O pagamento de um 15.º mês nunca avançará nestes moldes, até porque o rabo de fora das empresas é demasiado grande para esconder o gato ao PS – neste país, quando se quer baixar impostos a casa vem abaixo. Mas esta proposta da CIP tem o enorme mérito de trocar as voltas às reivindicações. Só lhe falta apresentar as outras 29 das 30 propostas do seu Pacto Social.
O que a CIP quer é baixar impostos – e nunca na vida a maioria absoluta PS irá nisso.
Mas esta proposta da CIP - de as empresas pagarem um 15.º mês isento de impostos e contribuições - já tem o mérito de quebrar as inércias empresariais, sindicais e políticas que todos os anos arremessam percentagens umas contra as outras sem alterar equilíbrios nem desequilíbrios. Agora, é como a torre passar a fazer diagonais ou o bispo mover-se em linhas e colunas num tabuleiro de xadrez: de repente, a CIP – a CIP! - defende aumentos salariais. 6,7% de uma vez. 6,7% líquidos. 6,7% brutos.
Bruto = líquido. Eis a igualdade desta fórmula sobre a desigualdade.
Não há espaço político em Portugal para debater descida de impostos: a direita (PSD e IL) fala disso como se não soubesse falar de mais nada, é quase o seu programa político inteiro; a esquerda (toda) aniquila qualquer debate com a proclamação de que quem quer descer impostos quer destruir o Estado. Talvez me engane mas vai ser esse discurso infértil e infantil que vai matar a proposta da CIP. Infelizmente. Porque a CIP falha ao esconder 29 de 30 propostas do seu pacto (esconde o quê?) e a sua proposta é demasiado complexa (na teoria e na prática), mas tem o enorme mérito de inverter os pontos cardeais de uma bússola que falha sempre o Norte.
1.º As empresas já vão aumentar os salários e a CIP sabe-o
A proposta da CIP está entre o engenhoso e o ardiloso.
O engenho está nos “altos aumentos” prometidos: eles já vão acontecer.
Com esta inflação alta e este desemprego baixo, os salários irão continuar a subir, faça a CIP o que fizer, proponha a CIP o que propuser. Como, aliás, estão a subir este ano: de janeiro a julho deste ano, os salários médios declarados à Segurança Social subiram 7,6% em relação ao mesmo período de 2022. A falta de mão de obra para tanto emprego tem sido compensada com imigração, mas numa economia aquecida e com procura de trabalho, os salários sobem. Não é preciso ser grande CEO para saber isto.
Ou seja, a CIP não está a ter um surto súbito de marxismo e a propor aumentos libertários, está sim a antecipar inteligentemente o que já sabe que provavelmente acontecerá (aumentos salariais) tentando negociar políticas públicas com isso - e apropriando-se de argumentos sindicais.
O ardil está em querer aproveitar esses inevitáveis aumentos para baixar a tributação em Portugal, garantindo que os salários reais sobem em vez de serem em grande parte abocanhados pelo Estado.
2.º Como a proposta da CIP baixa impostos
Enquanto qualquer trabalhador faz contas ao salário líquido mensal, qualquer empresa faz contas ao custo salarial total anual (14 meses de salário bruto mais 23,75% de TSU e outras despesas). Para a empresa, se o custo anual é dividido por 12, por 14 ou por 15 mexe com a tesouraria, mas não faz grande diferença nos custos.
Ora, a proposta da CIP quer aumentar o primeiro (salário líquido médio do trabalhador) baixando o segundo (custo médio da empresa). E como as contas das empresas – e do Estado – se fazem ao ano, o que isto provoca é uma descida do IRS e das duas TSU: a paga pelo trabalhador (que na proposta da CIP baixa implicitamente de 11% para 10,2% do rendimento total, contas nossas) e a paga pela empresa (que implicitamente desce de 23,75% para 22,2%).
