"O meu filho está vivo? Onde está?" Famílias russas desesperam por notícias dos filhos na guerra

9 mar 2022, 12:56
Soldados russos à chegada aos exercícios militares na Bielorrússia (Foto: Ministério da Defesa da Rússia via Getty Images)

Mães dos soldados russos garantem que os filhos não se envolveram no conflito com a Ucrânia de livre vontade e que os jovens, pouco preparados para o combate, foram levados para exercícios militares sem saberem que Putin queria partir para a agressão. Muitas não falam com os filhos desde o início da invasão

"Um mar de lágrimas". É assim que Svetlana Golub, presidente do Comité das Mães de Soldados da Rússia, uma organização não governamental que defende os direitos dos militares, descreve as centenas de chamadas que recebe diariamente das mães, mulheres e outros familiares dos soldados russos que procuram saber do paradeiro dos seus entes queridos. 

Ao jornal britânico The Guardian, Golub conta que as famílias dos que lutam na Ucrânia em nome da Federação Russa não receberam qualquer informação sobre o envolvimento dos soldados no conflito. "Não faziam ideia de que uma operação militar especial estava prestes a acontecer", revela. "São deixados completamente no escuro".

A ONG que Svetlana Golub dirige tem uma base de dados própria, à qual recorre para tentar localizar os soldados, pedindo informação às autoridades sobre as suas deslocações em unidades militares. Na Rússia, os homens entre os 18 e os 27 anos são obrigados a cumprir um ano de serviço militar, a não ser que consigam dispensa por estarem a estudar ou terem crianças a seu cargo. E muitos foram surpreendidos quando, chamados para exercícios militares, se viram envolvidos num conflito armado. 

"Está a tornar-se claro que Putin só disse aos altos funcionários sobre a invasão. Os soldados parecem desconhecer completamente qual é a missão deles na Ucrânia", disse ao Guardian Rob Lee, especialista no exército russo.

"O meu filho está vivo?"

"Oito em dez chamadas que recebemos colocam a mesma questão: 'O meu filho está vivo? Onde está?'", diz Andrey Kurochkin, vice-presidente da associação das mães de soldados russos, ao The Washington Post. O comité formou-se na sequência da brutalidade do tratamento recebido pelos soldados da Rússia nos conflitos no Afeganistão e Chechénia e denuncia agora que muitas tropas russas foram forçadas a assinar contratos para combaterem na Ucrânia durante a recruta. 

Terá sido o caso de Nikita, garante a avó Marina - ambos os nomes são fictícios - à BBC. Nos primeiros dias de serviço militar obrigatório, foi contactado por representantes das unidades militares, que procuraram "convencê-lo" a assinar um contrato para estender o período de serviço militar e assim receber um salário. Apesar dos parcos rendimentos, Nikita tornou-se motorista num batalhão de infantaria mecanizado. 

A meio de fevereiro passado, disse à avó que ia para a fronteira da Ucrânia com a Bielorrússia para a "vigiar", mas que não deveria demorar a regressar a casa. Enviou a última mensagem à avó no dia 23 de fevereiro, dizendo que estava num concerto. Marina tem a certeza que ele não sabia que ia ser chamado a combater em solo ucraniano. "Ele disse, exercícios, mais exercícios, depois volto para casa". O mesmo pensaram muitos outros soldados russos, apurou a BBC, o que poderá explicar as dificuldades das tropas de Vladimir Putin, impreparadas e com falta de experiência no terreno. 

A estação britânia relata ainda o caso de Galina, que só percebeu que o filho Nikolai estava na Ucrânia quando a irmã lhe enviou a fotografia dele partilhada no Facebook pelas forças armadas ucranianas, que anunciavam que era um dos prisioneiros de guerra. "O meu filho não foi para a Ucrânia de livre vontade", garante a mãe. "Para ser honesta, não compreendo para que é isto tudo. No nosso país, há quem não tenha nada para comer. Não compreendo qualquer guerra ou ação militar", disse Galina à BBC. "A que porta tenho de bater para ter o meu filho de volta?", acrescentou a russa. 

Soldados são "carne para canhão"

A forte propaganda russa tem impedido maior revolta com a situação dos jovens soldados e também manifestações públicas de desagrado para com a invasão decidida pelo Kremlin: tudo que Moscovo considerar informações falsas sobre a "ação militar" na Ucrânia pode ser punido com penas até 15 anos de prisão.  

