Rui Santos volta ao tema da arbitragem, na passagem da jornada 12 para a jornada 13. E visa os jogos em Guimarães, Luz e Dragão, dizendo que é preciso ir ao fundo da questão e assumir que não há condições para assumir a independência nos jogos que envolvem os ‘grandes’ em Portugal
Há menos de uma semana, logo após a jornada 12 da Liga, confessámo-nos preocupados com a gravidade dos erros de (vídeo)arbitragem, ao verificarmos que alguns vícios instalados no tecido futebolístico nacional continuam a fazer lei e a colocar em causa a verdade desportiva.
Escrevemos (no passado dia 6): “Mais erros graves de videoarbitragem, desta vez dos videoárbitros, Rui Costa e Fábio Melo, respectivamente no Famalicão-FC Porto e Moreirense-Benfica, com efeitos impossíveis de determinar nessas partidas e na luta pelo título”…
“(…) E também no Sporting-Gil Vicente, com o VAR Luís Ferreira a tentar descortinar uma falta de Gyökeres no segundo golo dos ‘leões’ (onde estava a letra do protocolo quando sugere intervenção em situações de erro “claro e óbvio”?), obrigando o árbitro Cláudio Pereira a não seguir a recomendação e a tirar, mais à frente, Coates do jogo de Guimarães (nesta situação, o VAR nada podia fazer), ao mostrar um cartão amarelo sem nenhum tipo de sentido”.
Entretanto, ficou a saber-se que o presidente do Conselho de Arbitragem, José Fontelas Gomes, percebendo o logro das arbitragens neste campeonato, que tem o factor supletivo de uma única equipa a qualificar-se diretamente para a Liga dos Campeões, aumentando as pressões, quis introduzir um elemento de alerta aos seus nomeados, com cortes de 10 por cento nas suas recompensações, a cada lote de dois erros graves.
O efeito para já não teve qualquer eficácia, porque depois do que se viu na jornada 12, a jornada 13 deu-nos a conhecer mais erros grosseiros, como aqueles que se viram em Guimarães (penálti inexistente a penalizar os ‘leões’, num erro de João Pinheiro que o VAR Hugo Miguel, regressado às lides depois de ter estado em foco no Casa Pia-Sporting, validando um golo aos “leões” marcado em fora-de-jogo, por deficiente colocação das linhas, deixou passar, sem correção); como aqueles que se viram no Dragão (o mais inconcebível quando Pepe derrubou Clayton, quando este se preparava para ficar isolado perante Diogo Costa, com 1-0 no marcador) e ainda na Luz, quando um abrir de braço de Otamendi, na área do Benfica, não foi sancionado com um penálti.
Embora muito discutível, levantando questões de natureza jurídica, o princípio seguido pelo Conselho de Arbitragem em “ir ao bolso” dos árbitros que acumulem dois erros graves, é de louvar - num ambiente de crónico “deixa andar” - o aparente inconformismo revelado pelo presidente José Fontelas Gomes em não ficar de braços cruzados, perante aquilo que está a acontecer, jornada após jornada, na Liga Portuguesa.
Fontelas Gomes ‘levou sopa’, recentemente, da Liga quando quis introduzir a questão da criação de uma empresa independente que pudesse gerir a arbitragem, e esse é também um sinal da percepção de que o actual modelo não está a dar as respostas principais na regulação da competição, a este nível.
Há anos, mesmo depois da introdução das novas tecnologias no futebol, através do VAR, que chamamos a atenção para o logro que criou raízes no futebol em Portugal assente nas condições em que os árbitros operam cá no burgo.
O profissionalismo e a entrada em jogo do VAR diminuíram o impacto das influências externas (que dominaram a arbitragem portuguesa, de uma forma chocante, durante décadas), mas essas medidas, importantes, não foram suficientes para se alcançar a imagem de uma competição íntegra.
Por isso, é preciso ir à origem do problema.
E, enquanto não se for à origem do problema (quem ou o quê impedem que os árbitros tenham comportamentos díspares quando dirigem os jogos em determinados estádios ou quando estão em campo determinadas equipas?), há algo que não podemos deixar de questionar, construtivamente: a própria acção do presidente do Conselho de Arbitragem, José Fontelas Gomes.
