Três investigadores russos "brilhantes" detidos pelo crime de "alta traição" após divulgarem artigos científicos sobre mísseis hipersónicos

CNN Portugal , BCE
18 mai 2023, 23:53
Vladimir Putin na cerimónia que celebra o Dia Nacional do Defensar da Pátria (Pavel Bednyakov/AP Photo)

Denúncia foi feita pelos colegas da Academia Russa de Ciência, que dizem estar a trabalhar num ambiente de grande tensão

Três investigadores russos que trabalhavam no desenvolvimento de mísseis hipersónicos foram detidos por suspeitas do crime de "alta traição" à pátria. A denúncia foi feita pelos colegas do Instituto de Mecânica Teórica e Aplicada, da Academia Russa de Ciências, numa carta aberta na qual dizem estar a trabalhar num ambiente de pânico constante, com receio de cometerem o "menor erro" que lhes custe a vida.

"No ano passado, três destacados cientistas aerodinâmicos de nosso instituto - Anatoly Alexandrovich Maslov, Alexander Nikolaevich Shiplyuk e Valery Ivanovich Zvegíntsev - foram detidos por suspeitas de cometerem um crime de acordo com o artigo mais grave do código penal - "alta traição" (artigo 275 do Código Penal da Federação Russa)", pode ler-se na carta publicada esta semana no site daquele instituto.

De acordo com os investigadores, Maslov, Shiplyuk e Zvegíntsev estão em prisão preventiva por terem participado em conferências e publicado artigos científicos sobre a sua área de investigação - uma prática recorrente na comunidade académica. Maslov e Shiplyuk apresentaram os resultados de um estudo experimental sobre o desenvolvimento de mísseis hipersónicos num seminário em França, em 2012, e os três cientistas colaboraram em 2016 na publicação de um livro sobre instalações hipersónicas na Rússia. No passado dia 7 de abril, Zvegíntsev foi detido por publicar um artigo sobre a dinâmica de gases numa revista científica iraniana.

Um quarto investigador, o chefe do laboratório de tecnologias ópticas quânticas da Universidade de Novosibirsk, Dmitri Kolker, também foi detido no ano passado por alegadamente passar informação à China. O investigador, que sofria de cancro em estado terminal, acabou por morrer quando estava em custódia policial em Moscovo.

"Todos eles são conhecidos pelos seus brilhantes resultados científicos. Os seus conhecimentos e a sua reputação profissional permitiram-lhes encontrar um trabalho prestigioso e bem remunerado no estrangeiro, mas nunca abandonaram a sua terra natal e dedicaram as suas vidas ao serviço da ciência russa", pode ler-se na carta. 

Os investigadores do Instituto de Mecânica Teórica e Aplicada dizem estar a trabalhar agora num ambiente de constante preocupação, não só pelo futuro dos colegas detidos, que podem enfrentar uma pena de até 20 anos de prisão, como também pelo futuro da academia. "Não entendemos como podemos continuar a fazer o nosso trabalho. Por um lado, o principal indicador da qualidade do nosso trabalho (...) é o grau em que os nossos resultados são apresentados à comunidade científica, incluindo publicações científicas e apresentações em conferências. Por outro lado, vemos que qualquer artigo ou relatório pode levar a acusações de alta traição."

"Aquilo pelo que hoje somos recompensados ​​e referenciados como exemplos, amanhã torna-se um motivo de processo criminal. Nesta situação, é simplesmente impossível para o nosso instituto, a única instituição académica do país, com uma extensa base de pesquisa aerodinâmica experimental e numérica, funcionar", lamentam os cientistas russos.

Confrontado com as denúncias dos investigadores, o porta-voz de Vladimir Putin, Dmitry Peskov, disse apenas que "os serviços secretos russos estão a trabalhar" no assunto, classificando a carta aberta como "uma acusação muito séria".

Relacionados

Europa

Mais Europa

Mais Lidas

Patrocinados