O que muda com a entrada do Qatar no Sp. Braga: um explicador para entender o essencial

11 out 2022, 09:03
13.º: Estádio Municipal de Braga (3 Jogos; Média: 3,67).

Perguntas e respostas para descodificar como surgiu o interesse do fundo árabe, o que ganha cada uma das partes e quais são as tendências atuais por detrás do investimento na SAD bracarense.

A segunda-feira acordou com uma notícia inesperada: a Qatar Sports Investments, proprietária do milionário PSG, entrou no capital social do Sp. Braga. O fundo árabe adquiriu os 21,67 por cento da participação que era detida pela Olivedesportos.

A Qatar Sports Investments tornou-se assim o segundo acionista de referência da SAD. O clube continua a ser o acionista principal, com 36,98 por cento do capital social, seguido agora do fundo árabe, com 21,67 por cento. A Sundown Investments Limited, uma sociedade de investimentos com sede em Londres, detém 17,04 por cento, e os restantes 24,31 por cento estão divididos por pequenos acionistas.

Ora assim sendo, o que muda com a entrada da sociedade do Estado do Qatar na SAD bracarense, através de uma posição minoritária? E porquê o Sp. Braga? Já agora, o que o clube minhoto tem a ganhar com este negócio? Perguntas a que respondemos a seguir.

É o explicador do Maisfutebol.

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1. Porque é que o Qatar investiu na compra do Sp. Braga?

O processo foi conduzido durante mais de um ano por Antero Henrique, antigo diretor geral do FC Porto e do PSG, que tens fortes ligações ao Qatar. O Sp. Braga apresentou-se como a melhor solução em Portugal por ter, antes de mais, excelentes estruturas, equipamentos de qualidade e um bom desempenho no futebol de formação. Para além disso, é um clube estável, com uma operação montada e consistente e uma situação financeira globalmente boa. Ao contrário dos grandes portugueses, não está tão dependente do financiamento bancário para garantir a continuação saudável da atividade.

2. O que é que a Qatar Sports Investments pretende do Sp. Braga?

O facto do Sp. Braga ter uma Cidade Desportiva de qualidade e uma formação cada vez mais forte tornam o clube atrativo no projeto de expansão futebolística da Qatar Sports Investments. O Sp. Braga vai dotar o grupo árabe de uma nova valência, sobretudo na deteção, formação e projeção de jovens talentos. Nesse sentido, a Qatar Sports Investments ganha um novo espaço de lançamento de jogadores, algo que o PSG não consegue garantir em função das características do (ambicioso) projeto.

3. Quais são as vantagens para o Sp. Braga?

Antes de mais, há vantagens desportivas: a Qatar Sports Investments tem, através do PSG, uma longa folha de pessoal e nem todos cabem no plantel principal. O Sp. Braga tem por isso acesso privilegiado a melhores jogadores: basta lembrar que Sarabia ou Draxler no passado recente foram cedidos a Sporting e Benfica. Para além disso, há enormes vantagens comerciais. A QSI abre portas a que o Sp. Braga nesta altura não tem acesso, portas como o Barclays, a Vokswagen, a Porsche, a Disney ou a Harrods. O clube acredita por isso que pode crescer comercialmente e desenvolver-se em termos de marca, um pouco como fez o PSG.

Não faz parte dos planos das partes que a Qatar Sports Investments venha despejar malas de dinheiro no sucesso desportivo imediato do Sp. Braga, como faz com o PSG, por exemplo, mas António Salvador acredita que o clube pode crescer comercialmente com a experiência e as relações do grupo árabe, de forma a ficar menos dependente de receitas extraordinárias com a venda de jogadores. Ao fazê-lo, a SAD bracarense pode não só reter os melhores talentos, como ganhar um novo fôlego para investir no mercado.

4. O que é que muda no imediato no Sp. Braga?

Como o clube anunciou em comunicado, no imediato a Qatar Sports Investments não entra na estrutura da administração da SAD bracarense. No entanto, e apesar de ter sido um negócio entre privados, com a Olivedesportos a vender a totalidade da participação diretamente ao fundo árabe, é evidente que houve uma série de conversas preliminares, que serviram para alinhar estratégias e objetivos. Por isso a sociedade qatari estará sempre presente no acompanhamento da atividade do Sp. Braga. Acredita-se, de resto, que no futuro a participação dos árabes na SAD possa aumentar. Certo é que, em breve, vai haver um reforço dos objetivos desportivos, natural perante a entrada de um parceiro tão poderoso. O que se traduzirá, num primeiro momento, no objetivo de apuramento para a Liga dos Campeões.

5. O que é a Qatar Sports Investments?

Fundado em 2004, a Qatar Sports Investments é uma subsidiária da Qatar Investment Authority: o fundo soberano estatal do Qatar, que lidera todos os negócios do Estado. Ora a Qatar Sports Investments é a sociedade estatal gestora dos investimentos desportivos do emirado do Qatar, tendo já adquirido a totalidade do PSG, em 2011, que passou a ser a bandeira da empresa estatal. Para além do clube francês, a Qatar Sports Investments detém ainda uma marca desportiva, a Burrda, e uma agência de marketing e eventos, a NextStep.

