Grandes companhias europeias “avaliam” TAP em 2,83 mil milhões de euros

ECO - Parceiro CNN Portugal , André Veríssimo
27 out 2023, 07:50
TAP

Só o capital próprio da TAP já soma 1.323 milhões, se for incluído o montante em falta da injeção do Estado. Crise no Médio Oriente não deverá afetar interesse das grandes empresas pela privatização

O preço será “o último critério” para a escolha do comprador da TAP, como afirmou em entrevista ao ECO o ministro das Finanças, Fernando Medina. O Governo não deixará, no entanto, de tentar maximizar o encaixe para o Estado. Usando como paralelo a avaliação das três grandes companhias europeias, a transportadora portuguesa podia valer 2,15 mil milhões. Mas há também quem coloque a fasquia nos mil milhões.

Uma forma de chegar ao valor de uma empresa é compará-la com outras do mesmo setor, usando um rácio como bitola. Um dos mais usados é o chamado enterprise value (capitalização bolsista + dívida) sobre o EBITDA (resultados antes de juros, impostos, depreciações e amortizações).

A Lufthansa, o IAG e a Air France-KLM – os três gigantes europeus e que já manifestaram interesse na transportadora nacional – estão a transacionar em bolsa com um enterprise value que é, em média, de 2,83 vezes o EBITDA. Aplicando este rácio aos resultados da TAP chega-se a um valor de 2,83 mil milhões, tendo em conta que a companhia portuguesa registou um EBITDA recorrente de mil milhões de euros nos últimos quatro trimestres.

É preciso levar em consideração que o preço a pagar pelo comprador não incluirá a dívida da companhia. Deduzindo o endividamento líquido da TAP, que era de 670,7 milhões no final de setembro, chega-se a um valor de 2,15 milhões. Por 100% da empresa.

Este montante pode pecar por excesso. Yi Zhong, analista da empresa de research francesa Alphavalue, considera que é preciso aplicar um desconto de escala, tendo em conta que as outras companhias têm uma dimensão muito superior à da TAP.

Por outro lado, aquele rácio não tem em conta o prémio de controlo da transportadora portuguesa, que estará sempre assegurado tendo em conta que o Governo aprovou a venda de mais de 51% da TAP, ou as sinergias que poderão ser criadas. A Parpública pediu uma avaliação à EY e ao Banco Finantia, que não foi tornada pública, mas que o Governo tem desvalorizado justamente por ela não refletir nem um prémio de controlo nem a criação de valor que resulta da integração do negócio do comprador com o alvo.

Outra forma de tentar chegar a uma avaliação é recorrer justamente ao rácio usado noutras operações de consolidação. O grupo IAG acordou em 2022 comprar 80% da Air Europa por 400 milhões de euros. Uma operação que, segundo a Reuters, foi feita com um múltiplo de 4,6 vezes o EBITDA. Aplicado à TAP, daria 4,63 mil milhões, um número muito superior aos 2,46 mil milhões. Já a compra de 41% da italiana ITA pela Lufthansa este ano, através de um aumento de capital de 325 milhões, teve implícito um rácio de 2,26 vezes. Transposto para as contas da transportadora portuguesa, seriam 2,26 mil milhões. A disparidade dos números torna difícil tirar conclusões.

Múltiplo do mercado europeu faria valor disparar

Quando a Atlantic Gateway, o então acionista privado, quis levar a TAP para bolsa em 2019, pediu uma avaliação ao Deutsche Bank. Na altura, o banco de investimento alemão usou um rácio entre 5 e 5,5 vezes, chegando a um preço entre 637 e 1.035 milhões, tendo em conta os resultados da empresa na altura. O EBITDA era então inferior (778 milhões) e a dívida líquida muito mais elevada (1.790 milhões). Esse é também o rácio (5,56 vezes) a que negoceia atualmente a indústria de aviação europeia, segundo a Reuters. Atiraria o valor da TAP para os 5,56 mil milhões de euros.

Neil Glynn, diretor da Air Control Tower, uma empresa de research especializada na indústria, aponta para um número muito mais baixo. “Com a Air France-KLM, IAG e Luftahnsa a terem capitalizações bolsistas entre 4,4 e 11 mil milhões, pensamos que é difícil para cada uma delas justificar o pagamento de mais de mil milhões [excluindo dívida] por uma transportadora com receitas pouco superiores a 10% das suas“, refere numa nota de research de agosto, antes ainda de serem conhecidos os resultados da TAP no terceiro trimestre.

No mesmo relatório aponta que as aquisições bem-sucedidas no setor foram feitas com um rácio entre 0,1 e 0,7 vezes as vendas. Tendo em conta as receitas de 4,2 mil milhões da TAP nos últimos 12 meses, o ponto mais elevado do intervalo apontaria para os 2,95 milhões.

Há um dado adicional a ter em conta. Só o capital próprio da TAP já soma 1.323 milhões, se juntarmos aos 635,4 milhões registados no final de setembro os 688 milhões que o Estado ainda vai injetar este ano e no próximo.

Crise no Médio Oriente pode penalizar?

As companhias aéreas chegaram a acumular uma valorização de 37% este ano, segundo o Stoxx Europe Airlines, mas inverteram o rumo a partir do verão e já só somam 4,4%. Um desempenho abalado também nas últimas semanas pela guerra entre Israel e o Hamas e o receio de uma escalada.

Pode este contexto penalizar a venda da TAP? Os analistas acreditam que o interesse já manifestado por Air France – KLM, IAG e Lufthansa não deverá esmorecer. “Todas as três companhias farão ofertas e não creio que o atual clima político irá afetar a venda, uma vez que elas estão a olhar para o longo prazo”, considera Stephen Furlong, analista sénior da Davy Capital Markets.

Yi Zhong também não acredita que a crise no Médio Oriente afete a privatização. “O interesse na aquisição da TAP é consolidar os slots e rotas da companhia (sobretudo o mercado da América do Sul), mas também tirar partido das vantagens de uma aliança entre companhias, como o code-sharing”, afirma a analista da Alphavalue. A TAP faz parte da Star Alliance, onde já está a Lufthansa.

“O impacto do conflito no Médio Oriente nos custos de combustível das companhias aéreas europeias foi surpreendentemente fraco, uma vez que o querosene subiu menos do que o petróleo bruto. As companhias aéreas europeias seguram o preço do combustível, o que também atrasa e suaviza a volatilidade dos preços dos combustíveis”, observa Andrew Lobbenberg, o analista responsável pelo setor dos transportes no Barclays.

Lobbenberg nota que a guerra na Ucrânia não penalizou o transporte aéreo no verão e que a procura por viagens não parece estar a ser afetada, mas deixa um alerta: “Se o conflito escalar, existe o risco de o aumento do preço dos combustíveis ser mais extremo e de a procura de viagens ser mais afetada”.

“A rentabilidade das companhias aéreas ficaria ameaçada e todas seriam mais cautelosas ao gastar dinheiro, uma vez que a liquidez se torna muito importante quando o mercado se deteriora”, acrescenta o analista do Barclays. Ou seja, a disponibilidade para pagar pela TAP poderia sair penalizada.

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