Pensei que me tinham partido o coração em Paris. Mas depois a minha vida mudou completamente

CNN , Demi Perera
9 mar, 12:00
A escritora Demi Perera viajou para Paris em 2011 para se encontrar com o seu então namorado. Alexander Spatari/Moment RF/Getty Images

Abril, outono, meia-noite; tudo soa melhor em Paris. A única cidade do mundo que atrai mais de 30 milhões de pessoas todos os anos aos seus monumentos, associando-os a uma única emoção: o amor.

No entanto, durante muito tempo, a simples menção de Paris despertava em mim sentimentos de tristeza e humilhação, porque tinham partido o meu coração sob a Torre Eiffel.

Quase uma década depois, finalmente fiz algo para mudar isso.

Viajei de Londres para Paris, numa tarde de abril de 2011, para passar um fim de semana de três dias com o meu namorado, que vivia na cidade.

Os nossos planos eram simples: visitar os locais turísticos, passear ao longo do Sena e comer no maior número possível de restaurantes. A Torre Eiffel estava no topo da minha lista de visitas desde que, aos nove anos, a minha mãe me ofereceu uma recordação deste marco histórico da sua viagem à cidade.

Quando saí da estação de metro, o sol primaveril acariciou-me o rosto. O meu coração acelerou de excitação e nervosismo, enquanto caminhava para encontrar o meu namorado no nosso ponto de encontro: a Torre Eiffel.

Apesar de ser a minha primeira viagem, tudo me parecia estranhamente familiar, devido a fotografias e filmes. Os cafés em cada esquina eram tão movimentados como colmeias de abelhas. Os empregados entravam e saíam apressadamente, vestidos com coletes pretos e aventais brancos, os cabelos cuidadosamente penteados para trás mal se mexiam enquanto equilibravam as bandejas com mestria.

Fiquei a olhar pela janela, tentando perceber o que dizia o menu num quadro de ardósia. Quando me virei, o trânsito tinha parado e as pessoas atravessavam a rua em uníssono. Para onde quer que olhasse, era como se tivesse subido a um palco durante um espetáculo.

"Vou gostar de estar aqui", pensei.

O meu namorado tinha passado parte do ano em Paris, em trabalho, e conhecia bastante bem a cidade. Planeávamos passar juntos o fim de semana prolongado antes de regressar novamente a Londres. 

"Encontramo-nos às 15 horas na estrada em direção à Torre Eiffel. Eu abrando e tu entras no carro. Terás o rio atrás de ti." Estas foram as instruções que me enviou por SMS.

Numa época antes de toda a gente confiar no Google Maps, as direções pareciam simples. Embora ele não mencionasse nomes de estradas, parecia suficientemente simples para que eu não perguntasse mais nada.

A ficar sem tempo

Tinha começado o dia cedo, para fazer a travessia do porto inglês de Dover até Calais, na costa noroeste francesa. De Calais, mais três horas de viagem de comboio.

Cheguei com uma hora de antecedência e caminhei sem rumo por Paris até que, de repente, avistei a Torre Eiffel, que espreitava por cima do horizonte e soltei um grito de emoção. Hipnotizada, caminhei na sua direção e pareceu-me mais alta, larga e grandiosa do que jamais havia imaginado. Era exatamente igual à lembrança da Torre Eiffel da minha mãe.

Como se aproximava a hora de me encontrar com o meu namorado, pus-me a caminho para encontrar a estrada "em direção à Torre Eiffel". Depois de 20 minutos a dar voltas, não encontrava nada que correspondesse à descrição.

A única estrada em direção à torre era a Pont d'Iéna sobre o Sena. Todas as outras vias principais corriam paralelas a ela. Frustrada e a ficar sem tempo, voltei em direção ao Sena. Peguei no meu telemóvel e deparei-me com uma mensagem de texto furiosa. 

"Onde estás?! Não acredito que não estás aqui!"

O que se seguiu foi uma troca de mensagens que expôs os problemas da nossa relação que eu sabia que existiam, mas que esperava que fossem esquecidos em Paris.

Mas nem a Cidade do Amor nos podia ajudar.

"Não encontro a estrada", respondi por SMS.

"Não posso acreditar! As instruções eram simples."

"Não sei a que estrada te referes. Não sei onde é suposto eu estar."

"Diz-me onde estás."

"Estou em frente à Torre Eiffel, com o rio à minha frente."

"Não era aí que tinhas de te encontrar comigo."

Esta caótica troca de mensagens continuou por mais alguns minutos, até que o vi a caminhar na minha direção. Começara a chuviscar. O sol escondia-se atrás das nuvens e eu sentia a roupa húmida contra a minha pele.

"Dei-te uma instrução simples! Tudo o que tinhas de fazer era esperar por mim ali", indignou-se, acenando com as mãos na direção oposta.

"Podemos esquecer isso agora?", perguntei, com a voz embargada pela frustração.

"Não, não podemos esquecer! Tinha flores para ti. Atirei-as para o caixote do lixo!"

Lágrimas junto à torre

Demi Perera evitou Paris durante anos depois de ter tido um desgosto de amor

Magoada, cansada e desolada com as suas palavras de raiva, desatei a chorar. Ele foi-se embora zangado, sem me dirigir uma única palavra de conforto, enquanto eu chorava no meio de Paris.