Mas a Ucrânia concebeu a sua própria campanha de propaganda, procurando levantar sentimentos antiguerra nos russos: abriu uma linha telefónica à qual chamou "Procura pelos teus", que funciona desde o terceiro dia da invasão russa, e começou a difundir nas redes sociais fotografias e vídeos de soldados russos abatidos em combate ou que foram feitos prisioneiros de guerra, incentivando os familiares a entrar em contacto.

"É o nosso gesto de boa vontade para com as mães russas", disse então Oleksiy Arestovych, conselheiro presidencial. "Nós, o povo ucraniano, ao contrário dos fascistas de Putin, não fazemos guerra com as mães e os seus filhos capturados", lia-se numa publicação na página do Facebook do Ministério do Interior ucraniano. O governo de Kiev chegou mesmo a anunciar que entregaria os soldados capturados às mães, desde que estas fossem buscá-los à capital da Ucrânia.

A CNN teve acesso exclusivo à gravação de algumas chamadas feitas precisamente para esta linha telefónica de apoio às famílias. "É aqui que consigo saber se uma pessoa está viva?", pergunta alguém. Com Moscovo a controlar as comunicações, percebe-se pelas perguntas e pelo tom de voz de quem liga que os soldados russos não tinham qualquer indicação de que estavam prestes a entrar na guerra. À CNN, a psicóloga que gere a linha telefónica - e que não revelou a identidade por razões de segurança - explicou que o objetivo principal é ajudar os familiares a localizarem os soldados mortos em combate mas também "ajudar a parar a guerra no geral". 

Desde que foi aberta, esta linha tem recebido chamadas de forma contínua: desde o dia 24 de fevereiro já foram mais de 6.000 telefonemas, a maioria com origem na Rússia mas também da Europa e até dos Estados Unidos. 

A CNN chegou à fala com uma das pessoas que entrou em contacto a partir do Estado norte-americano da Virginia, que diz ter visto o documento de identificação do primo num canal do Telegram ligado ao governo ucraniano - um canal que também divulga informação sobre soldados russos mortos, feridos ou capturados por Kiev, partilhando imagens de passaportes, nomes e informações das unidades militares. "Sabemos que todos os sinais apontam para que ele tenha sido provavelmente morto em combate, mas estamos a tentar recolher informação sobre o local onde o corpo pode ser encontrado. Ou talvez, com esperança, ele esteja vivo", diz o homem.

Foi a família na Rússia que pediu ao emigrante nos EUA para telefonar, temendo represálias das autoridades na cidade de Ufa, onde vivem, por estarem à procura do filho. "A família está a tentar não ser contactada por ninguém porque todos têm muito medo na Rússia. Todos têm medo de falar, todos têm medo das autoridades a monitorizá-los", acrescentou.

Vladimir Putin, por sua vez, já se dirigiu diretamente às mães dos soldados russos em combate na Ucrânia: "Sei como estão preocupadas", disse o presidente russo, procurando apaziguar os ânimos. Mas não tem conseguido: imagens divulgadas no início da semana pelo britânico The Telegraph - e que não pudemos verificar de forma independente - parecem mostrar mulheres russas que acusam o regime de Putin de usar os seus filhos como carne para canhão, interrompendo mesmo uma intervenção de Sergey Tsivilev, governador da região de Kuzbass, na Sibéria. "Fomos todos enganados. Foram enviados como carne para canhão", ouve-se da assistência. "São novos. Não estavam preparados".

 

Em resposta, o governador tenta justificar a operação militar de Putin, mas não é bem sucedido. "Os nossos filhos foram usados?!", dirá uma das manifestantes. 

Segundo o Telegraph, só na segunda-feira, dia em que foram divulgadas as imagens da interrupção ao governador de Kuzbass, foram detidas na Rússia cerca de 4.500 pessoas em protestos antiguerra, ainda que não seja conhecido o destino das mães que confrontaram Tsivilev, acusando-o a ele e a Putin de mentir. 

O Ministério da Defesa russo admitiu baixas quatro dias após o início da guerra e, na semana passada, revelou a morte de 498 soldados. Já o governo ucraniano, em dados divulgados esta quarta-feira, garante que já morreram mais de 12 mil soldados russos. "Os cálculos são complicados pela alta intensidade das hostilidades", refere uma publicação do Ministério da Defesa da Ucrânia. 

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