Será que Fontelas Gomes tem a noção exacta do efeito das suas nomeações? Pensando que está a fazer bem, será que o presidente do Conselho de Arbitragem não está a privilegiar a não existência de problemas maiores com os clubes dominantes em detrimento da proteção da verdade do jogo?
Damos alguns exemplos, um dos quais bem recente: faz sentido nomear Hugo Miguel para VAR no desafio de Guimarães, no jogo de maior destaque que faz após ter estado em foco pela negativa na tal partida entre o Casa Pia e o Sporting, a beneficiar os ‘leões’? Não faz qualquer sentido. Qual era o objetivo?
E qual é a razão pela qual são nomeados árbitros de baixo perfil para os jogos do Dragão, como aconteceu agora, mais uma vez, no FC Porto-Casa Pia, com João Gonçalves (AF Porto), e como já aconteceu com Manuel Oliveira (também da AF Porto) sempre que o ambiente se apresenta mais quente? É mesmo para arrefecer o ambiente? A que preço?
Sem sofismas: quais são os estádios em que o ambiente é mais hostil para os árbitros? Não seria normal que, para esses estádios, fossem nomeados árbitros menos susceptíveis de se deixarem condicionar pelos ambientes?
Mesmo aceitando não se tratar de um mecanismo voluntário para beneficiar o clube A ou B, não estará José Fontelas Gomes a defender-se a si próprio, utilizando os nomeados para defender a proteção (física) da corporação?
Aceitar receber, ao longo da época, os clubes que se queixam dos erros de arbitragem não é um sinal de fragilidade e não é também uma forma de promover a imagem de condicionamento?
Não podemos aceitar que a verdade desportiva seja colocada em causa por não haver outro tipo de proteção dos árbitros ou de quem os nomeia. E é isto que vem subvertendo a competição em Portugal.
E é por achar que, no quadro de árbitros portugueses, há um lote que está estigmatizado clubisticamente (pelos próprios clubes) e que as claques em Portugal - mais umas do que outras - têm tido um papel de condicionamento das arbitragens, venho defendendo a chamada de árbitros estrangeiros para a nossa Liga. Há perda de regalias? Obviamente. É isso que inibe dar esse passo? Então que se defenda a rotação de árbitros estrangeiros por todas as Ligas, numa decisão mais estruturante da UEFA e da FIFA. Os jogadores e os treinadores não estão habilitados a actuar em todas as Ligas? Então abra-se esse critério aos árbitros, que vão gostar certamente de circular, com vantagem de natureza financeira que a organização do Futebol tem de saber suportar, se não quiser transformar a modalidade numa actividade ainda mais duvidosa.
Se não se fizer nada de verdadeiramente estruturante, ficaremos sempre com esta sensação de que a arbitragem vai fazendo a contabilização, jornada após jornada, dos ganhos e das perdas para que, no final, haja alguma aceitação do somatório dos desempenhos arbitrais.
Quando aconteceu aquele erro (grave) no Casa Pia-Sporting, e conhecendo um pouco destes meandros, chegámos a dizer que a pior coisa que pode acontecer no futebol, durante os jogos ou nas jornadas pós-danos, é tentar impor uma certa ‘lei da compensação’.
Não pode ser! Para não se adensar esta ideia de que estamos perante “uma farsa” e que a gestão é feita, sem preocupações de credibilidade, para manter “a máquina dos milhões” a trabalhar. É preciso tirar, urgentemente, o futebol do espaço compreendido entre a falência e a prisão.
Leio que a Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol (IFFHS) incluiu Artur Soares Dias numa lista para se encontrar o melhor árbitro do Mundo, em 2023.
Não tenho a mais pequena dúvida do valor de Artur Soares Dias enquanto árbitro. Mas tenho as maiores dúvidas sobre as condições que Artur Soares Dias reúne para ser árbitro em Portugal. E isso envolve naturalmente o próximo Sporting-FC Porto e o que está em causa.
Não é, obviamente, uma questão de honestidade. É uma questão de contexto. É uma questão de perceber o quê e quem determina que as decisões (não) sejam tomadas. Em Portugal, o exercício da independência não está assegurado. É preciso assumir isso, de uma vez por todas!