Este aeroporto em Florença vai ter uma vinha na cobertura. Para quê?

CNN , Arya Jyothi
24 mar, 11:00
Aeroporto com vinha em Florença (Rafael Viñoly Architects)

Projeto tem preocupações ambientais e quer servir de exemplo a outros aeroportos em todo o mundo

Do arranha-céus “Walkie Talkie” em Londres ao Aeroporto Internacional de Carrasco no Uruguai, o portefólio do gabinete de arquitetura nova-iorquino Rafael Viñoly Architects conta com centenas de projetos nos cinco continentes. O último, anunciado em janeiro, será o novo terminal internacional do Aeroporto Amerigo Vespucci em Florença, capital da região italiana da Toscana.

Segundo a empresa, a estrutura servirá “como um novo marco para o futuro sustentável da cidade” e como uma homenagem ao património vitivinícola da região, contando com uma vinha na cobertura.

“O conceito do edifício é recriar a mais marcante paisagem da Toscana, que é a vinha – criando uma encosta a partir do chão numa das extremidades, com o aeroporto por baixo”, afirmou Róman Viñoly, diretor da Rafael Viñoly Architects.

Com a conclusão prevista em duas fases, para 2026 e 2035, Viñoly destaca que a sustentabilidade está no coração da nova estrutura, classificando-a como uma “responsabilidade moral de quem queira construir seja o que for”.

O setor da construção e o ambiente construído são responsáveis por 40% das emissões globais de carbono. E cerca de 2,5% de todas as emissões são produzidas pela aviação comercial. Os esforços para reduzir este impacto têm-se concentrado na inovação do combustível para as aeronaves, incluindo combustível produzido a partir de óleo alimentar ou mesmo de esgotos. Contudo, este novo projeto foca a atenção na operação e na construção do próprio aeroporto.

Vinhas e painéis solares

A principal atração deste projeto, a vinha com cerca de quatro hectares, funciona como um telhado verde inclinado. Várias pesquisas têm mostrado que pode ter benefícios em termos ambientais, incluindo no isolamento do edifício. Além da sua inclinação, a cobertura terá outros fatores pensados para a eficiência energética.

“A cobertura não começa logo na parte inferior onde está o chão”, diz Viñoly. “O primeiro terço do comprimento do edifício é uma berma [monte] feita de terra”.

O responsável explica que serão utilizadas serpentinas de troca térmica para transportar o calor da berma para o edifício e vice-versa, dependendo da estação.

Segundo os arquitetos, o novo terminal com 50 mil metros quadros será capaz de receber mais de 5,9 milhões de passageiros internacionais por ano (Rafael Viñoly Architects)

“No verão, quando é preciso refrescar o interior do edifício, enviamos o calor para aquela massa de terra”, diz. “Mantém a temperatura de forma muito eficaz por muito tempo. E quando chegar o inverno, e for preciso aquecer o interior, é possível fazer a troca de calor novamente, retirando o calor do solo e colocando-o no terminal”.

Entrelaçada na estrutura, inclusive entre as filas de videiras, estará uma combinação de painéis solares e painéis fotovoltaicos translúcidos, que Viñoly diz serem importantes para reduzir o uso de energia ao longo do dia e criar um “contacto visual” entre os passageiros dentro do edifício e a vinha.

Contudo, quando os passageiros olharem para cima, não conseguirão ver uvas. Segundo Viñoly, devido ao risco de danos por objetos estranhos aos motores das aeronaves, a cobertura será coberta com pés de vinhas que não dão frutos. Em vez disso, os frutos vão ser cultivados e crescer na camada de terra da berma – uma decisão que não foi tomada de ânimo leve.

“Fizemos muita pesquisa e consultas junto de vinicultores e engenheiros agrícolas”, diz Viñoly. “O edifício está a cerca de 500 metros da aeronave mais próxima. Então, devido à separação física, estamos confiantes de que potenciais poluentes que possam existir à volta da aeronave estão longe o suficiente para não terem impacto na qualidade do vinho produzido”.

Ainda não há certezas sobre o local onde o vinho será produzido - nem por quem será produzido. Segundo Viñoly, o projeto prevê um local de produção de vinho debaixo da cobertura, mas tal ainda não está confirmado. Nem o enólogo foi escolhido pelo aeroporto.

Uma mudança verde para a aviação

O projeto será inovador nos seus elementos sustentáveis, acredita Filippo Weber, membro da organização sem fins lucrativos Climate Network e fundador do gabinete de arquitetura sustentável Weber Architects, em Itália, sem relação com este projeto. Mas questiona se foi dado mais destaque ao aspeto da vinha do que aos seus traços sustentáveis.

A vinha com quase quatro hectares será parcialmente visível na cobertura do edifício, como mostra esta imagem de projeto. Irá ajudar a isolar o edifício deste novo terminal e a controlar o escoamento da água da chuva, segundo os arquitetos (Rafael Viñoly Architects)

Além da possível elevada utilização de água pela vinha, diz Weber, “as vinhas não são verdes durante todo o ano, o que reduz o seu potencial para compensar as emissões de carbono pelo consumo de energia do edifício”.

No que respeita aos painéis fotovoltaicos, Weber junta que aqueles que forem colocados entre as filas de videiras podem não ser suficientes, existindo o risco de serem ofuscados pela própria vinha.

Apesar de Weber considerar o uso de uma berma para as trocas de calor como uma “estratégia interessante”, realça que não há informação suficiente para avaliar a sua eficácia e avisa que “podem surgir dúvidas se uma camada tão rasa de terra será capaz de armazenar energia suficiente para fazer trocas com um edifício com um forte consumo energético”.

Em última análise, os aeroportos mais ecológicos não terão um impacto significativo na compensação das emissões da aviação. A necessidade mais importante e urgente passa por reduzir as emissões dos próprios aviões. E embora as companhias aéreas tenham prometido atingir a meta das zero emissões de gases com efeito de estufa até 2050, a indústria ainda não está no caminho certo para atingir essa meta.

Contudo, Viñoly espera que o projeto incentive os aeroportos de todo o mundo a levar a sustentabilidade mais a sério e a reconhecer “que [os aeroportos] não são simplesmente locais de transição, mas também destinos em si”.

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