Admitamos que as empresas, em média, irão mesmo aumentar em 6,7% as remunerações no próximo ano. O que acontece nesse pressuposto é que elas aumentarão os seus gastos médios em 8,3% (porque lhes acresce 23,75% de taxa social única) e os trabalhadores irão ter aumentos líquidos de apenas cerca de 5% (no caso de um salário médio) ou menos (em salários mais altos). O que a CIP propõe é uma “zero flat tax” para os aumentos. Ou seja, num caso as empresas pagam mais 8,25% e um trabalhador com um salário bruto de 1 250 € recebe mais 5,5%; no outro é 6,7% totais, líquidos e brutos:
15.º mês | Aumento salário bruto | Empresas pagam mais | Trabalhadores recebem mais* | Estado recebe mais* |
Com tributação atual | 6,7% | 8,25% | 5,5%* | 2,75% |
Com proposta da CIP |
6,7% | 6,7% | 6,7% | 0% |
Elaboração própria. * Exemplo para um salário mensal de 1250 € brutos, sem considerar o subsídio de alimentação (que não é pago no 15.º mês), para um solteiro sem filhos
Transformando a tabela anterior em valores, para o exemplo de 1250 euros mensais, o que se obtém é o seguinte:
15.º mês | 15.º bruto | Empresa paga | Trabalhador recebe* | Estado recebe* |
Com tributação atual | 1 250 € | 1 547 € | 999 € | 548 € |
Com proposta da CIP | 1 250 € | 1 250 € | 1 250 € | 0 € |
Elaboração própria. * Exemplo para um salário mensal de 1250 € brutos, sem considerar o subsídio de alimentação (que não é pago no 15.º mês), para um solteiro sem filhos
Podemos fazer ainda uma outra tabela, "mensualizando" os aumentos, ou seja, comparando um aumento mensal de 6,7% nos moldes atuais com a proposta o 15.º mês tal como é proposto pela CIP mas dividindo esse efeito por 14 meses:
Aumento de 6,7% | Aumento bruto mensal | Empresa paga mais (mês) | Trabalhador recebe mais (mês)* | Estado recebe mais (mês)* |
Com tributação atual | 83,4 € | 103,2 € | 51,8€ | 51,4 € |
Com proposta da CIP | 89,3 € | 89,3 € | 89,3 € | 0 € |
Elaboração própria. * Exemplo para um salário mensal de 1250 € brutos, sem considerar o subsídio de alimentação (que não é pago no 15.º mês), para um solteiro sem filhos
É por isso que a CIP diz que, na verdade, o aumento de salário líquido “equivale a dois meses”, o que é pouco rigoroso mas pretende sublinhar a carga de impostos. Em termos brutos, é um mês; em termos líquidos, é mais.
3.º A proposta vai chumbar
Na prática, a CIP está a propor que os aumentos salariais sejam livres de impostos, o que nem este PS nem nenhum Ministério das Finanças aceitará. Pelo menos no que respeita à Segurança Social: repare-se que as empresas já podem pagar um 15.º mês (ou mais) como prémio anual, quando querem, o que constitui remuneração variável sujeita a IRS e a segurança social.
Já estamos a ver o filme: vão chamar a CIP de manipuladora, mentirosa e destruidora do Estado. A CIP até contribui para isso ao esconder 29 de 30 propostas e ao fazer de conta que está a “dar” o que está a “vender”. Mas o que não lhe perdoarão é a troca de posições negociais, em que são as empresas a assumir o discurso dos aumentos salariais. E o que não lhe perdoarão é quererem baixar impostos sem o assumirem frontalmente.
Quem mais ganha com aumentos salariais em Portugal é o Estado. Num salário de 1000 mil euros líquidos (sem subsídio de alimentação), para que o trabalhador ganhe mais 100 euros líquidos a empresa tem de gastar mais 204 euros por mês. Este é o problema essencial dos aumentos salariais – e isso que a CIP está a dizer, que o esforço das empresas deve refletir-se mais nos salários líquidos e menos nas receitas do Estado.
Qualquer micro-empresário sabe isto, o muito que lhe custa aumentar um pouco um empregado.
Qualquer micro-empresário sabe também isto: que este 15.º mês não passará.
É isso que o governo dirá: elogiará a CIP pelo esforço construtivo mas dirá que esta proposta, tal como está, é contra o Estado. Quer ver? Em 3, 2, 1...
Nota. artigo alterado às 13:55 de 25 de setembro corrigindo a tributação das remunerações variáveis.