Esta "GigaQuinta" no deserto pode produzir três milhões de quilos de alimentos (com fotogaleria)

Rebecca Cairns
6 abr, 17:00

Como a tecnologia pode ajudar a alimentar o mundo

Em 2022, o Dubai inaugurou a maior quinta vertical do mundo. A instalação interior de 31 mil metros quadrados no Aeroporto Internacional Al Maktoum do Dubai, composta por tabuleiros empilhados em torres que cultivam plantas com o mínimo de água e solo, produz por ano mais de um milhão de quilos de folhas verdes de alta qualidade.

Mas não vai manter este título por muito tempo. Do outro lado da cidade, no apropriadamente chamado Food Tech Valley [à letra, Vale da Tecnologia de Comida], estão em curso trabalhos numa instalação ainda maior: uma "GigaQuinta" com 12 metros de altura e 83.612 metros quadrados.

O projeto GigaFarm [à letra, "GigaQuinta], supervisionado pela empresa ReFarm, fundada nos Emirados Árabes Unidos, não é apenas maior do que outras quintas verticais - também funciona de forma diferente, diz Oliver Christof, diretor executivo da Christof Global Impact, a empresa por detrás da ReFarm.

Estima-se que os sistemas alimentares sejam responsáveis por um terço das emissões globais de gases com efeito de estufa, de acordo com a ONU. O sector terrestre, incluindo a agricultura e a utilização dos solos, representa dois terços destas emissões, com a produção, incluindo os fertilizantes, a contribuir com 39% do total e a distribuição dos produtos com 29%.

Para tornar a agricultura mais ecológica, a GigaFarm planeia utilizar um conjunto de tecnologias capazes de transformar fluxos de resíduos - como restos de comida e esgotos - em produtos agrícolas como composto, alimentos para animais, água limpa e energia.

Ao aproximar as explorações agrícolas dos consumidores e ao utilizar métodos de produção mais eficientes para reduzir a utilização de fertilizantes, o sistema promete reduzir a pegada de carbono da produção alimentar, cultivando até três milhões de quilos de folhas verdes, ervas aromáticas e mudas de legumes por ano e substituindo até 1% das importações de alimentos dos EAU, afirma Christof.

"Não é apenas mais uma quinta vertical"

A solução de agricultura vertical da GigaFarm é fornecida pela IGS, uma empresa escocesa fundada em 2013.

As "torres de crescimento" da IGS - que se assemelham a um parque de estacionamento de vários andares, empilhadas com plantas em vez de veículos - são um ambiente controlado que monitoriza e regula cuidadosamente a frequência e a quantidade de água e fertilizantes.

Utilizando um sistema de hidroponia, cada tabuleiro cultiva plantas utilizando um substrato, como composto orgânico ou fibras de coco, em vez de solo, e tiras de luz LED sob cada tabuleiro fornecem luz solar sintética. Os sensores, incluindo câmaras, monitorizam o crescimento das plantas e as torres podem gerir automaticamente os níveis de luz, temperatura, humidade, água e nutrientes.

Com alturas que variam entre os seis e os 12 metros, as torres são modulares, o que as torna fáceis de fazer ganhar escala, afirma Andrew Lloyd, Diretor Executivo da IGS. "Se colocarmos 200 delas num só local, temos uma GigaFarm".

As vigas em ziguezague seguram dezenas de tabuleiros, que podem ser deslocados entre torres. Cada módulo da torre é revestido com painéis de espuma espessa e isolante que mantêm o interior cuidadosamente climatizado.

"Quando o ar entra, a humidade e a temperatura estão sob controlo, o nível de reposição é incrivelmente pequeno", afirma Lloyd.

A agricultura vertical oferece uma série de vantagens em relação à agricultura convencional, incluindo um crescimento mais rápido das culturas, reduzindo a utilização de água até 98% e ocupando muito menos espaço. Além disso, as quintas verticais podem ser construídas em locais onde o solo se degradou e não é utilizável para a agricultura tradicional, e as quintas de interior não estão limitadas pelas estações do ano e pelo clima.

Mas também há desvantagens. A tecnologia e a infraestrutura inteligentes representam um enorme investimento inicial e os elevados custos de funcionamento das explorações, em grande parte constituídos pelas facturas de eletricidade das luzes LED, têm levado muitas empresas a enfrentar dificuldades.

Uma série recente de fracassos financeiros de alto nível no sector - incluindo a Fifth Season e a AppHarvest, que declararam falência no ano passado - destaca a dificuldade de competir com os baixos custos da agricultura convencional. Em 2023, a empresa americana de agricultura vertical AeroFarms abriu uma instalação de investigação e desenvolvimento com seis mil metros quadrados em Abu Dhabi, a maior do género no mundo, mas pouco depois a empresa declarou falência e reestruturou-se.

