“Todos chegarão à conclusão de que ninguém pode vencer a guerra”, diz opositor de Putin

Agência Lusa , DCT
24 mar, 13:55
Boris Nadezhdin (Associated Press)

Boris Nadezhdin é quase um veterano da política russa e a sua candidatura às eleições presidenciais russas reuniu apoios

O opositor russo Boris Nadezhdin afirma que o conflito na Ucrânia se tornou semelhante à I Guerra Mundial, e que nesta combate de trincheiras “todos chegarão à conclusão de que ninguém pode vencer a guerra”.

“A Alemanha perdeu a força que tinha na II Grande Guerra, saiu debilitada do confronto mundial. O conflito actual assemelha-se mais à I Guerra Mundial, não à segunda: as tropas mantêm-se nas trincheiras sem grandes avanços”, disse à Lusa em Moscovo Boris Nadezhdin.

“Quanto aos planos da Rússia, julgo que não é tomar Kiev. Estamos perante uma verdadeira guerra de 'drones'”, adiantou, referindo-se aos aparelhos não tripulados que, por ar e mar, têm sido usado por ambos os lados com eficácia no campo de batalha.

Questionado sobre um possível desfecho para o conflito na Ucrânia, que já está no terceiro ano e sem fim à vista, o opositor russo diz acreditar que ninguém pode vencer.

“Penso que todos chegarão à conclusão, numa certa altura, de que ninguém está em condições de vencer a guerra. Então, o caminho apontará para um tratado de paz”, adiantou.

A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro de 2022 pela Rússia na Ucrânia causou, de acordo com os mais recentes dados da ONU, a pior crise de refugiados na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A invasão russa – justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia - foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que tem respondido com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções políticas e económicas.

A Rússia está hoje a cumprir um dia de luto nacional na sequência do ataque ocorrido na sexta-feira à noite e que é já o mais mortífero em solo europeu reivindicado pelo Estado Islâmico, fazendo perto de 133 mortos.

De acordo com os investigadores, os atacantes entraram de rompante na sala de espetáculos Crocus City Hall antes de abrirem fogo, com armas automáticas, sobre a multidão e atearem um incêndio.

Questionado pela Lusa, o opositor russo escusou-se a comentar o atentado terrorista: “nada vou dizer sobre isso!”.

Boris Nadezhdin vai manter linha de oposição ao Kremlin

O opositor russo Boris Nadezhdin atribui à propaganda do Kremlin a vitória de Vladimir Putin nas eleições russas, às quais foi impedido de se candidatar, e pretende manter a linha seguida, evitando ser detido ou considerado “agente estrangeiro”.

“A maioria da população da Rússia tem já uma certa idade e votou em Putin por duas razões: porque essa camada da população vê muita televisão, que transmite propaganda bem engendrada, e porque, com a chegada de Putin ao poder, o nível de vida da população russa melhorou consideravelmente”, disse à Lusa o opositor russo.

Por outro lado, adiantou, “os jovens não apoiam [Putin], porque recorrem a outros canais de informação”, mas o “problema é que estes nem sempre estão dispostos a participar nos actos eleitorais”.

Como esperado, e na ausência de qualquer candidato que se opusesse às políticas do Kremlin, nomeadamente a invasão da Ucrânia, Vladimir Putin ganhou as últimas eleições de forma esmagadora: obteve o seu quinto mandato com mais de 87% dos votos, um número recorde, nas eleições presidenciais, indicou a Comissão Eleitoral Central da Rússia

O Supremo Tribunal da Rússia rejeitou um recurso de Nadezhdin, que se manifestou abertamente contra a guerra na Ucrânia, após a deliberação da Comissão Eleitoral Central que recusou a sua candidatura por irregularidades processuais.

Boris Nadezhdin é quase um veterano da política russa, mas graças à sua mensagem contra Vladimir Putin e a guerra na Ucrânia a sua candidatura às eleições presidenciais russas reuniu apoios e gerou entusiasmo popular, recolhendo mais de 100 mil assinaturas, número necessário para se registar oficialmente como candidato às eleições.

À Lusa, Nadezhdin rejeita liminarmente as informações da imprensa estatal de que a sua equipa se terá esquecido de entregar à Comissão Central Eleitoral uma lista com assinaturas em seu apoio.

“Não, não é verdade o que apareceu na imprensa. E vou prová-lo através de processos judiciais, nem que tenha de ir até ao Tribunal Constitucional”, garantiu o político russo.

Para Nadezhdin, a sua vitória teria mudado o país, rumo à liberdade e paz, mas o facto de continuar a poder fazer oposição, ao contrário de outros opositores, é para si uma demonstração de que o caminho seguido é o certo.

“Só lhe posso dizer que a Rússia seria um país livre e pacífico”, em caso de vitória, disse à Lusa.

“Há mais de 20 anos que escolhi a minha linha política e o facto de não estar atrás das grades nem constar da lista de ‘agentes estrangeiros’ prova que nada há a alterar, que a orientação pela qual optei é a correcta, a mais acertada neste momento. Mais tarde se verá. Tudo depende de um grande número de fatores, como deverá compreender”, adiantou.

Com a morte na prisão do mais destacado opositor russo, Alexei Navalny, e o mais jovem Vladimir Kara-Murza condenado no ano passado a 25 anos de cadeia, a oposição ao Kremlin debate-se com dificuldades para encontrar uma figura de referência, papel que cabe cada vez mais a Nadezhdin.

Nadezhdin possui destacada formação académica, em áreas tão distintas como Direito, Física e Matemática. Hoje com 60 anos, era já visto como um veterano, tendo integrado o governo russo em 1997-1998: primeiro, como assistente do então vice-primeiro-ministro, Boris Nemtsov; depois, como secretário do primeiro-ministro, Serguei Kirienko, que agora é o responsável por toda a política interna do país, incluindo as eleições presidenciais de março.

Em dezembro de 1999, Nadezhdin foi eleito para a Duma Estatal pela União das Forças de Direita, uma formação em que militavam Boris Nemtsov, mais tarde assassinado perto do Kremlin.

Em 2003, não conseguiu ser reeleito para a Duma Estatal e, como ele mesmo diz, assumiu a oposição a Putin, após a prisão do oligarca Mikhail Khodorkovsky.

Nadezhdin aponta agora outro nome na oposição ao Kremlin, após a morte de Navalny, em 16 de fevereiro numa prisão no Ártico.

“É difícil dizer se [Navalny] era o principal opositor. Ele estava preso e agora há Ilia Iachine", ex-colaborador de Navalny crítico do conflito na Ucrânia e preso desde 2022 por divulgar “informação falsa sobre o Exército”, sublinha Nadezhdin.

O opositor revelou ter participado do funeral de Navalny e salienta a grande mobilização da população moscovita.

“Eu fui ao funeral e calculei que pelo menos 10 mil pessoas foram despedir-se de Navalny”, adiantou.

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