A história do guru da preparação física (que o At. Madrid emprestou ao Uruguai)

28 nov 2022, 08:03
Óscar Ortega (Getty Images)

Chama-se Óscar Ortega, é formado em Educação Física, trabalha com Diego Simeone e criou um método próprio, que se destaca pelas enormes cargas físicas que dá aos jogadores. O português Dani trabalhou com ele e diz que as tareias fazem sentido, porque os jogadores sentem-se a melhorar. Por isso é tão estimado pelo atletas. No Qatar, é reforço do Uruguai, adversário de Portugal esta noite, que só conseguiu convencer o At. Madrid a cedê-lo durante um mês após a intervenção do Presidente da República.

Era novembro, do ano da graça de 2021. Uma data marcante para a seleção uruguaia, que colocou um ponto final numa longa ligação de quinze anos com o histórico Óscar Tabarez. El Maestro, como era conhecido, acabou por ser vítima dos maus resultados.

O Uruguai estava em sétimo lugar da fase de apuramento sul-americana e em sério risco de falhar o Mundial 2022. A Federação do Uruguai decidiu tomar uma decisão difícil e abrir uma nova era, depois do sucesso do Maestro Tabarez ao longo de década e meia.

Surgiram então três nomes para a sucessão: Diego Alonso, Diego Aguirre e Alexander Medina.

A balança acabou por inclinar-se para o lado do primeiro, pela razão mais invulgar: por causa do preparador-físico. Diego Alonso apresentou como trunfo uma equipa técnica com Óscar Ortega, o homem que em Espanha é considerado o guru da preparação física e que no Uruguai é uma instituição.

Nos dois países é conhecido por Profe Ortega.

«A confirmação de que o Profe tinha o aval do At. Madrid para integrar a equipa técnica da seleção foi fundamental no momento da decisão», revelou o dirigente Jorge Casales.

Nesta altura convém referir que Óscar Ortega faz parte da equipa técnica de Diego Simeone desde 2007. Começou com ele no Estudiantes, passou por River Plate, San Lorenzo e Catania, e nas últimas onze épocas têm feito história no At. Madrid juntos.

Graças a um acordo de cavalheiros, Óscar Ortega conseguiu uma autorização para se juntar durante quatro jogos ao amigo Diego Alonso, que curiosamente conhecera no At. Madrid: eram duas jornadas internacionais, o preparador-físico viajaria num avião alugado pela Federação para transportar os jogadores que atuam na Europa e regressaria logo após o último jogo.

Era, portanto, um part-time, pelo qual Ortega não cobrava salário. Em caso de apuramento do Uruguai para o Mundial 2022, aí sim, o preparador-físico receberia um prémio. O que é certo é que a seleção uruguaia venceu os quatro jogos e garantiu presença no Qatar.

Mas o que tem, afinal, Óscar Ortega de especial?

Nascido em Montevideu, há 64 anos, licenciou-se em 1975 no Instituto Superior de Educação Física, da capital uruguaia.

«Era um aluno brilhante e já naquela altura se notava que ia chegar longe», disse um professor dessa altura ao jornal Referí.

Mesmo assim, a carreira começou na escola, onde durante alguns anos foi professor de ginástica. Até que no início da década de oitenta o pai de um colega da faculdade o meteu a trabalhar nas camadas jovens do River Plate do Uruguai. Passou depois pelas camadas jovens da seleção e do Peñarol, até que em 1985 chegou ao futebol sénior: no Gimnasia y Esgrima.

Passou depois por vários clubes argentinos, uns maiores, outros mais pequenos. Pablo Rodríguez conheceu-o no Argentinos Juniors, por exemplo.

«Fazia trabalhos de oito ou de sete minutos. Depois disso treinavas normalmente durante uma hora e um quarto. Fazia muitos exercícios com bola, nada a ver com aqueles preparadores físicos que te punham a dar vinte voltas ao relvado. Foi o primeiro a quem ouvi dizer que queria os jogadores para jogar futebol e não para correr uma maratona», disse Rodríguez.

«Nos dias de jogo fazia algo muito atípico. Em vez de juntar o plantel para tomar junto o pequeno-almoço, pegava num carrinho de mão e ia de quarto em quarto a dar o pequeno-almoço na cama a cada jogador e deixava-nos ficar a dormir. Gostávamos muito dele.»

Ao longo dos anos, Óscar Ortega foi criando um modelo de preparação física muito próprio.

A parte mais mediática do modelo do Profe Ortega é a exigente pré-temporada. Para o uruguaio, é um trabalho que não se discute. É básico e inegociável. Durante cerca de duas semanas, o plantel viaja para Los Angeles de San Rafael, na região da Segóvia, para no meio do verde e das montanhas levar verdadeiras tareias físicas. É normal muitos atletas acabarem o dia a vomitar, do esforço feito, mas Óscar Ortega diz que faz parte do sucesso.

É nessa altura que é feito o que ele chama de período de introdução: trata-se de um microciclo dentro da pré-época, dura sete dias e serve para fazer a preparação muscular dos atletas, para que consigam evitar lesões e manter a máxima disponibilidade física ao longo de toda a época.

«Não vou fazer uma pré-temporada se não houver uns dias de introdução», disse uma vez.

«Dá grandes tareias, é verdade, mas as tareias com ele fazem sentido»

O método criado pelo preparador físico está, de resto, muito longe de terminar na pré-época. Um outro aspeto fundamental é a individualização do trabalho. Todos os atletas são estudados de forma a saber-se exatamente onde estão os limites e adaptar a carga para os ter no máximo.

