Joana, a "séria", e Jorge, o "combatente", 20 anos de diferença. Quem são os sindicalistas que estão a dar voz aos médicos?

11 nov 2023, 11:00
Ambiente hospitalar em tempos de pandemia

Representam duas gerações distintas de sindicalismo, mas um mesmo foco: a salvação do Serviço Nacional de Saúde. Joana Bordalo e Sá e Jorge Roque da Cunha assumem o papel de representantes dos médicos na altura em que a classe mais bate o pé ao Governo

São quase 20 anos os que separam Jorge e Joana. Ele é já uma velha cara para os vários governos portugueses, ela é a nova voz que o Executivo tem agora de ouvir. Apesar da diferença de idade, ambos são crentes de que é possível salvar o Serviço Nacional de Saúde (SNS) e chegaram mesmo a um entendimento nas exigências a fazer ao Governo, para quem chutam em sintonia a bola da responsabilidade, mesmo agora com o anúncio da dissolução da Assembleia da República, que coloca as conversações com o Ministério da Saúde em standby. Mas à conta das reivindicações e longas negociações dos últimos 18 meses, assumem-se este ano como os rostos da (não recente) luta dos médicos por melhores condições salariais e laborais.

Joana Bordalo e Sá e Jorge Roque da Cunha são ambos filhos de médicos e sindicalistas desde o começo da vida profissional. Ele está no Sindicato Independente dos Médicos (SIM) desde a sua fundação, em 1979, e assume a liderança do organismo desde 2012. Ela chegou em dezembro do ano passado à presidência da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), que integra os sindicatos dos Médicos do Norte, Centro e Sul, mas antes já liderava o sindicato a norte e sempre com a bandeira do SNS hasteada.

A convicção na defesa do que lhe parece correto e neste caso a convicção absoluta da defesa do SNS é algo que lhe é intrínseco e sempre lhe foi característico”, conta-nos o médico Noel Carrilho, antigo presidente da FNAM e parceiro de Joana Bordalo e Sá nas reuniões que decorrem agora com o Ministério da Saúde.

Noel e Joana conhecem-se há cerca de dez anos e sempre com a federação sindical como casa-comum. Quando questionado sobre como a descreve, o médico não hesita em dizer que Joana Bordalo e Sá “é a mais participativa nas reuniões, sobretudo dada a posição que ocupa”. 

“É uma pessoa muito séria e que exige muito rigor de todos os que estão à sua volta”, diz Noel Carrilho, destacando que “no contacto pessoal e de amizade é uma pessoa de excelente índole, com bom humor, aceita as situações com humor”. Mas esse humor nem sempre entra assim que a porta da sala de reuniões se fecha, aí entra em modo de concentração: “No processo negocial é uma pessoa que prima pelo rigor e pela seriedade.”

Joana Bordalo e Sá numa das manifestações da FNAM este ano (Lusa)

Joana Bordalo e Sá é natural do Porto e está no IPO da cidade desde que completou a sua formação académica no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto - ICBAS, onde diz ter sido influenciada pelo pai para ir estudar. É neste estabelecimento de ensino que hoje em dia dá aulas, tal como o pai. “Desde pequena que acabava por ir ao instituto”, contou ao podcast Alumni Mundus, da Universidade do Porto, no qual participou com o pai Adriano A. Bordalo e Sá. “No fim dos anos 90, a minha opção era estudar no Porto”, diz, continuando a explicar porque optou por estudar no mesmo instituto em que o pai se formou academicamente. 

A médica oncologista começou o curso em Veterinária e depois mudou para Medicina, tendo-se licenciado em 2004, seguindo, depois, para um mestrado em Medicina e Oncologia Molecular na Faculdade de Medicina da U.Porto e para um doutoramento. Aos 44 anos é ainda coordenadora do internato médico no IPO Porto e faz parte da direção do Colégio de Oncologia Médica da Ordem dos Médicos (OM). 

Luís Costa, diretor do serviço de Oncologia do Hospital Santa Maria em Lisboa, foi quem convidou Joana Bordalo e Sá para fazer parte da direção da especialidade de Oncologia na OM. E, sindicalismos à parte, já que Luís Costa é sindicalizado no SIM, o médico apenas tem coisas boas a dizer sobre a colega, que assegura ser “bastante participativa” nas reuniões. “Tenho a melhor impressão da doutora Joana, é uma pessoa honesta, que tenta fazer tudo da melhor maneira. É preocupada com os assuntos, com os doentes”, conta-nos.

Joana Bordalo e Sá, que em 2021 apoiou publicamente a candidatura de João Ferreira à Presidência da República, chegou à presidência da Federação Nacional dos Médicos (FNAM) quando as negociações com o Ministério da Saúde ainda iam a meio ou no início, apenas se saberá quando um acordo for assinado. Para muitos, é ainda um rosto novo, mas o seu lado reivindicativo começou ainda no Sindicato dos Médicos do Norte. Foi com a sua chegada à FNAM que, mesmo nem sempre em sintonia com o SIM, as negociações com o Ministério da Saúde ganharam outra escala, assim como o sindicalismo médico.

A FNAM ganhou uma nova dinâmica e um novo centralismo com esta nova dirigente”, analisa Adalberto Campos Fernandes, antigo ministro da Saúde e velho conhecido de Jorge Roque da Cunha. Para Campos Fernandes o SIM tem agora “dificuldades” em afirmar-se face a esta nova FNAM.

