O abrandamento esperado da economia europeia no próximo ano está a alimentar a expectativa de que o Banco Central Europeu baixe as taxas diretoras em 100 pontos base até ao final de 2024
Os investidores estão a antecipar que o Banco Central Europeu (BCE) inicie o ciclo de cortes de taxas de juro mais cedo do que era esperado. Pela primeira vez, o mercado monetário está a descontar que a instituição liderada por Christine Lagarde reduza em 100 pontos base as taxas diretoras do BCE até ao final do próximo ano.
A estimativa é dada pelas taxas swap a dois anos sobre a Euribor, que no último mês estão numa tendência de queda, negociando atualmente nos 3,5%, enquanto a Euribor a 12 meses está nos 4%.
Há um mês, a expectativa dos investidores era que o corte das taxas diretoras do BCE não fosse além de uma redução de 75 pontos base. Hoje, essa expectativa é que o banco central liderado por Christine Lagarde reduza o preço do euro no próximo ano de uma forma mais brusca e mais rápida.
Pressão dos mercados
Desde o início do mês que as taxas swap estão a antecipar que, até ao final do próximo ano, o Banco Central Europeu corte as taxas diretoras em 100 pontos base face aos valores atuais. É a primeira vez que os investidores estão a antecipar um comportamento tão agressivo por parte do banco central.
“O mercado está a considerar que a aterragem da economia europeia em 2024 pode ser mais forte do que se estava a contemplar no último mês e meio”, refere João Queiroz, head of trading do Banco Carregosa. “Antevia-se uma aterragem suave e agora está a antecipar que possa ser mais agressiva”, diz.
O debate em Frankfurt em redor de cortes das taxas de juro tem sido retirado da agenda do BCE. No decorrer da conferência de imprensa após a última reunião do Conselho do BCE, Lagarde revelou que, nesse encontro dos 20 governadores dos bancos centrais da Zona Euro, não foi alvo de discussão qualquer possibilidade de o BCE proceder a cortes de taxas. “Isso seria prematuro”, referiu Lagarde.
No entanto, desde então foram muitos os governadores que começaram a levantar a “ponta do véu”, mostrando que o fim do ciclo de subidas estava terminado e que há margem para iniciar-se um ciclo de cortes. Um desses casos foi Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.
Atualmente, os contratos forward sobre a Euribor a 6 meses, por exemplo, apontam para que a taxa baixe dos 4,06% que negociava na quinta-feira, para 3,52% em julho e depois para os 3,07% até ao final do ano.
“Estamos num ciclo de (subida de) taxas de juro que foi muito intenso” começou por referir Centeno no decorrer da apresentação do Relatório de Estabilidade Financeira na quarta-feira, para depois revelar que “é expectável que haja condições, num futuro próximo, para inverter e não continuar (este ciclo).”
A mesma opinião foi partilhada por Yannis Stournaras, governador do Banco da Grécia. Numa entrevista ao jornal Handelsblatt, Stournaras considera que o pico das taxas de juro já foi atingido e que apesar da incerteza criada pela guerra do Médio Oriente, “começaria a pensar em reduzir as taxas de juro, em meados de 2024, se a inflação ultrapassasse o limiar dos 3% nos países do sul de forma permanente e sustentável.”
Quem também vaticina que o primeiro corte das taxas de juro por parte do BCE ocorra a meio do próximo ano são os bancos de investimento norte-americanos Morgan Stanley e Bank of America, assim como os analistas do UBS Global Wealth Management. A previsão vem explanada no outlook do banco suíço para 2024, tanto para o banco cental do euro como para a Reserva Federal norte-americana. “Até acho que haverá uma espécie de competição entre os dois para ver qual será o primeiro a cortar as taxas”, referiu Paul Donovan, numa videoconferência com jornalistas, no seguimento da apresentação do outlook do banco suíço para o próximo ano.
Saúde da economia ditará decisão do BCE
São cada vez mais os indicadores que apontam para uma redução das taxas diretoras do BCE. Um desses sinais é dada pelos forward rate agreements, contratos financeiros negociados em mercado secundário que permitem a fixação de uma taxa de juro no futuro e são utilizados pelos profissionais para antecipar as oscilações das taxas de juro no longo prazo.
Atualmente, os contratos forward sobre a Euribor a 6 meses, por exemplo, apontam para que a taxa baixe dos 4,06% que negociava na quinta-feira, para 3,52% em julho e depois para os 3,07% até ao final do ano.
O mesmo movimento de queda é também já hoje dado pelas taxas Euribor a 6 e 12 meses. A principal taxa que serve de base para o cálculo da prestação da casa, a Euribor a seis meses, vai a caminho da primeira queda mensal em dois anos, sendo que também irá cair no prazo a 12 meses.
As expectativas dos investidores estão quase todas alinhadas para que o BCE inicie um ciclo de cortes das taxas de juro já em 2024. Num inquérito realizado pela Reuters no início de novembro junto de 72 analistas e traders, 83% dos inquiridos apontavam para que até setembro o BCE corte as taxas diretoras em 50 pontos base — o que a acontecer colocaria a taxa de facilidade permanente de depósito nos 3,5%.
O abrandamento da economia (e provavelmente a pressão política) será o gatilho para a mudança da política monetária do banco central. No entanto, é importante não esquecer que o BCE tem seguido uma doutrina assente no princípio de que prefere errar por excesso do que por defeito. E isso vai condicionar a mudança do ciclo.
Mas não são apenas os investidores a pressionar o BCE. São “muitos os economistas que acreditam que o efeito da política monetária está desfasado”, refere Pedro Brinca, professor da Nova Sbe, notando o elevado tempo que demora a surtir nas decisões dos agentes económicos o efeito das subidas das taxas de juro.
Por essa razão, Pedro Brinca considera que, “caso as revisões em baixa do crescimento económico se materializem, que apontará para que a inflação caia mais rapidamente, não ficaria surpreendido que o primeiro corte de taxas acontecesse antes de junho.”
O abrandamento da economia (e provavelmente a pressão política) será o gatilho para a mudança da política monetária do banco central. No entanto, é importante não esquecer que o BCE tem seguido uma doutrina assente no princípio de que prefere errar por excesso do que por defeito. E isso vai condicionar a mudança do ciclo.
“Vai demorar algum tempo até que as taxas sejam cortadas porque é necessário ver sinais mais duradouros de inflação em queda e, provavelmente, o BCE só irá reagir – como é habitual – após uma entrada em recessão mais do que ligeira ou perante um susto do mercado”, refere Filipe Garcia, economista e presidente da IMF – Informação de Mercados Financeiros.
Todavia, Filipe Garcia não deixa de apontar como “perfeitamente plausível” que o BCE corte as taxas de juro no primeiro semestre do próximo ano, mas alerta para que as expectativas de mercado poderão estar a ser “demasiadamente otimistas”.
O responsável da IMF sublinha que os cortes do BCE só poderão acontecer se as previsões para a inflação média em 2024 continuarem abaixo de 3%, sublinhando que “as expectativas que estão no mercado em termos de taxas de juro parecem-me ter como base um cenário económico mais negativo do que o incorporado pelo BCE, mas a dimensão dos cortes descontados parece-me um pouco exagerada.”