"Cerberus": há uma onda de calor a afetar quase toda a Europa e podem ser batidos recordes. E em Portugal?

13 jul 2023, 18:00

Aqui ao lado, na Estremadura, registaram-se 60 graus à superfície. Em Itália teme-se que o recorde europeu possa ser batido

Em Itália morreu uma pessoa e várias sentiram-se mal, em Espanha registaram-se temperaturas de 60 graus à superfície e na Europa Central bateram-se recordes em várias estações meteorológicas. Há uma onda de calor com um nome de uma criatura mitológica que está a afetar grande parte da Europa, mas Portugal parece estar a passar ao lado.

O Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) confirmou à CNN Portugal que o fenómeno chegou a Portugal, mas não foi suficiente para declarar uma onda de calor, ainda que as temperaturas tenham aumentado nos últimos dias. No dia 10 de julho houve nove estações meteorológicas a atingirem ou a passarem os 40 graus, naquilo que os meteorologistas dizem ter sido um efeito de uma frente anticiclónica que está a afetar quase toda a Europa.

Portugal até registou valores acima de média em alguns dias, mas isso não chegou para se declarar uma onda de calor. O meteorologista do IPMA Pedro Sousa explica à CNN Portugal que os países têm diferentes formas de medir o que é uma onda de calor, ainda que na génese os parâmetros sejam semelhantes. "Não temos nenhum registo de onda de calor e não vamos ter nos próximos dias", garante o especialista.

Em Reguengos, por exemplo, a temperatura máxima chegou aos 41,7 graus no dia 10 de julho, ultrapassando em cinco graus o valor diário no período de referência. Ora, como nota Pedro Sousa, uma onda de calor só é declarada em Portugal quando isso acontece por seis dias consecutivos.

"Continua a acontecer uma crista anticiclónica desde o norte de África até ao norte da Europa, mas afetou Portugal de forma marginal", sublinha o meteorologista, dizendo que a parte este da Península Ibérica foi mais afetada.

Aqui ao lado, em Espanha, o mapa de calor valeu a “imagem do dia” da Direção-Geral para a Indústria de Defesa e Espaço da Comissão Europeia, com a influência do anticiclone "Cerberus", como foi nomeado pela Sociedade Meteorológica Italiana, a fazer-se sentir em várias cidades - Madrid ou Sevilha já chegaram a temperaturas de 46 e 47 graus, respetivamente. Uma imagem que dá conta de como a região da Estremadura registou 60 graus à superfície (diferente do valor de temperatura do ar, referência meteorológica, e que é medido a cerca de 1,5 metros acima do solo), um valor que não terá andado longe do registado em algumas localidades fronteiriças dos distritos de Beja e de Évora, a julgar pela fotografia tirada pelo conjunto de satélites Sentinel 3, que faz parte do Copérnico, o serviço europeu de observação da Terra.

Apesar de o mapa ter especial foco na Estremadura, foi mais a norte e a este que se bateram recordes em Espanha. De acordo com os dados da Agência Estatal de Meteorologia (AEMET) a Base Aérea de Albacete bateu o recorde histórico, alcançando 42,9 graus de temperatura do ar.

A AEMET já tinha emitido um "aviso especial" por causa da onda de calor, a segunda a afetar Espanha este verão. "As temperaturas serão muito altas durante os próximos dias em várias zonas do país", pode ler-se no aviso, que falava num atenuar da situação a partir desta quinta-feira, ainda que "o ambiente continue muito quente".

A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla original) lembra que o aquecimento das superfícies vai ser amplificado pelo El Niño, o que pode "afetar a produção de alimentos, a disponibilidade de água e a saúde" dos cidadãos.

Ao contrário do que é feito pelos institutos meteorológicos como o IPMA, os dados do satélite Sentinel 3 medem a quantidade real de energia irradiada da Terra, o que reflete a temperatura da superfície terrestre. Os mapas partilhados pela ESA mostram a temperatura real da superfície da terra, significativamente mais quente que a do ar, que é a utilizada nas medições meteorológicas.

Os cientistas utilizam esta medição para perceber e antecipar melhor os fenómenos climáticos, incluindo a monitorização de incêndios.

Itália a combater um bicho de três cabeças

A onda de calor começa agora a abater-se sobre Itália, onde já houve cidades a registarem temperaturas de 45 graus. As autoridades italianas deram mesmo o nome de "Cerberus" ao anticiclone que se abate sobre o continente, aludindo para uma criatura mitológica que guardava a entrada no reino dos mortos, não deixando que ninguém voltasse para trás. Na Grécia chamaram-lhe Cléon.

A situação é de tal forma grave que as autoridades italianas alertaram para a possibilidade de mortes, o que se veio a verificar em Lodi, no norte, depois de um trabalhador da área da construção ter morrido no hospital após colapsar ao calor. Um caso que levou o deputado Nicola Fratoianni a pedir mais regras para proteger os trabalhadores durante estas situações.

"Estamos a enfrentar uma onda anormal de calor a níveis insuportáveis. Talvez devamos tomar todas as precauções nas horas mais quentes para evitar que tragédias como a de Lodi aconteçam", escreveu, na rede social Twitter.

Turistas refrescam-se numa das principais praças de Roma (Stefano Montesi/Getty Images)

Mais a sul também houve problemas: na capital Roma vários turistas sentiram-se mal com o calor, incluindo um turista britânico que desmaiou em frente ao Coliseu, de acordo com o chefe da Proteção Civil local.

Nos próximos dias as temperaturas devem mesmo chegar perto dos 48 graus nas ilhas da Sicília e da Sardenha, o que aproxima os termómetros dos máximos registados. Em 2021, na cidade italiana de Floridia foram registados 48,8 graus. Esse ainda é o recorde de temperatura máxima no continente, mas o "Cerberus" ameaça passar o valor.

Pela mesma altura foram batidos recordes em vários locais da Europa Central: a cidade de Bludenz registou o segundo dia mais quente de sempre na Áustria, com 37,7 graus, enquanto Balzers, no Liechtenstein, bateu os recordes com 37,3 graus. Foram ainda batidos alguns recordes de temperatura em cidades da Suíça ou da Alemanha.

No início desta semana a revista Nature Medicine revelou que mais de 60 mil pessoas morreram em 2022 na Europa como resultado das ondas de calor. Itália foi mesmo o país mais afetado, com 18 mil óbitos. Em Portugal, e de acordo com o mesmo estudo, terão morrido 211 pessoas.

Dados que surgem depois de o Climate Reanalyzer da Universidade do Maine ter sinalizado que o dia mais quente de sempre na Terra foi registado há uma semana, com uma temperatura média de 17,23 graus. A Organização Meteorológica Mundial também referiu que a primeira semana de julho foi a mais quente de sempre, depois de também junho ter tido os valores mais altos da história.

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