Nos tempos de faculdade, Joana Bordalo e Sá não se dedicava apenas aos estudos: foi uma das criadoras do jornal académico O Grito da Gaivota, “uma atividade extracurricular, onde havia sempre um tema quente, a versão pró e versão contra”, como contou no podcast Alumni Mundus. E para além da prática clínica e académica, tem ainda no currículo uma experiência de voluntariado médico no Líbano, na Índia e na Guiné-Bissau. “Num contexto mais pessoal dá para perceber essa componente altruísta da Joana, o que é admirável, é fácil de perceber essa nota distintiva”, destaca Noel Carrilho.

Esta componente do altruísmo também se reflete na procura da justiça, neste caso de justiça laboral, que se vai refletir nas outras componentes da vida. Esta procura de igualdade e justiça notam-se bem na Joana”, continua o médico e membro da FNAM.

Jorge Roque da Cunha, secretário-geral do Sindicato Independente dos Médicos, cargo que ocupa há quase dez anos (Lusa)

Jorge Paulo de Seabra Roque da Cunha é natural de Angola e está em Portugal, mais concretamente em Lisboa, desde os seus 15 anos. É médico de Medicina Geral e Familiar e filho do clínico Mateus Roque da Cunha. Anda no mundo do sindicalismo desde os tempos de estudante, quando foi membro da Comissão Executiva da Comissão Nacional dos Sindicatos dos Estudantes Universitários. Mas foi no Sindicato Independente dos Médicos, onde agora é secretário-geral, que ganhou a sua voz, e já lá vão quase dez anos na liderança e 40 de sindicalismo médico.

Adalberto Campos Fernandes foi ministro da Saúde entre 2015 e 2018 e Jorge Roque da Cunha foi sempre um rosto presente nas reuniões com os sindicatos. E também um dos seus principais críticos: “O doutor Adalberto desistiu de ser ministro da Saúde. É cada vez mais Centeno”, disse Roque da Cunha em 2018. Este momento ainda está na memória do antigo ministro da Saúde, apesar de dizer que agora não lhe dá “muita importância”. “Foi o próprio sindicato que fez uma fotografia grande no Campo Pequeno minha com o ministro Centeno. Isso faz parte da retórica sindical”, conta-nos, por telefone, descrevendo o líder sindical como alguém “bastante afirmativo, às vezes até um pouco com ironia e agressividade verbal”.

Quando questionado se Roque da Cunha lhe tinha dado muitas dores de cabeça enquanto foi ministro, Adalberto Campos Fernandes responde em tom de brincadeira: “Não deu dores de cabeça, raramente tenho dores de cabeça.”

Dos tempos em que dividiu a mesa negocial com Roque da Cunha, Adalberto Campos Fernandes recorda-se do sindicalista como “irónico e inteligente” e até “um hábil negociador”, uma pessoa que “tem a qualidade de procurar tirar resultados das negociações, não é um radical, não radicaliza, procura gerar equilíbrio”. “Sempre tivemos uma relação em ambiente negocial exigente, firme”, lembra.

É um combatente”, afirma o antigo ministro, assegurando que Jorge Roque da Cunha “é um líder sindical que ficará para a história, não só por ser dos mais duradouros, mas dos mais assertivos”.

Manuel Delgado, secretário de Estado da Saúde entre 2015 e 2017, também destaca o lado “irónico” de Roque da Cunha, rindo-se de algumas das analogias que o sindicalista faz nas suas declarações quando quer criticar o Governo. “Ele era muito irónico”, recorda, admitindo que, no entanto, “era fácil lidar” com esse seu lado “porque também eram irónicos, nas reuniões, mesmo antes da reunião, havia um ambiente relativamente distendido”.

Apesar de descrever Roque da Cunha como uma pessoa de “poucas palavras” - “ele falava, calava-se, às vezes até era muito categórico nas suas afirmações, ou era sim ou não era” -, Manuel Delgado diz que “não há dúvida de que é uma pessoa muito assertiva e muito obstinada”. Mas não tão dura como fazia parecer após os encontros com o Governo, talvez devido à “inclinação política”, mais concretamente social-democrata, que o antigo secretário de Estado diz que Roque da Cunha não consegue largar.

É curioso que ele fazia sempre questão de falar aos jornalistas quando saía das reuniões e dava a sensação que havia uma grande dureza negocial, mas nem sempre correspondia ao clima da reunião, mas é um estilo dele, muito marcado, quando fala nunca se ri”, destaca Manuel Delgado.

Jorge Roque da Cunha licenciou-se em Medicina pela Universidade de Lisboa e além da vida de médico dedicou-se, durante alguns anos, à vida política: foi deputado do PSD entre 1991 e 1999 (tendo apanhado Cavaco Silva e António Guterres como primeiros-ministros) e candidato à presidência da Câmara Municipal da Amadora em 2009. Mas este seu lado político acompanha-o desde os tempos de estudante: Roque da Cunha foi um dos membros fundadores do Núcleo de Estudantes Social-democratas da Faculdade de Medicina, Universidade de Lisboa e presidente da Associação de Estudantes do mesmo organismo, cargo que ocupou entre 1982 e 1984.

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