Scholz dá prioridade ao Japão na primeira viagem à Ásia

28 abr 2022, 07:03

Chanceler alemão encontra-se hoje com o primeiro-ministro japonês. A guerra na Ucrânia, a crescente ameaça chinesa no Indo-Pacífico e a próxima cimeira do G7 serão os principais temas das conversações. Ficou para trás o tempo em que a prioridade de Berlim na Ásia era apenas a China

Durante o longo consulado de Angela Merkel, não havia qualquer dúvida sobre qual a prioridade alemã na Ásia: era a China. A aposta económica na segunda maior economia global acabou por ser complementada por uma aposta política - a anterior chanceler fez mais visitas à China do que a qualquer outro país da região, incluindo o Japão, apesar de este país integrar, tal como a Alemanha, o G7, o grupo das sete economias mais avançadas do mundo. Esta quinta-feira, Olaf Scholz assinala que a prioridade de Berlim na Ásia pode ter mudado: para a sua primeira viagem à Ásia desde que é chanceler, Scholz escolheu como destino Tóquio, e não Pequim.

Scholz arranca esta quinta-feira uma visita de dois dias ao Japão, que inclui esta tarde uma reunião com o seu homólogo nipónico, Fumio Kishida. A viagem incluirá também um discurso num evento empresarial.

A visita será dominada pela situação no Leste da Europa: como continuar a ajudar a Ucrânia e retaliar contra Moscovo para penalizar a invasão russa do país vizinho. A coordenação de esforços no âmbito do G7 será outro tema em agenda, conforme se aproxima a próxima cimeira dos Sete Grandes, marcada para a Alemanha, que atualmente preside a este grupo. Mas também o relacionamento com a China será uma prioridade nas conversas bilaterais, tendo em conta não apenas a ambiguidade chinesa face à guerra na Ucrânia, mas também os crescentes desafios de segurança colocados pela ascensão de Pequim enquanto super-potência económica, mas também militar.

“Sinal de solidariedade”

Depois de mais de uma década em que a aposta nas relações comerciais com a China se sobrepôs a outras considerações de Berlim face à Ásia, a Alemanha tem reavaliado essa proximidade - seja por causa das violações de direitos humanos na China, seja pelas preocupações de segurança que Pequim tem levantado um pouco por todo o Indo-Pacífico. A Alemanha parece estar a atribuir mais importância ao avanço da cooperação em matéria de segurança com o Japão, e a visita de Scholz será um sintoma dessa reponderação. 

Na semana passada, um porta-voz do governo de Berlim descreveu esta visita como um importante “sinal de solidariedade” entre os dois países.

Muitos analistas têm apontado as similitudes entre os dois países na atual conjuntura internacional: a guerra na Ucrânia trouxe uma reavaliação das prioridades de defesa em ambas as capitais, e a decisão de canalizar mais verbas para as respetivas forças armadas. Por outro lado, ambos os países têm sido bastante vocais na condenação da agressão russa e têm dado passos inéditos no apoio a um país em guerra, enviando para a Ucrânia, para além de outro tipo de ajuda, algum material militar - no caso do Japão, apenas equipamento militar não letal, e no caso da Alemanha incluindo mesmo algum armamento ofensivo. Apesar de ser acusada por alguns aliados de estar a arrastar demasiado as decisões de envio de equipamento pesado para a Ucrânia, o anúncio de que a Alemanha o fará é, só por si, um mais um passo histórico impulsionado por este conflito.

Para além destas coincidências, ambos os países têm uma forte dependência externa no plano energético, com a Rússia a desempenhar um papel importante nas respetivas importações de petróleo, gás e carvão. Ambos os países prometem reduzir e eliminar essa dependência em relação à energia exportada por Moscovo.

Ontem, o primeiro-ministro nipónico reafirmou que o seu país deixará de importar carvão da Rússia, e apontou a energia nuclear como a resposta às necessidades do país. Após o acidente de Fukushima, em 2011, o Japão encerrou a grande maioria das suas centrais nucleares - apenas um terço está atualmente em funcionamento. O país já tinha um plano a vários anos para reativar essa rede, mas Kishida admitiu ontem que é altura de acelerar esse processo, tendo em conta a escalada dos preços dos combustíveis fósseis, e a incerteza dos fornecimentos oriundos da Rússia.

As ameças russas ao Japão…

O Japão tem sido uma espécie de ponta de lança das democracias no Indo-Pacífico, e a guerra na Ucrânia tornou a voz de Tóquio bastante mais assertiva no plano diplomático. Um facto que não será alheio às consequências que a situação no Leste da Europa poderá ter na Ásia. Desde o início, a invasão da Rússia foi olhada como uma espécie de balão de ensaio para uma eventual ação militar de Pequim contra Taiwan, para forçar a reintegração da ilha rebelde na República Popular da China. A frente internacional contra a Rússia, incluindo sanções económicas inéditas de dezenas de países, foi desde o primeiro momento apoiada, incentivada e seguida pelo Japão.

Esse protagonismo têm tido custos. Ainda ontem, Moscovo expulsou oito diplomatas japoneses, em retaliação por uma atitude semelhante dos nipónicos, após ter sido revelado o massacre de Bucha. E logo em março, o Kremlin interrompeu unilateralmente as conversações que decorriam há anos para um tratado de paz que resolvesse o conflito fronteiriço relacionado com quatro ilhas que os dois países reivindicam - as Ilhas Curilhas (ou Territórios do Norte, na designação japonesa), que os russos ocuparam após a II Guerra Mundial.

E esta semana o Kremlin ameaçou retaliar contra o Japão por causa dos exercícios navais conjuntos que costuma desenvolver com a Marinha dos EUA. O vice-ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Igor Morgulov, afirmou na terça-feira que os exercícios navais EUA-Japão são "de natureza potencialmente ofensiva", segundo um relatório da agência noticiosa estatal russa RIA-Novosti, publicado na terça-feira. "Vemos tais ações do lado japonês como uma ameaça à segurança do nosso país", disse Morgulov. "Se tais práticas se expandirem, a Rússia tomará medidas de retaliação no interesse de reforçar as suas capacidades de defesa".

…e a agressividade chinesa

Apesar de as relações russo-nipónicas estarem no pior momento desde a II Guerra Mundial, Tóquio tem persistido nas sanções a Moscovo e no apoio à Ucrânia - esta semana, Kishida falou pela quarta vez ao telefone com Volodimir Zelensky e prometeu um novo pacote de ajuda, no valor de 300 milhões de dólares.

Com esta atitude, o governo de Tóquio esperará receber também o apoio do Ocidente - e em particular dos seus parceiros do G7 - face à atitude cada vez mais agressiva da China em relação aos países vizinhos.

Ainda ontem, o Ministério da Defesa do Japão denunciou que um navio da Marinha de guerra chinesa entrou em águas territoriais nipónicas na passada terça-feira. E têm sido mais comuns, nos últimos anos, incursões semelhantes de embarcações da Armada chinesa. Os dois países têm um conflito territorial por causa das Ilhas Senkaku, um conjunto de ilhas, no sul do Japão, cuja soberania é exercida por Tóquio, mas é reclamada por Pequim.

Ásia

Mais Ásia

Mais Lidas

Patrocinados