"Chapungu - O Dia em que Rodes Caiu", de Sethembile Msezane, é o centro das atenções numa nova exposição no Reino Unido
Há nove anos, Sethembile Msezane subiu a um pedestal, vestindo um fato preto e saltos agulha, com os braços adornados com asas que criou a partir de madeira, veludo e cabelo. Atrás dela, vê-se uma estátua de um homem a ser levantada no ar. "Chapungu - The Day Rhodes Fell" [à letra, "Chapungu - O Dia em que Rodes Caiu"] tornou-se desde então uma fotografia icónica, captando o espírito do movimento #RhodesMustFall que levou à remoção da estátua do colonizador do século XIX Cecil Rhodes na Universidade da Cidade do Cabo.
Msezane estava a tirar um mestrado em Belas Artes na universidade durante os protestos, em que os estudantes exigiram a retirada da estátua do britânico, citando o seu legado como estando manchado de racismo.
"Não há forma de conceber aquele momento e a forma como as coisas se desenrolaram naquele dia", disse Msezane, em declarações à CNN a partir da Cidade do Cabo. A sua atuação e a imagem resultante - que se tornou um símbolo do dia histórico - nasceram de um sonho recorrente que a assombrou na altura em que o movimento de protesto começou.
Os sonhos giravam em torno de "Chapungu", uma águia bateleur sagrada do Zimbabué que Msezane encarnou no topo do plinto com as suas asas.
Oito destas aves - que têm um grande valor espiritual para o povo do Zimbabué - foram imortalizadas em pedra-sabão cinzento-esverdeada na antiga cidade do Grande Zimbabué. Com a degradação do local, seis foram posteriormente saqueadas e, no século XIX, uma estátua de Chapungu foi oferecida a Cecil Rhodes. Embora várias tenham sido devolvidas, a estátua permanece até hoje na antiga casa de Rhodes, na propriedade Groote Shuur, na Cidade do Cabo, explicou Msezane.
"Tem havido apelos políticos para que ela regresse a casa, mas, por alguma razão, esses apelos têm sido negados", afirmou. "Há uma crença mitológica de que, enquanto ela não regressar a casa, haverá agitação social no Zimbabué."
Msezane diz que Chapungu, que é um totem das esperanças e aspirações das pessoas na sociedade zimbabueana, estava em colaboração com a sua consciência no dia em que Rhodes caiu. "Ela usou o meu corpo como recipiente e eu aceitei a chamada".
Mesmo depois de a escultura de Rodes ter caído, Msezane permaneceu no seu plinto durante mais 20 a 30 minutos. "Era importante que (Chapungu) estivesse presente para que pudesse ser vista, para que pudéssemos começar a ver-nos nela - e não na nossa história de subjugação e desapropriação. Que nós também temos histórias de abundância e conhecimento ancestral".
A imagem está atualmente exposta em Londres, no âmbito da exposição "Acts of Resistance" da South London Gallery e da V&A Parasol Foundation: Photography, Feminisms and the Art of Protest" (Fotografia, Feminismos e a Arte do Protesto), que faz uma viagem pela resistência liderada por mulheres em todo o mundo, desde os perigos do aborto ilegal no Chile, na Polónia e nos Estados Unidos, até aos protestos liderados por mulheres no Irão e no Bangladesh.
"Seria empurrada?"
A criação do trabalho teve o seu preço. A peça Chapungu - que implicou que Msezane ficasse de pé no pedestal, de saltos altos, num dia quente, durante quase quatro horas - foi "bastante extenuante", disse. Manteve as asas presas aos seus braços no ar durante dois minutos antes de ter de descansar durante 10 e depois recomeçar.
No início, também teve medo. "Quando se faz um trabalho como este, fica-se bastante vulnerável", explicou.
"Estava assustada porque, e se a polícia viesse e me levasse, enquanto esta ocasião histórica tão importante estava a acontecer? O que me aconteceria se me levassem vestida com um collant e uns sapatos de salto alto? Seria empurrada? Poderia magoar-me ou morrer?".
Depois, estava a tremer. Tinha os membros cansados, os pés doridos e a visão turva. "Tudo o que eu queria era a minha roupa", diz ela, ao sair do plinto. "Eu só queria ir para casa e tomar um banho."
Quando a obra de Chapungu atraiu tanta atenção internacional, Msezane continuou com a sua vida e não pensou muito no assunto.
"Ainda estava dentro da tensão do que estava a acontecer", disse, referindo-se ao movimento Rhodes e ao que viria a dar origem à campanha Fees Must Fall. Ao mesmo tempo que o seu trabalho era aclamado, estava a ser alvo de críticas pelo seu envolvimento no movimento.
"O meu trabalho estava a ser citado em todo o lado e, para ser honesta, significava muito pouco para mim, quando era essa a realidade que eu estava a viver... o sistema ainda encontra formas de nos oprimir, apesar de um trabalho como este nos poder dar voz".
Por vezes, teme que o significado da peça se perca - com o foco em Rhodes e não no símbolo de Chapungu, que "se tornou um farol de esperança para muitos".
Para Msezane, o trabalho inspirou-a a pensar em como podemos ajudar as mulheres em todo o mundo. Msezane já não realiza "trabalhos de resistência" como o de Chapungu, referindo o quão desgastantes, perigosos e emocionais podem ser. Em vez disso, utiliza a sua arte como uma ferramenta para a mudança de outras formas - por exemplo, doando os lucros das vendas do seu trabalho para financiar projectos de caridade (anteriormente, apoiou o Hospital Panzi em Kinshasa, na República Democrática do Congo, que presta cuidados de saúde a mais de 80 mil mulheres e raparigas sobreviventes de violência sexual relacionada com conflitos).
A arte foi uma vocação
Desde tenra idade, Msezane tinha um coração criativo - expressando-se através de poemas, desenhos e vestidos, mas não esperava tornar-se uma artista.
"Não pensei que ser artista fosse viável para mim", explicou. Encorajada pela tia, começou a estudar belas-artes na Universidade da Cidade do Cabo - uma experiência que descreve como "muito frustrante", devido ao eurocentrismo do currículo.
"Estava sempre a tropeçar nos conceitos de que os africanos não eram produtores do seu próprio trabalho, mas sim seres sem rosto e sem nome".
Enquanto observava a paisagem e a arquitetura da Cidade do Cabo, Msezane inspirou-se para pensar no que a cidade tinha a dizer sobre a história das mulheres negras. "Descobri que era bastante estéril em relação às nossas histórias", disse Msezane à CNN.
Esta observação marcou o início da sua série de performances artísticas Public Holidays, em que Msezane aproveitava o dia de folga do seu emprego como administradora artística para encenar espectáculos na cidade.
"Tornou-se uma tarefa para mim reinserir algumas das histórias sobre as quais estava a pensar nos feriados políticos, em relação às estátuas coloniais, masculinas e europeias", disse. Representou a Lady Liberty no Dia da Liberdade e Rosie the Riveter no Dia do Trabalhador. Pouco tempo depois, Msezane deixou o seu emprego e começou a trabalhar a tempo inteiro como artista. "Foi mais ou menos assim que a vida se desenrolou... foi uma vocação."
Agora, suspensa no teto de uma galeria no sul de Londres, a imagem de Msezane saúda os visitantes e chama a sua atenção imediata. "Quero que entrem com uma sensação de espanto e que deixem que esse espanto se apodere dos seus sentidos", disse ela. "Quando virem a imagem, deixem-nos ir para onde precisam de ir."