Nesse sentido, é fundamental não haver o que ele chama de «fugas»: que ninguém trabalhe abaixo da intensidade desejada para ele. Para isso os atletas são controlados permanentemente.

«Não quero saber se algum está a relaxar ou não, quero sim estar seguro de que a carga que lhe estamos a dar é a correta ou se é preciso aumentar. Assim sabemos sempre se algum está com uma intensidade mais baixa e que trabalho individual devemos fazer para o compensar.»

Intensidade, agressividade e concentração são as três bases do trabalho de Óscar Ortega e para isso é necessário fazer muito trabalho duro, muito trabalho sem bola.

«Era muito bonito dizer que treinamos sempre com bola, mas não é assim. As cargas ortodoxas são fundamentais no nosso método, porque os níveis de potência aeróbica e a velocidade aeróbica máxima dos jogadores são aspetos-chave na forma de jogar do Atlético», refere.

«Toda a equipa técnica trabalha para potenciar uma forma de jogo, que é a de Cholo Simeone. É isso que eu faço sempre, potenciar os jogadores para a forma de jogar do treinador.»

O português Dani trabalhou com Óscar Ortega no At. Madrid, em 2001-02, ainda antes de Diego Simeone chegar ao clube, e fala sobre ele com grande carinho.

«Nós tínhamos uma forma de jogar que era muito intensa e o trabalho que o Profe Ortega fazia era muito esse: nós trabalhávamos muito a potência, mas depois rapidamente transformávamos isso em velocidade no campo. Da mesma forma que o trabalho que se fazia no ginásio, por exemplo, um trabalho de força, era transformado em potência no relvado», refere.

«Conseguia trabalhar individualmente as necessidades dos jogadores, sabendo exatamente o que cada atleta precisava especificamente. Mas ao mesmo tempo conseguia fazer com que esse trabalho fosse aplicado às necessidades da equipa. Isso melhorava muito cada jogador e melhorava também o nosso jogo. É um excelente profissional e um grande homem.»

Dani trabalhou com Óscar Ortega precisamente na época em que o uruguaio conheceu Diego Alonso, o treinador que o foi buscar agora para a seleção do Uruguai, e que nessa altura era ainda um avançado que partilhava o balneário com o português.

A amizade dos dois vem desse ano, quando se conheceram. Mas não pode dizer-se que fosse uma amizade especial: Ortega conseguia criar relações fortes com todos os jogadores e tratava a todos da mesma forma.

«É muito profissional. Muito exigente, sim, mas consegue estabelecer relações fortes com os atletas e todos gostam dele. Dá grandes tareias ao plantel, é verdade, mas as tareias com ele fazem sentido. Obtém-se resultados e nós conseguimos ver como melhoramos.»

 

A intervenção do Presidente da República para convencer o At. Madrid a libertar o Profe

Foi por isso, porque é uma parte decisiva do êxito do At. Madrid, que Diego Simeone nunca abdicou dele. Desde que começou a treinar, em 2007, fez questão que Óscar Ortega o acompanhasse sempre: ele que o conheceu ainda enquanto jogador, também no Atlético.

Aceitou partilhá-lo com a seleção uruguaia, é verdade que sim, mas apenas durante quatro jogos: e porque o próprio Ortega lhe pedira.

Depois disso, e depois do apuramento para o Mundial, a presença do preparador físico no Qatar tornou-se uma novela. Até o Presidente da República do Uruguai entrou na história.

Na verdade, Luís Lacalle Pou conhecia Óscar Ortega há muitos anos: este último tinha sido professor do atual Presidente da República no Colégio Britânico de Montevideu, quando o político tinha cinco anos, convencendo-o até a entrar na equipa de futebol da escola.

Lacalle Pou manifestou por isso a vontade de interceder por Ortega junto do At. Madrid, tendo para tal encarregado o antigo embaixador em Espanha, e amigo íntimo de Enrique Cerezo, de conseguir a autorização para que Profe Ortega pudesse ir ao Qatar. Foram sete meses de conversas, viagens a Madrid, reuniões, até que sim, foi dada permissão para Ortega viajar.

Ora esta segunda-feira, o Uruguai defronta Portugal, o que levanta do ponto de vista da Seleção Nacional uma pergunta: numa prova tão curta, que na melhor das hipóteses durará um mês e meio, é possível ao preparador-físico fazer um trabalho que marque a diferença?

O próprio Ortega diz que sim.

«Vai ser um Campeonato do Mundo diferente, muito equilibrado. Os jogadores não chegam tão carregados fisicamente e vão estar com a motivação no topo», referiu.

«Por isso temos de fazer um plano de trabalho físico para os jogadores, sabendo que eles não podem exagerar na intensidade. Temos de fazer uma semana de carga muito cuidadosa, para que nos jogos os atletas estejam fisicamente no máximo», explicou.

A ideia é ter os jogadores rápidos e potentes: João Félix saberá bem o que isso é.

A estreia não foi feliz, é verdade: o Uruguai empatou com a Coreia do Sul e deixou uma pálida imagem. Nada, porém, que tire o entusiasmo ao Profe Ortega.

«Tal como, quando assumimos a seleção, eu disse que iríamos apurar-nos para o Mundial, agora digo: cuidado com o Uruguai.»
 

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