Destas, 5.975 viviam na condição de sem-teto, ou seja, a viver na rua, num abrigo de emergência ou noutro local precário
Mais de 10.700 pessoas viviam na condição de sem-abrigo em 2022, segundo os dados oficiais mais recentes, em que pela primeira vez foi feito um levantamento em todos os municípios de Portugal continental.
Segundo a síntese de resultados do Inquérito de Caracterização das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo para o ano de 2022, “foram sinalizadas 10.773 pessoas em situação de sem-abrigo”.
Destas, 5.975 viviam na condição de sem-teto, ou seja, a viver na rua, num abrigo de emergência ou noutro local precário, enquanto as restantes 4.798 não tinham casa e viviam num alojamento temporário.
Em entrevista à agência Lusa, o coordenador da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo (ENIPSSA) admitiu que quantitativamente há um aumento em relação a 2021, mas apontou como explicação o facto de, pela primeira vez, todos os municípios terem preenchido o questionário que permite fazer o levantamento do número de pessoas sem-abrigo.
Questionado sobre se o número de pessoas sem-abrigo poderá ser mais elevado, tendo em conta que muitas associações de apoio a estas pessoas dão conta de que o fenómeno está a aumentar, Henrique Joaquim recusou pronunciar-se, argumentando não ter dados estatísticos para 2023.
“Estamos a falar de dois períodos temporais diferentes, portanto, uma coisa é falarmos até 2022, outra coisa é falarmos da realidade em 2023, aí não consigo dar números concretos”, apontou, acrescentando que o método atual passa por só no final de cada ano ser aplicado o questionário de caracterização.
Os dados divulgados hoje referem que “face à população residente, existiam em Portugal continental 1,08 pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes”.
“O Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa e o Algarve [são] as regiões que registaram as proporções mais elevadas, respetivamente 2,13; 1,60 e 1,51 (pessoas em situação de sem-abrigo por mil residentes)”, lê-se no documento.
Depois de solicitada informação aos Conselhos Locais de Ação Social (CLAS) ou Núcleos de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) dos 278 concelhos, dos quais se obteve 278 respostas, “não foram consideradas as respostas de Estremoz, Faro, Olhão e Portimão por se ter verificado que não correspondem ao número de pessoas em situação de sem-abrigo nesses territórios”, o que, ainda assim, corresponde a uma taxa de resposta validada de 98,6%. Já em 2021 não foi possível obter os dados do concelho de Sesimbra.
“Atendendo aos números reportados pelos 273 concelhos que participaram na recolha de informação a 31 de dezembro de 2021 e 31 de dezembro de 2022, verifica-se um aumento de 19% de pessoas em situação de sem-abrigo em território continental”, lê-se no relatório.
Segundo os dados apurados, existem pessoas sem-abrigo em 156 dos concelhos (57%), sendo que nos restantes 118 não houve qualquer registo.
O fenómeno está disperso um pouco por todo o território nacional, “com concentração substancial nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto”.
“Observa-se que estes territórios concentram 56% do valor total de pessoas em situação de sem-abrigo”, lê-se no relatório, que acrescenta que “50% dos concelhos tem, no máximo, 10 pessoas nessa situação e 21% tem até duas pessoas em situação de sem-abrigo”.
Segundo o coordenador da ENIPSSA, o perfil da pessoa em situação de sem-abrigo não sofreu alteração, mantendo-se, genericamente, o género masculino, em idade ativa acima dos 45 anos e “com várias problemáticas associadas”.
No entanto, foram identificados 1.099 casais em situação de sem-abrigo em todo o país, 781 dos quais na condição de sem teto.
“A naturalidade de 13% das pessoas sem teto é desconhecida”, enquanto “para os restantes, prevalece a naturalidade portuguesa”.
Refere também que quase um terço do total de pessoas sem-abrigo estão nesta condição entre um a cinco anos e para 61% o Rendimento Social de Inserção (RSI) é a fonte de rendimento mais mencionada.
Por outro lado, os dados indicam que só no ano passado 717 pessoas conseguiram deixar a situação de sem-abrigo e encontraram uma habitação permanente, das quais 323 na área metropolitana de Lisboa.
Contabilização de sem-abrigo vai ter novo sistema de informação
A contabilização das pessoas em situação de sem-abrigo vai ser feita com recurso a um novo sistema de informação, para permitir ter dados mais rápidos e personalizados, anunciou o coordenador da Estratégia para a Integração das Pessoas Sem-Abrigo.
Atualmente, só no final de cada ano é que cada Conselho Local de Ação Social (CLAS) ou Núcleo de Planeamento e Intervenção Sem-Abrigo (NPISA) dos 278 concelhos aplica o questionário de caracterização, o que faz com que os dados conhecidos mais recentes sejam os relativos a 2022, e que referem a existência de 10.773 pessoas em situação de sem-abrigo.
Em entrevista à agência Lusa, por ocasião da publicação dos dados relativos a 2022, Henrique Joaquim revelou que já está “em fase de implementação um sistema informático de informação, através de uma aplicação informática”.
“Vai permitir aos técnicos, às equipas, fazer a gestão, quer das situações personalizadas, quer depois nós também podermos ter dados em tempo mais curto, até em tempo mais real”, explicou.
Acrescentou que com esta ferramenta informática, os técnicos que estão a acompanhar as situações poderão registar, “até se quiserem na rua”, o acompanhamento que está a ser feito com cada pessoa ou definir objetivos daí para a frente.
“O instrumento vai estar preparado para que, quer a nível local, concelhio, quer a nível nacional, nós possamos em todo o momento extrair a informação que nos permita ir tomando decisões mais atempadas”, defendeu.
Sublinhou que uma das metas é que cada uma das pessoas em situação de sem-abrigo tenha um gestor de caso e que com esta nova ferramenta esse indicador será um dos primeiros a ser monitorizado, apontando que é “um ponto crítico” para haver sucesso na intervenção.
Adiantou que a implementação do novo sistema começou “há umas semanas” e está a ser disseminado nos “35 núcleos que trabalham diretamente com a estratégia”.
“O objetivo é vir a substituir a metodologia que temos de recolha de dados através de questionário, no fim do ano, por este sistema de informação”, apontou Henrique Joaquim.
Questionado sobre se o número de pessoas sem-abrigo poderá ser superior ao registado em 2022, tendo em conta que não inclui a realidade de 2023 e algumas associações referem que a perceção que têm é a de que o fenómeno poderá ter aumentado, o responsável considerou “normal que haja essa perceção”.
“Isto é um fenómeno muito volátil, mas lembro-me que no ano passado as organizações até sentiam que mesmo tendo havido uma pandemia e logo a seguir uma crise, a tendência não era significativamente diferente [em anos anteriores]”, referiu, acrescentando que assim que os dados relativos a 2023 estiverem disponíveis será possível aferir se a perceção se confirma ou não.
Henrique Joaquim disse esperar que no início de 2024 haja já dados sobre o ano de 2023 e que daí em diante seja possível ter “informação mais fidedigna” durante o respetivo ano corrente.
De acordo com o coordenador da Estratégia para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo, este instrumento só agora está a ser implementado porque foi preciso aguardar pelo parecer positivo da Comissão Nacional de Proteção de Dados, o “que demorou porque estas questões são complexas”.