disso, manteve sua memória e capacidade de raciocínio até os 70 anos. 

Ela era portadora de duas cópias de uma alteração no seu gene APOE3, que foi apelidada de mutação Christchurch. Esta parece ter diminuído a atividade da proteína APOE3. Tal como a reelina, a APOE é uma molécula de sinalização que é conhecida por desempenhar um papel na formação do risco de uma pessoa vir a sofrer de Alzheimer.

E verifica-se que existe uma ligação entre estes dois casos: os receptores da reelina nas células são os mesmos receptores da APOE.

"Por isso, estes dois doentes estão a apontar com grandes setas. Estão a dizer-nos: 'Ei, esta é a via. Esta é a via que é importante para uma proteção extrema contra a doença de Alzheimer'", defendeu Arboleda-Velasquez.

Mas a via pode não ser tão protetora para todos. A irmã do homem do novo estudo também partilhou a rara alteração genética protetora, que a ajudou, mas não tanto. De acordo com a família, ela começou a sofrer de declínio cognitivo aos 58 anos.

Arboleda-Velasquez disse que isso pode dever-se ao facto de, nas mulheres, a atividade do gene parecer diminuir com a idade, pelo que não produz tanta proteína reelina. "As mulheres podem ter a variante, mas não a expressam tanto como os homens", justificou.

A equipa de Harvard afirma que já está a trabalhar no sentido de desenvolver uma terapia com base nestas descobertas.

Richard Isaacson, neurologista da Florida Atlantic University, diz que estudos como este mostram algo importante: "Em certos casos, podemos ganhar aos nossos genes."

Significa isto que a cura está ao virar da esquina? Ainda é cedo para dizer.

"Poderemos utilizar um estudo como este para transformar e melhorar os cuidados de saúde? Espero que sim. Não diria que já lá chegámos", considerou Isaacson, que não esteve envolvido nesta investigação. "Mas penso que este é um estudo importante."

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