"Mais afastado da realidade e com a guarda pretoriana atenta". Vêm aí mais seis anos de Putin com dois grandes desafios

6 mai, 22:16
Vladimir Putin. Foto: Grigory Sysoev, Sputnik, Kremlin Pool Photo via AP

Incontestável, o líder russo prepara-se para tomar posse para mais seis anos de liderança. Certo é que Vladimir Putin governa com menos oposição que nunca

Com um poder cada vez mais consolidado, Vladimir Putin prepara-se para cumprir esta terça-feira um dos mais importantes rituais da política russa. Num ato milimetricamente coreografado, Vladimir Putin vai subir as escadarias do Kremlin até entrar no Salão de Santo André, onde, rodeado das principais figuras do regime russo, subirá ao palco para colocar a mão direita sobre a constituição e recitar o juramento presidencial. Para os especialistas, estes próximos seis anos vão mostrar um Putin cada vais preocupado com a sua própria segurança.

“Vamos ter um ditador cada vez mais afastado da realidade. Um ditador cada vez mais fechado no seu círculo íntimo. Um ditador que vai precisar de ter uma guarda pretoriana constantemente atenta. Um ditador que vai apostar enormemente na sua proteção e, por isso, veremos uma enorme aposta nos serviços secretos”, afirma o professor José Filipe Pinto, especialista em Relações Internacionais.

Desde que se tornou presidente russo pela primeira vez, no último dia de 1999, Vladimir Putin moldou à Rússia à sua imagem. Antigo homem dos serviços secretos soviéticos, o recém-nomeado presidente russo tratou de trazer a ordem à recém-formada Federação Russa, que se encontrava mergulhada no caos que resultou do colapso da União Soviética. Esmagou a oposição, criou mecanismos para limitar a imprensa livre e promoveu o nacionalismo russo e a igreja ortodoxa.

Mas agora Vladimir Putin gere um país que mergulhou por completo numa guerra de conquista territorial na Ucrânia e tem vindo a ser alvo das mais duras sanções económicas de que há registo. Cerca de 40% do orçamento do Estado russo é para a gastos militares, um número que demonstra que Moscovo se prepara para uma guerra de longa duração.

“Os regimes mais autoritários são os mais poderosos até ao dia em que deixam de ser. Seis anos são muito tempo e o mundo muda muito depressa, mas um dos principais desafios de Putin será manter uma opinião pública dessatisfeita numa economia de guerra que se traduz numa perda de qualidade de vida”, insiste Diana Soller.

A guerra na Ucrânia, que caminha para o seu terceiro ano, não dá sinais de tréguas. Os números de baixas não são públicos, mas, para ambos os lados, as perdas são elevadas. Mas isso não trava as ambições de Vladimir Putin que este ano voltou a prometer continuar a guerra até atingir “todos os seus objetivos”, que passam pela “desmilitarização” e pela “desnazificação” da Ucrânia.

Mas do outro lado, a vontade de defender o território permanece intacta, com a Ucrânia a aprovar uma nova lei de mobilização de soldados e com os Estados Unidos a aprovar um novo pacote de ajuda militar no valor de 61 mil milhões de dólares. Apesar de os analistas não considerarem como garantia a continuidade do apoio norte-americano ao longo dos anos, esta aprovação significa que o final do conflito ainda não chegará este ano e isso será um desafio para Putin.

“Nós não sabemos se a guerra acaba daqui a seis anos ou se acaba dentro deste mandato. Uma guerra é sempre um desafio gigante para qualquer líder que esteja dentro desse contexto. É um desafio gigante para Vladimir Putin”, insiste Diana Soller.

A guerra na Ucrânia permitiu a Putin consolidar a criação de “ameaças externas contra a mãe-Rússia”. José Filipe Pinto explica que a máquina de propaganda do Kremlin conseguiu colocar o ocidente como invasor, apesar de ter sido a Rússia invadir a Ucrânia 24 de fevereiro de 2022.

