"Lobos solitários", falta de militares e ciberataques "maciços": as fragilidades de Portugal perante o risco de terrorismo na Europa

18 out 2023, 07:00
PSP

Numa altura em que o Sistema de Segurança Interna já avançou com o reforço da segurança em sinagogas e instalações diplomáticas, especialistas destacam as maiores ameaças para Portugal

Ataques cibernéticos maciços “sem prevenção possível”, “lobos solitários imprevisíveis” como aqueles que foram responsáveis pelos atentados na Bélgica e França e uma falta “crónica” de efetivos militares que pode dificultar a execução do plano de emergência que existe para situações de terrorismo em Portugal. Estas são as principais fragilidades identificadas pelos analistas militares e especialistas em segurança interna, numa altura em que o Sistema de Segurança Interna já avançou com o reforço da segurança em escolas judaicas, sinagogas e instalações diplomáticas. 

Nuno Mateus-Coelho, especialista em cibersegurança e professor na Universidade Lusófona, avisa que o risco para Portugal e para os países parceiros de Israel é “hoje maior depois de os grupos de hackers Killnet e Anonymous Sudan terem declarado apoio ao Hamas”. 

O Killnet, um grupo com ligações ao Kremlin que, desde o início da guerra na Ucrânia, tem sido responsável por ataques significativos aos serviços de inteligência alemães, à Microsoft e ao Twitter declarou no Telegram, dois dias depois do ataque do Hamas a Israel, que "os sistemas governamentais israelitas seriam sujeitos a ataques", porque "em 2022, Israel apoiou o regime terrorista da Ucrânia e traiu a Rússia".

Por sua vez, o Anonymous Sudan, composto por piratas informáticos assumidamente com motivações religiosas e políticas declarou esta semana o seu apoio à "resistência palestiniana" e assumiu a autoria de ciberataques que bloquearam durante largas horas a versão online do jornal israelita Jerusalem Post.

A qualquer momento, afirma Nuno Mateus-Coelho, “podem virar-se para um dos parceiros Israel, como Portugal” e lançar um “ataque maciço”. “Não há prevenção possível”, explica o especialista, porque “a ofensiva é distribuída por ataques vindos de várias nações ao mesmo tempo”.

Para além disso, afirma, as consequências deste tipo de ataques são longas. “Demoramos meses a repor os serviços após ataques informáticos”, acrescenta, sublinhando que “ainda está por resolver na totalidade os efeitos do ciberataque ao Serviço de Saúde da Madeira” em agosto deste ano.

Na mesma linha, continua este especialista, a prevenção deste tipo de ataques é dificultada pela falta de investimento em equipamento informático e formação nos serviços do Estado, o que os torna mais vulneráveis. “Os pontos de acesso de rede são na maior parte muito antigos, com mais de sete anos e incapazes de resistir a tentativas de intrusão e, a nível de procedimentos, não há cursos obrigatórios para funcionários fazerem cumprir com a segurança informática”.

 

Outra das grandes ameaças, segundo vários  especialistas em segurança interna, é a imprevisibilidade de ataques de “lobos solitários”, um fenómeno observado no atentado em Bruxelas esta segunda-feira que resultou na morte de duas pessoas e em França, há cinco dias, com a morte de um professor às mãos de um homem sinalizado por suspeitas de radicalização islamista.

“São o maior problema porque as motivações são individuais e o processo de ação também não é controlado, não é previamente denunciado, e, portanto não há planeamento, não há organização e acontece apenas em função de um processo de radicalização”, afirma António Rodrigues, anterior membro do Conselho de Fiscalização dos Serviços de Informações da República Portuguesa, destacando que, “ não se sabe quando, não se sabe quem, não se sabe porquê e de repente alguém pode pegar numa faca e atacar”.

Também José Manuel Anes, fundador e antigo presidente do Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo (OSCOT), considera este fenómeno um dos grandes perigos atuais, destacando que a "imprevisibilidade" de um "lobo solitário" é "muito mais difícil de controlar do que membros de um grupo terrorista que podem ser controlados pelos serviços de segurança, sobretudo através da partilha de informações com outros países limítrofes, nomeadamente Marrocos, Espanha e França".