Fomos amigos durante cinco anos antes de começarmos uma relação amorosa. Como tive uma educação muito reservada, a sua atitude descontraída em relação à vida era, para mim, extremamente atraente. Admirava a sua espontaneidade sem me aperceber da sua natureza imprudente.

Enquanto chorava, pensava nas inúmeras vezes em que lhe tinha falado entusiasticamente que queria ver a Torre Eiffel desde que me lembrava. Enquanto ele esteve fora, também trocámos longos e-mails e mensagens de texto sobre as memórias felizes que iríamos criar juntos em Paris.

Mas naquele momento, toda a raiva e discussões da relação desabavam sobre mim de uma só vez e eu senti-me presa ao chão. Não conseguia mexer-me. Este momento de desilusão mudaria tudo, porque com ele veio um presente inestimável: uma clarividência gritante.

Em vez de o seguir até ao carro, como ele esperava, virei costas e caminhei lentamente em direção à estação de metro, à chuva.

Queria sair de Paris.

Nunca estivera tão certa de uma decisão. O metro levou-me à Gare du Nord e comprei um bilhete Eurostar para Londres, que me custou o triplo do que tinha pago para lá chegar. Agora vejo que valeu cada cêntimo para colocar uma grande distância entre nós.

Enquanto esperava pelo comboio, recebi uma avalanche de SMS:

"Onde estás?!" 

"Se te voltares a perder, não te vou buscar!"

"Estou a voltar para casa de carro!"

Ignorei tudo. Não queria saber o que o tinha deixado tão zangado, como fazia sempre. O que eu esperava que fosse um belo momento de reencontro, debaixo da Torre Eiffel, acabou com a nossa relação. Regressei a Londres e nunca mais o contactei, nem tentei recuperar as coisas que tinha deixado em casa dele. Cortei todos os laços, incluindo os amigos comuns.

Durante vários anos, qualquer menção a Paris me aterrorizava.

Não me atrevia a contar a ninguém que, ao contrário de outras pessoas que se tinham apaixonado ou sido pedidas em casamento em Paris, a mim tinham partido o coração.

Era uma história demasiado triste para repetir. As imagens da Torre Eiffel já não me lembravam o presente da minha mãe, causavam-me pânico.

Regresso feliz

Anos mais tarde, quando as as redes sociais fervilhavam e as mais bonitas fotos de Paris enchiam o meu feed, respondia em silêncio na minha cabeça: "Não é para mim". Sentia pela cidade o mesmo que sentia pelo meu ex, não era um lugar onde quisesse voltar.

Demoraria uma década até conseguir pensar em voltar, mas finalmente decidi que estava na hora de curar a minha relação com Paris.

Comecei a planear o meu regresso. Reservei um bilhete de comboio em classe executiva a partir de Londres. Quando recebi a confirmação no meu telemóvel, soube que estava comprometida com uma viagem que há muito se impunha.

Na manhã da viagem, cheguei à estação de Londres e entrei no comboio com centenas de outros turistas e franceses que regressavam a casa.

Na estação Gare du Nord, o destino final, o meu transfer levou-me pelas ruas de Paris. Avistei a Torre Eiffel enquanto passávamos pelo Sena e só consegui sorrir.

No banco de trás do carro, senti-me tão emocionada como da primeira vez que a vi.

O meu hotel era um clássico de Paris - uma entrada em mármore e detalhes dourados. Do meu quarto, conseguia ver a Torre Eiffel através de todas as janelas, até da casa de banho. Fui para o terraço e toda a cidade se estendia à minha volta, como um tapete desdobrado para inspeção.

Sussurrei para mim mesma: "Estou de volta".

Nos três dias que se seguiram, andei por todo o lado. Aproveitei todas as oportunidades para me sentar em esplanadas, saborear vinho e contemplar a paisagem parisiense.

Li durante horas sentada na relva do Jardim das Tulherias, comi bolos de padarias locais ao pequeno-almoço e deliciei-me com sopa em restaurantes com estrelas Michelin. Nesta cidade, onde observar as pessoas era um estilo de vida, eu era apenas mais uma estranha a passear sozinha; ninguém pestanejava.

Respirava mais fundo a cada passo e compreendia por que Paris é a cidade mais visitada do mundo.

As pessoas podem vir aqui por diferentes razões, mas cada vez que voltei desde então foi pela forma como Paris me faz sentir.

Há uma conexão e fluidez em tudo o que acontece aqui. As pastelarias 'Instagramáveis' existem para servir as pessoas, os residentes espreitam pelas altas janelas para as bonitas ruas em baixo, mesmo quando não há câmaras apontadas para eles, o Metro leva-nos a qualquer lugar e a Torre Eiffel vigia tudo.

Nada disto está desconectado do resto, nem é concebido para os turistas ou encenado para atrair visitantes. O que sinto ao caminhar é o pulsar do coração da experiência francesa.

Na última noite do meu fim de semana a solo, sentei-me no terraço do meu hotel com a Torre Eiffel à minha frente, com as luzes acesas ao redor da sua bela arquitetura do século XIX.

E percebi que talvez não me tenham partido o coração aqui. O que Paris me deu, há muitos anos, foi o maior momento de lucidez que mudou o rumo da minha vida.

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