A síndrome do bebé abanado: o que é, como se produz a lesão e como se diagnostica (a propósito do caso suspeito no Hospital de São João)

29 ago 2022, 17:51

O diagnóstico "é controverso e difícil". Há atualmente um caso suspeito em Portugal que foi tornado público e que está a ser investigado pelas autoridades. As vítimas desta síndrome "apresentam geralmente um mau prognóstico, por vezes pior do que o das vítimas de acidentes graves"

Um bebé de quatro meses está internado desde 4 de agosto no Hospital de São João, no Porto, com suspeitas de maus-tratos. A mãe e o atual companheiro são suspeitos de terem abanado a criança com violência, causando-lhe uma extensa hemorragia cerebral. A progenitora nega as acusações e diz que o filho "já brinca, mexe-se" e segue-os "com a vista".

Segundo o hospital, o bebé está em "progressiva recuperação" mas continua a precisar de múltiplos cuidados de diferentes equipas clínicas. O hospital alertou a Comissão de Proteção de Crianças e Jovens por suspeitar da síndrome do bebé abanado.

Mas o que é esta síndrome?

Vítimas

A Síndrome do Shaken Baby (SBS) "ocorre principalmente em crianças com menos de três anos, sobretudo no primeiro ano, e tem sido reconhecida como a principal causa de incapacidade permanente e de morte nas crianças vítimas de abuso nos primeiros anos de vida", de acordo com a Acta Médica Portuguesa (AMP), a revista científica da Ordem dos Médicos.

A sua "incidência é desconhecida" em Portugal. Na literatura portuguesa consultada pelas autoras do artigo publicado na AMP - "SÍNDROME DO SHAKEN BABY, Realidade ou Ficção em Portugal?" - foi encontrado documentado apenas um caso, que ocorreu no hospital São Bernardo, em Setúbal.

Como se produz a lesão

Caracteriza-se por "abanar repetida e violentamente a criança, a uma frequência de aproximadamente 2-4 vezes por segundo, durante 5 a 20 segundos, causando-lhe um movimento no plano anteroposterior, do tipo chicote cervical". As lesões ocorrem "após uma rápida e repetitiva flexão/extensão, com ou sem rotação da cabeça e pescoço, mantendo-se o tronco relativamente estável".

Segundo a AMP, "o abusador normalmente segura a vítima pelo tórax, membros superiores ou inferiores, o que pode ser traduzido em lesões superficiais como escoriações, equimoses ou hematomas, ou lesões internas, como fraturas ósseas das costelas". As vítimas podem ainda "ser impelidas contra uma superfície mole, como o colchão, não se observando nesses casos vestígios físicos a nível superficial", descreve o artigo.

O que acontece à cabeça

Como o cérebro de uma criança é estruturalmente diferente do do adulto, uma vez que tem um teor de água superior, quando a criança é abanada o cérebro dela é comprimido e simultaneamente "pode sofrer um processo de distorção dentro do crânio". "O grande volume da cabeça em relação ao corpo, a imaturidade dos músculos do pescoço, a elasticidade dos ligamentos, o maior espaço subaracnóide, as suturas abertas e a falta de controlo sobre a cabeça são também fatores que potenciam as lesões".

"O mecanismo preciso da lesão neurológica não é consensual. Admite-se, contudo, que durante os abanões o cérebro ao mover-se embate directamente sobre a superfície interna do crânio revestida pela dura-máter. O desfasamento entre o movimento do crânio e do seu conteúdo, bem como o impacto do cérebro sobre a superfície interna do crânio, causam a tração e a laceração de vasos sanguíneos, nomeadamente as veias ponte, dando origem a hemorragia subdural e a consequente aumento da pressão intracraniana. Por outro lado, sempre que associados aos abanões ocorrem lesões por impacto direto, além das forças de aceleração/desaceleração existe também uma transferência de forças no ponto de impacto da cabeça, podendo ocorrer lesão e deformação das estruturas locais, com edema do couro cabeludo, fraturas cranianas, hemorragia epidural e lesão das veias locais com hemorragia subdural."

Como se diagnostica

O diagnóstico "é controverso e difícil", dizem as autoras do artigo científico, "podendo estar implicadas questões de índole sociocultural e até afetiva, uma vez que se considera que não foi com intenção de causar dano que a criança foi abanada".

"É fundamental que o diagnóstico seja feito atempadamente porque uma confissão de abuso é muito difícil de obter; habitualmente, as explicações não são coerentes e em 63,8% dos casos os cuidadores não apresentam explicação para as lesões; noutras vezes são contadas histórias de abanões da criança na tentativa de a reanimar após um suposto episódio de ameaça à vida e noutras, ainda, as lesões são explicadas aos médicos como tendo surgido após brincadeiras mais violentas, quedas ou outras formas de traumatismo craniano acidental."

A apresentação clínica pode variar de ligeira a muito grave, ou mesmo fatal. Na maioria das vezes não existem sinais físicos externos.

Quais são os sintomas

Os sintomas frequentemente associados "são inespecíficos" e podem levar a que um caso não seja corretamente diagnosticado. "A presença de sinais como hemorragia retiniana, hemorragia subdural e hemorragia subaracnoideia é bastante comum, mas, como não são exclusivos desta síndrome, o diagnóstico diferencial torna-se imperativo; as hemorragias epidural e intraparenquimatosa são menos comuns, sendo a hemorragia subdural o achado patológico intracraniano mais frequente."

Têm ainda relevância para o diagnóstico o exame oftalmológico, a tomografia computorizada e a ressonância magnética.

Qual é o prognóstico?

As vítimas desta síndrome "apresentam geralmente um mau prognóstico, por vezes pior do que o das vítimas de acidentes graves, provavelmente devido ao atraso da procura de cuidados médicos, revelando sequelas a curto e longo prazo também mais graves do que as das vítimas de traumatismo craniano acidenta"l.

As sequelas podem variar de irrelevantes até fatais, incluindo alterações psicológicas, cognitivas, físicas e do desenvolvimento sensório-motor.

Perfil do abusador

Os abusadores mais frequentes são os pais, padrastos ou companheiros da mãe (60%), seguindo-se as amas (17,3%) e mães (12,6%). "Estima-se que 25% a 50% dos pais não sabem que abanar uma criança pode originar lesões graves e/ou morte", defende a AMP.

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