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Colunista e comentador

Mesmo com VAR, a arbitragem em Portugal continua prisioneira das dependências que gerou

5 dez 2023, 12:53

Rui Santos confessa-se preocupado com o tipo de erros observados, mais uma vez, na jornada 12 da Liga. E diz que, se o VAR não consegue cumprir totalmente a sua função, é porque outros valores se levantam, falsificando a competição. Parem para pensar: por que razão os clubes quiseram um ex-árbitro (Pedro Proença) a decidir os seus destinos?…

Mais erros graves de videoarbitragem, desta vez dos videoárbitros, Rui Costa e Fábio Melo, respectivamente no Famalicão-FC Porto e Moreirense-Benfica, com efeitos impossíveis de determinar nessas partidas e na luta pelo título…

…E também no Sporting-Gil Vicente, com o VAR Luís Ferreira a tentar descortinar uma falta de Gyökeres no segundo golo dos ‘leões’ (onde estava a letra do protocolo quando sugere intervenção em situações de erro “claro e óbvio”?), obrigando o árbitro Cláudio Pereira a não seguir a recomendação e a tirar, mais à frente, Coates do jogo de Guimarães (nesta situação, o VAR nada podia fazer) , ao mostrar um cartão amarelo sem nenhum tipo de sentido.
 
Um dia destes os protagonistas estarão de novo na sala de VAR da Cidade do Futebol — e o dano não será reparado. 
 
Os clubes (quando são beneficiados) calam-se, como aconteceu com o FC Porto em Famalicão e os que são prejudicados — como aconteceu com o Benfica em Moreira de Cónegos — fazem newsletters ou metem Schmidt ao barulho.
 
É pobre. É tudo muito pobre, porque todos os ‘grandes’ já foram beneficiados e prejudicados, embora só queiram ver aplicada a lei de talião quando não fazem o suficiente para justificar melhor resultado.
 
É caso para dizer: “daqui não saio, daqui nem me tira”. E isto é dramático, porque ninguém quer ver o óbvio e agir em conformidade.
 
Durante muitos anos, o futebol em Portugal esteve condicionado e foi adulterado em muitos dos seus resultados porque a arbitragem não tinha a menor independência e não cumpria a sua nobre função de reguladora do jogo.
 
Há provas que todos conhecem a partir das quais se pôde apurar que os clubes, em Portugal, competiam por capturar os árbitros e os nomeadores.
 
Daqui a um mês, precisamente, completam-se 14 anos sobre o momento em que apresentámos uma petição na Assembleia República a favor da introdução das novas tecnologias no futebol em Portugal.
 
Conseguimos sensibilizar um conjunto de instituições (nomeadamente Benfica, Sporting e SC Braga; FPF, Liga e Associações de classe) e ainda figuras relevantes  do futebol português entre atletas, treinadores, dirigentes e público em geral.
 
Compreenderão por isso que este é um tema que me é caro e pelo qual lutámos muito, em nome da verdade desportiva.
 
É elementar compreender que dominar ou controlar a arbitragem significa ter domínio ou controlo sobre o jogo — e isso não é admissível, porque isso quer dizer… falsificar a competição.
 
Ninguém pode querer isso, ninguém pode aceitar isso.
 
A propósito, em Espanha está em curso uma investigação ( o chamado caso Negreira) a partir da qual se pretende provar que o Barcelona fez pagamentos ao então vice-presidente do Comité de Arbitragem espanhol, José Maria Negreira, também antigo árbitro, por conta de serviços prestados ao clube catalão, a envolver o actual e ex-presidentes do Barcelona. Estamos a falar de valores acima de 7M€ e a investigação continua, havendo indiciação de crimes de suborno e corrupção desportiva, entre outros.
 
 
Entendo que a arbitragem não tem sido devidamente levada a sério e, em Portugal, apesar da evolução, ainda acontecem coisas muito estranhas, nomeadamente a partir do ambiente que rodeia o sector da arbitragem, ao qual não são alheias as ameaças que nestes últimos anos ainda continuam a realizar-se, perante efervescências que passam e  silêncios inaceitáveis.
 
Não tenhamos reservas: a arbitragem continua a precisar de enorme escrutínio para que se eliminem todo o tipo de suspeitas.
 
Nenhum clube pode deter ou ambicionar deter o controlo da arbitragem e é um sinal preocupante que a proposta feita pela FPF, através do seu Conselho de Arbitragem, no sentido da criação de uma empresa a partir da qual o sector passaria a funcionar com maior grau de independência, tenha sido vetada pelos Clubes, com o argumento de que não tinha sido suficientemente debatida.
 
Não ponho em causa a boa-fé do actual nomeador, José Fontelas Gomes, a quem tem sido dado o benefício da dúvida dos clubes, com elogios de seriedade que são públicos, mas conhecendo o ambiente e as dinâmicas subjacentes ao exercício de nomear, muitas vezes no seguimento de reuniões pedidas pelos próprios clubes em momentos de maior contestação (um enorme erro!), continuo a percepcionar que  ainda há um grau de influência dos clubes na gestão dessas nomeações, sejam de árbitros ou videoárbitros.
 
 
O que aconteceu, nomeadamente, em Famalicão, num lance assinalado como erro crasso por quase todos os analistas, quando Eustáquio cometeu uma grande penalidade claríssima, aqui ou na China, não é aceitável. É um erro demasiado grosseiro (cometido pelo VAR, Rui Costa), como é um erro grosseiro o VAR Fábio Melo não ter recomendado expulsar Marcelo numa entrada duríssima sobre Kokçü, no começo da segunda parte do Moreirense-Benfica.
 
No âmbito do VAR está a existir demasiada tolerância.
 
Para os árbitros se sentirem livres de decidir de acordo com as leis do jogo, é preciso eliminar, nos estádios ou fora deles, todo o tipo de pressões ou ameaças que sofrem em Portugal, nomeadamente por figuras que agem a coberto da organização das claques.
 
Isso não está garantido em Portugal e enquanto essas figuras merecerem de um apoio absurdo dos seus clubes ou da passividade das hierarquias do futebol é preciso dizer que o rei vai nu. Por isso, enquanto não se limpar esse factor de coação e condicionamento, só vislumbraria um caminho: pedir à UEFA que, face a este quadro específico vivido em Portugal, disponibilize árbitros estrangeiros para dirigir os jogos em que estejam envolvidos Benfica, FC Porto, Sporting e SC Braga.
 
Seria um acto de coragem, mas o sector não quer perder nem os benefícios económicos, nem as mordomias, nem o protagonismo que esta actividade lhe dá, com erros mais ou menos graves. E os clubes calam-se porque acham que, neste jogo de pressões, têm sempre algo a ganhar. E a arbitragem não devia alimentar este jogo de compensações, jornada a jornada, visível ou invisivelmente.

Resta de facto este “jogo”, iníquo e semanal, de compensações atrás de compensações, em que é preciso calar aqueles que fazem mais barulho com nomeações susceptíveis de amansar as ferocidades, às quais se juntam decisões no campo ou na sala do VAR que fazem mal à verdade desportiva mas que alimentam esse desejo de acalmar a contabilidade dos prejuízos e dos benefícios, sendo que há sempre um momento em que não se podem fazer mais acertos nessa contabilidade.

Parem para pensar: por que razão os clubes quiseram um ex-árbitro (Pedro Proença) a decidir os seus destinos?
  
E é também por isso que o futebol - e não apenas em Portugal -, entre os milhões declarados e os não declarados, continua a estar, cada vez mais, entre a falência e a prisão. 

Ninguém quer saber disso?

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