Afinal, a contraofensiva ucraniana já começou ou as forças de Kiev ainda só estão a 'apalpar terreno'?

CNN Portugal , BCE
6 jun 2023, 10:25
Lançador de foguetes múltiplos ucraniano dispara sobre as posições russas em Bakhmut (Getty Images)

Os majores-generais Agostinho Costa e Isidro de Morais Pereira analisam os mais recentes desenvolvimentos no teatro de operações da Ucrânia, numa altura em que muitos denotam uma alteração da postura das forças de Kiev. Será isto um sinal de que a contraofensiva já começou?

Nos últimos meses, muito se tem falado de uma eventual contraofensiva ucraniana com potencial de mudar o esquema na frente de combate com a Rússia. Do lado do Ministério da Defesa russo não há dúvidas: a Ucrânia já começou uma ofensiva de larga escala. Até os EUA têm vindo a indicar um aumento do número de ataques ucranianos nas últimas semanas. Mas, do lado de Kiev, a posição não é tão clara. Aliás, ainda há um mês, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, admitiu que precisava de "mais tempo" para preparar a contraofensiva, receando perder "muitos combatentes" caso avançasse na altura.

Na perspetiva do major-general Agostinho Costa, porém, já há indicadores que permitem concluir que "a contraofensiva [ucraniana] já está em curso", tendo em conta, desde logo, "as ações ucranianas e russas em toda a dimensão da linha da frente", nomeadamente em cinco regiões em concreto: Zaporizhzhia, Kupiansk, Belgorod, Lyman e Bakhmut.

Mas é em Zaporizhzhia que decorre neste momento a "principal ação ucraniana", pelo menos "para já". É que a Ucrânia tem agora "nove brigadas que foram armadas, equipadas, treinadas e preparadas pela NATO" e ainda só empregou duas, precisamente em Zaporizhzhia, indica o especialista em estratégia militar.

Já o major-general Isidro de Morais Pereira não aplica o termo 'contraofensiva', mas diz ser "absolutamente inegável" que a "Ucrânia alterou a sua postura" recentemente, passando de uma atuação mais defensiva para o que os militares comummente designam como uma "operação de moldagem do campo de batalha". 

"Durante praticamente todo o inverno, a postura ucraniana foi claramente defensiva, sobretudo na frente leste, onde decorreram os principais combates, em Bakhmut. Até porque estava anunciada uma grande ofensiva russa durante o inverno", recorda Isidro de Morais Pereira, em declarações à CNN Portugal.

Só que "não aconteceu rigorosamente nada", diz. "A Rússia fez uns pequenos avanços, umas vitórias pírricas, e há uns tempos temos verificado um conjunto de ações, que nós designamos na terminologia militar por operações de moldagem do campo de batalha, que têm ido muito além do que é habitual", argumenta o especialista em estratégia militar.

Na prática, explica, tratam-se de "ações de caráter convencional no teatro de operações", isto é, na frente de combates na Ucrânia, e, em simultâneo, "ações de sabotagem" em Moscovo, nomeadamente em "nós ferroviários e em locais de armazenamento de combustíveis". E isto "não apenas na Rússia, mas também nos territórios ocupados, como a Crimeia ou a faixa sul de Zaporizhzhia", indica Isidro de Morais.

Ora, este tipo de operações evidencia "uma mudança de postura" das forças ucranianas, argumenta o major-general. "Estão a tentar novamente adquirir a iniciativa no campo de batalha e encontrar o ponto fraco" das tropas de Moscovo, apalpando terreno de modo a "ver onde as forças russas oferecem menos resistência para aí desferir o golpe mais decisivo da contraofensiva".

Mas a contraofensiva propriamente dita, a decorrer, só acontece no verão, antecipa Isidro de Morais Pereira: "Só nessa altura estão criadas as condições mínimas para que pudesse ter sucesso, nomeadamente a solidez do terreno (o terreno tinha de estar seco, para que as viaturas possam abrir em formações de combate), e a chegada dos materiais ocidentais, que se atrasou de alguma forma. Os últimos carros de combate que foram prometidos acabaram de chegar no fim do mês de maio."

Sobre a relutância ucraniana em admitir que está efetivamente a lançar a tão aguardada contraofensiva, o major-general Agostinho Costa indica que tal não passa de uma "estratégia" para dissuadir as forças russas. "Faz parte. Se a Ucrânia disser o que vai fazer, amanhã os russos estão lá à espera", observa.

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