Apesar de tudo, o país tem-se demonstrado bastante resiliente contra estas restrições. A economia russa cresceu 3,6% em 2023 e espera-se que volte a crescer 3% em 2024. Apesar de todas as restrições impostas pelo ocidente, o Kremlin soube redirecionar o potencial económico russo e as suas cadeias de fornecimentos para países terceiros, bem como criando formas inovadoras de escapar às sanções.

Mas o verdadeiro balão de oxigénio de Moscovo reside em Pequim. O regime de Xi Jinping, que celebrou um acordo de “parceria sem limites” com a Rússia dias antes da invasão à Ucrânia, tem aproveitado as circunstâncias para comprar petróleo e gás à Rússia a preços muito competitivos. Ao passo que China aproveitou para “tapar” o vazio criado pela saída das empresas ocidentais do mercado russo.

“Putin não corre nenhum risco a nível interno. Mas a nível externo existem dois: a mudança de posição dos Estados Unidos da América e a mudança de posição da China”, afirma José Filipe Pinto, que não descarta a possibilidade de os norte-americanos decidirem enviar militares para a Rússia.

O atual cenário geopolítico fez com que a Rússia estivesse “dependente” da China para continuar a conduzir uma guerra de alta intensidade e não destruir a sua economia no processo. Só que, para José Filipe Pinto, a liderança chinesa é pragmática e a sua posição é flexível. Neste momento, Xi Jinping olha para Moscovo como “um aliado para combater a hegemonia norte-americana” e, por isso, está disposto a apoiar. Mas se as circunstâncias se alterarem e Pequim vir que esta relação prejudica os seus interesses económicos, então a China pode mesmo vir a mudar a sua política externa.

Existe um outro ponto do planeta que pode colocar novos desafios à estratégia russa nos próximos seis anos. Na capital da Geórgia, milhares de pessoas protesta diariamente contra o governo do país, que aprovou um projeto de lei que força todas as organizações não-governamentais e de media que recebam mais de 20% de financiamento externo a registarem-se como “agentes estrangeiros”.

A reação do povo Geórgio fez-se sentir. Nas últimas duas semanas os confrontos com as autoridades estão a intensificar-se e os confrontos com a polícia já fizeram dezenas de feridos, incluindo o líder do principal partido da oposição. No ar paira o fantasma da revolução ucraniana de Maidan, que levaram à queda do governo pró-russo, e muitos temem que a Rússia possa voltar a interferir, como fez em 2008.

“O desafio que está a ser colocado à Rússia pela Geórgia. Pode ser um espinho, mas também pode ser um bocadinho mais. Povo está a desafiar o poder russo no governo Geórgio. Vamos ver se moscovo quererá interferir para acalmar os ânimos como fez na Ucrânia”, explica Diana Soller.

Mas no plano interno a repressão vai aumentar. As mudanças que o próprio Vladimir Putin introduziu na constituição, em 2020, permitem a Putin interferir diretamente na justiça, removendo juízes federais e juízes do supremo. Além disso, as mudanças no documento permitem que o presidente russo permaneça no poder até 2036, altura em que teria 84 anos.

“Este é um regime de um só homem. Este é o regime de Vladimir Putin, com uma assinatura e de uma ideologia própria, a sucessão de Putin será muito complicada. Será uma sucessão por decreto. A escolha desse sucessor ainda não começou”, garante a especialista.

Para José Filipe Pinto, o caminho traçado por Vladimir Putin nos próximos seis anos vai cada vez mais violento, com o Estado russo a tornar-se crescentemente securitário. Para isso, o presidente russo justificará as suas posições como sendo necessárias para fazer frente a “um ocidente decadente” que se afasta dos valores tradicionais russos. Mas, sem qualquer membro da sua equipa capaz de lhe fazer frente, Putin irá continuar tiver saúde para o fazer.

“O desfecho da guerra na Ucrânia nunca põe em causa a imagem de Vladimir Putin. Putin nunca sairá como derrotado da guerra na Ucrânia, mas também não deverá sair como vencedor. paz, que chegará um dia, não será uma paz, será um armistício. A única limitação no futuro de Putin seria sempre do foro da saúde. Esta entourage vai permitir-lhe manter-se no trono ad eternum. Putin pode governar ad eternum”, frisa José Filipe Pinto.

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