Para que uma quinta vertical seja sustentável, tanto financeira como ambientalmente, é necessário integrar fluxos de resíduos e energia renovável, diz Lloyd - que é exatamente o que a ReFarm planeia fazer.

As torres de crescimento utilizam hidroponia e luzes LED para cultivar plantas dentro de casa. Foto Soluções de Crescimento Inteligente (IGS)

A quinta será alimentada com energia produzida a partir da incineração dos seus resíduos sólidos, enquanto a água será fornecida por uma tecnologia baseada em insectos. As larvas da mosca-soldado negra alimentam-se dos resíduos alimentares e, no final do seu ciclo de crescimento, são transformadas em alimentos para animais com elevado teor de proteínas, sendo a água e o composto os subprodutos. A GigaFarm espera reciclar 50.000 toneladas métricas de restos de comida por ano, e a água gerada por este processo é suficiente para "fazer funcionar 100% da quinta vertical", diz Christof, enquanto o composto orgânico será utilizado como substrato para as plantas.

A ração animal é um dos vários produtos agrícolas que a ReFarm planeia fabricar nas instalações e vender a explorações agrícolas. Também está a ser produzido um biofertilizante que, segundo a ReFarm, reduz a aplicação de fertilizantes em 50%, e um intensificador de solos que pode restaurar "solos ou areias empobrecidos" para absorver melhor a água, os microrganismos e os fertilizantes, diz Christof. A instalação também processará as águas residuais, removendo o amoníaco para reutilização em fertilizantes.

Ao utilizar a GigaFarm para cultivar sementes para as 38.000 explorações agrícolas operacionais dos EAU - muitas das quais utilizam hidroponia ou estufas de alta tecnologia - Lloyd afirma que a ReFarm pode ir além de "arranhar a superfície" do problema e "fazer realmente mossa" na segurança alimentar.

"Esta não é apenas mais uma quinta vertical, é algo completamente diferente", afirma Lloyd, acrescentando que o modelo de reciclagem pode ser aplicado a qualquer área urbana.

"Onde quer que os seres humanos estejam, encontrarão resíduos. Podemos pegar nos resíduos e transformá-los em valor, quer esse valor seja os alimentos que estamos a cultivar, quer seja a substituição de produtos intensivos em hidrocarbonetos, como os biofertilizantes", afirma Lloyd. "Temos de o fazer, caso contrário, vamos ficar sem planeta".

Fornecimento de alimentos à prova do clima

A agritech está a tornar-se cada vez mais importante à medida que as alterações climáticas ameaçam a segurança alimentar.

Os Emirados Árabes Unidos importam mais de 85% dos alimentos que consomem, o que os torna vulneráveis a interrupções na cadeia de abastecimento - algo que a nação experimentou durante a pandemia de Covid-19 e o início da Guerra Ucrânia-Rússia, diz Rohit Sharma, investigador de doutoramento em cadeias de abastecimento na Universidade de Wollongong, no Dubai.

O governo dos Emirados está ansioso por diversificar os fluxos de rendimento da nação, afastando-se da indústria petroquímica para sectores mais ecológicos, como as energias renováveis, os transportes sustentáveis e a tecnologia agrícola, o que cria oportunidades e apoio governamental a empresas inovadoras como a ReFarm, afirma Sharma.

A segurança alimentar foi o tema central da conferência sobre o clima COP28, realizada no Dubai no ano passado, e os consumidores também estão a bordo: os compradores nos Emirados Árabes Unidos estão mais conscientes das "milhas alimentares" e das emissões de carbono associadas à distância percorrida pelos alimentos, diz Sharma, apontando para supermercados como o Carrefour no Dubai, que lançou uma mini quinta hidropónica em 2022 para os clientes colherem os seus próprios produtos na loja.

E não são apenas os Emirados Árabes Unidos que estão interessados na agricultura vertical: o Catar está a investir fortemente na agricultura inteligente e as empresas de tecnologia agrícola estão a expandir-se para a Arábia Saudita. A pesquisa de Sharma indica que o valor do sector atingirá 6,22 mil milhões de dólares até 2030 no Médio Oriente e em África, à medida que as preocupações com a segurança alimentar na região aumentam e as populações urbanas continuam a crescer.

No entanto, será necessária mais uma década para que se assista a uma adoção generalizada da agricultura vertical e é necessária mais investigação para aumentar o número de culturas que podem ser cultivadas, acrescenta Sharma.

O projeto GigaFarm, no valor de 1,2 mil milhões de dirhams (326,7 milhões de dólares, ou 300 milhões de euros), será iniciado ainda este ano e deverá estar totalmente operacional em 2026.

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