Este especialista salienta que o grau desta ameaça está dependente do que se irá passar nos próximos tempos. Isto é, poder refletir a reação militar israelita na Faixa de Gaza. “Tudo vai depender do que se passar em Israel, porque o ataque a Gaza vai, naturalmente, ser um ataque muito violento e terá repercussões em Portugal, em forma de manifestações” e “essas manifestações podem descambar em ataques a interesses israelitas”.

Após os ataques em França e na Bélgica as autoridades destes países convocarem as Forças Armadas para apoiarem as polícias. O Major-General João Vieira Borges garante que desde 2020 que Portugal tem um plano semelhantes que podem ser colocados em prática perante ameaças de terrorismo “em que o grau de risco é mais elevado e é necessário um empenhamento dos militares para auxiliarem as forças de segurança”.

A responsabilidade e coordenação deste plano é dividida pelo Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e pelo Chefe do Estado-Maior-General d​as Forças Armadas, mas o plano prevê apenas funções de auxílio aos militares.

“Ficou definido que podem apoiar a patrulha das polícias, mas também podem intervir no caso de as autoridades não terem capacidade de desminagem, ou mesmo ser convocado o laboratório militar para realizar a descontaminação em caso de ataques com armas químicas”, explica o Major-General.

No entanto, afirma o Tenente-General José Eduardo Garcia Leandro, este plano “pode ser posto em causa” pela “grave falta de efetivos” e pelo “desinvestimento estrutural que as Forças Armadas têm vindo a sofrer”. Isto, explica, numa altura em que “a guerra já não se trava em campos de batalhas, mas nas cidades contra a população” . Segundo o militar, os últimos atentados vividos em Bruxelas e Paris mostram como a Europa está hoje perante um “risco muito elevado” de novos ataques.

Também o Tenente-Coronel António Costa Mota, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas, alerta para a “grave” falta de efetivos nas Forças Armadas que contam hoje “com menos de 30% abaixo do mínimo que deveriam ter para cumprir as obrigações” e reitera que, no caso “limite desse plano ser ativado”, “seria necessário empenhar tudo o que há, levando ao limite a capacidade dos militares e colocando em causa qualquer missão que não envolva o salvamento de vidas”.

Mais polícias nas escolas judaicas, sinagogas e instalações diplomáticas

Perante os ataques dos últimos dias em Bruxelas e Paris, e num momento em que se instalou um conflito entre Israel e o Hamas, o gabinete do Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna (SSI) já decidiu aumentar o nível de alerta e reforçar a vigilância policial em escolas judaicas, sinagogas e instalações diplomáticas, como noticiou a CNN Portugal. Ao mesmo tempo, o SSI admite que “pode haver situações que resultam do agravamento e expansão do conflito”.  Outras medidas estarão a ser analisadas por outros organismos, nomeadamente pelos serviços secretos, como o SIS e o SIED.
 
Para isso, os vários organismos contam com informações sobre ameaças internas que recebem tanto de órgãos internacionais, como da Europol, da Eurojust e da agência Frontex, como a partir do contacto com os polícias e das denúncias recebidas pelas comunidades israelitas e islâmicas do País, explicou à CNN Portugal um antigo ministro da Administração Interna.  Aliás, há “um centro de prevenção de atentados terroristas que reúne todos os serviços de informações da União Europeia” com quem Portugal mantém uma linha de contacto para “troca de informações”, “saber qual é o nível da ameaça” e “ver quais são as medidas que são mais aconselháveis à escala portuguesa”, acrescenta o antigo governante.

É perante a avaliação desta ameaça que o primeiro-ministro pode decidir convocar o Conselho Superior de Segurança Interna, um órgão consultivo que junta o atual ministro da Administração Interna, representantes das diversas forças de segurança, dois deputados da Assembleia da República e o Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna, Paulo Vizeu Pinheiro.

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