6. Que investimentos tem a Qatar Investment Authority?

O fundo soberano do Qatar, que na generalidade corresponde ao próprio Estado do Qatar, tem uma lista de investimentos enorme, avaliada em mais 450 mil milhões de dólares, e que, entre muitas outras, inclui participações em empresas como Barclays, Credit Suisse, Volkswagen, Porsche, Agricultural Bank of China, Harrods, Disney, Miramax, France Telecom, Total, Shell, Sainsbury, Al-Jazira, beIN Media Group, Canal Plus ou em propriedades que vão do Aeroporto de Heathrow à London Bridge Tower, da 666 Fifth Avenue, em Manhattan, ao CityCenterDC, em Washington.

7. Quem manda na Qatar Sports Investments?

Acima de todos, está o emir Tamim al Thani, que não se recusa a participar nas grandes decisões. Num nível mais prático, porém, Nasser Al-Khelaifi é o homem todo-poderoso: presidente do QSI, presidente do PSG e presidente do beIN Media Group. Adel Tayyeb Mustafawi, homem forte em várias instituições financeiras do Qatar, é o vice-presidente. No conselho de administração entram ainda Yousif Al-Obaidli, Mohammad Abdulaziz Al-Subaie e Sophie Jordan, que participam também do conselho de administração da beIN.

8. A Qatar Sports Investments detém mais clubes?

Por via indireta, detém o clube belga KAS Eupen. Na verdade, quem comprou em 2011 a totalidade do KAS Eupen foi a Aspire, que no entanto é também propriedade do Qatar: é uma academia fundada no país para desenvolver todos os desportos, mas sobretudo o futebol, já com a perspetiva de preparar uma seleção para o Mundial 2022. No entanto, a motivação por detrás desta compra é totalmente diferente da que presidiu à compra do PSG ou de parte do Sp. Braga. No caso do KAS Eupen, que na altura disputava a II Liga e, entretanto, subiu à Liga Belga, o pretexto foi ter um clube na Europa onde colocar os jovens qataris formados na Aspire, de forma a evoluírem. Entre outros, já teve Claude Makelele como treinador.

9. Porque é que a Qatar Sports Investments quer comprar outro clube?

A compra de 21 por cento do Sp. Braga responde a uma tendência crescente no futebol mundial: os grandes investidores cada vez mais concentram a propriedade de vários clubes. Neste caso a Qatar Sports Investments tem apenas uma percentagem minoritária do Sp. Braga, mas ambiciona no futuro aumentar esta participação. O clube português tornou-se assim o segundo ativo do grupo qatari em clubes de futebol, depois do PSG.

A ambição de expandir a participação em clubes, por parte dos grupos económicos com interesses no futebol, é uma tendência natural entre os grandes proprietários: procuram aumentar a base de distribuição e adquirir uma posição dominante no mercado. O que lhes permite, como em qualquer atividade, aumentar o eixo de influência e fazer melhores negócios, não só na compra de ativos, como também na venda.

10. Que grandes grupos económicos dominam o mercado?

Acima de todos, está o grande rival da Qatar Sports Investments: o também árabe City Football Group, propriedade da família real de Abu Dhabi. Detém participações em onze clubes, entre os quais o Man. City, o New York City, o Palermo, o Girona, o Troyes, o Melbourne City, o Mumbai City e o Yokohama Marinos.

A RedBird está no Liverpool, no Milan e no Toulouse. A Red Bull detém o Leipzig, o Salzburgo, o New York Red Bull e o Bragantino. A dupla americana John Textor-David Blitzer detém participações no Crystal Palace, Botafogo, Lyon, Augsburgo, Real Salt Lake, ADO Den Haag e Waasland-Beveren. Outro exemplo claro desta tendência são os americanos da 777 Partners, que estão no Génova, no Standard Liège e no Vasco da Gama. Segundo o The Athletic, aliás, um total de vinte clubes das Ligas de Espanha, Itália e França são participados por proprietários com um portfolio de clubes.

11. É possível que a Qatar Sports Investments continue a comprar clubes?

Mais do que possível, é muito provável. Sabe-se que o fundo do Qatar quer aumentar a carteira de clubes e está interessado em fazê-lo em vários mercados. No passado recente foi notícia o interesse da Qatar Sports Investments nos ingleses do Leeds e nos italianos da Roma. As informações garantem até que foi feita uma proposta, não aceite, pelo clube italiano. A tendência, aliás, é que continue a aumentar o portfolio nos próximos anos.

12. Qual é o interesse do Qatar nos clubes de futebol?

O interesse em clubes é o mesmo que tem, por exemplo, no Mundial 2022: projeção internacional. Hamad Al Thani, pai do atual emir Tamim al Thani, desenhou em 1995 um plano para aumentar o poder do Qatar no mundo através de três veículos: a comunicação social, a diplomacia e o desporto. Por isso, aliás, fundou a Al-Jazira em 1996, que atualmente está em 80 países. Tamim al Thani deu continuidade ao plano do pai e projetou o país através do desporto: Messi, Neymar, Mbappé ou o Mundial 2022 dão uma visibilidade mediática dificilmente alcançável de outra forma. Mesmo para um país riquíssimo.

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